Desabafo de um preconceito
Vanessa Lima Vidal é natural de Fortaleza e tem 24 anos. Em 2008, foi a primeira surda a se classificar entre as primeiras colocadas num concurso de Miss Brasil, terminando a competição em segundo lugar. Com a conquista, classificou-se para representar o país no Miss Beleza Internacional, que se realizou na China. No entanto, Vanessa, uma estudante de Ciências Contábeis e Letras/Libras, relata que sofreu muitos problemas nesse concurso internacional, pois não lhe foi cedida sua intérprete de Libras, o que acabou lhe prejudicando. Ela, então, escreveu o artigo “Desabafo sobre o preconceito”, publicado na revista Reação, Ano XI – Ed. nov/dez 2008, onde ela conta o que aconteceu.
“Alcançar o título de Miss Ceará 2008 abriu os olhos da sociedade para o potencial que existe nas pessoas com deficiência. Obter o 2° lugar no Miss Brasil 2008 reafirmou a presença marcante das pessoas com deficiência na sociedade através da beleza, simpatia, inteligência e capacidade durante o concurso, abrindo assim portas para a participação no Miss Beleza Internacional, onde todos perceberam que, mesmo sendo surda, com oportunidades inclusivas, poderia concorrer em igualdade com as demais participantes.
Durante a organização para participar do Miss Beleza Internacional, algumas circunstâncias me mostraram que encontraria barreiras. Ao chegar ao Japão, logo percebi a realidade que enfrentaria, ficando assustada com a situação. O sentimento que me consumia era de ter voltado ao início de tudo, ao início de minha carreira.
Estava sem intérprete de Libras e a inclusão tão esperada por mim e pela comunidade surda em todo o mundo, não existiu. Vi meus sentimentos sendo esmagados, meus direitos desrespeitados. Questionava-me como a sociedade, sendo conhecedora da realidade das pessoas surdas, de sua cultura, de sua acessibilidade específica, deixou que isso acontecesse.
As outras concorrentes estavam acompanhadas de tradutores poliglotas fazendo valer o mesmo direito que a mim foi negado. Reafirmo aqui o valor da Inclusão. Imaginemos um mundo escuro, sem cor, nem vida… Cada um com suas diferenças, deficiências; brancos ou negros, surdos ou ouvintes; todos, sem exceção, dão cor ao mundo, tornando-o menos preconceituoso, colorido e melhor de se viver. Creio que esta postura inclusiva é a mais coerente para amenizar a discriminação vivenciada.
Desde o período que concorri ao Miss Ceará 2008, barreiras se colocavam diante de mim e eu as transformava em portas, em oportunidades de crescimento e aprendizagem. Foram muitas lições aprendidas. O que eu vivenciei no exterior derrubou toda inclusão perfeita que eu idealizei para o concurso. O mês que antecedeu o concurso foi para mim um sacrifício devido à ausência de intérprete, refletiram numa comunicação quebrada… Os expectadores do concurso não perceberam o que eu sentia naquele momento. Ao apresentar-me ao público, utilizei a Libras de maneira simplificada. Senti-me prejudicada, porém sou determinada!
Registro aqui esta experiência na tentativa de alertar que ainda há tempo: podemos sim acabar com a discriminação que existe paralela à globalização que vivemos. A sociedade precisa mudar seus conceitos e acabar com os pré-conceitos.
Ainda com um sentimento de tristeza, esforço-me diariamente para sorrir verdadeiramente, não como modelo, mas como ser humano. Não quero apenas que me admirem por minha beleza, mas sim pelo meu potencial, por minha inteligência, perseverança, determinação e capacidade, pois só assim o preconceito irá diminuir e as pessoas poderão viver inclusas sem nenhuma dificuldade. Reafirmo que muitas lições foram por mim aprendidas. Aproxima-se o dia em que eu passarei a minha coroa de Miss Ceará, mas a coroa que almejo guardar é aquela que é feita de valorização à inclusão social com responsabilidade”.
* Este texto foi retirado do site Turismo Adaptado
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