Ser tratado como criança e assexuado incomoda mais do que a deficiência
A psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi Maia, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), estudou a sexualidade de cadeirantes para concluir sua tese de pós-doutorado pela Faculdade de Ciências de Araraquara.
Com o nome Inclusão e Sexualidade: análise de questões afetivas e sexuais em pessoas com deficiência física, a estudiosa percebeu inicialmente que aspectos do corpo “novo” e questões de dependência incomodavam mais os cadeirantes do que a deficiência em si. Foram entrevistadas doze pessoas com impossibilidade ou dificuldade de andar.
Em um dos depoimentos, Ana Cláudia conta que um homem disse que não se incomodava ao ser chamado de “aleijado”, desde que não o chamasse de “gordo”. Em outros casos, a falta de ereção e ejaculação era um problema menor diante da dependência em relação à mulher. “São fatores que extrapolam o fazer sexo ou não fazer”, afirma.
Já entre as mulheres deficientes, a psicóloga afirma que a maior queixa se trata da sexualidade. Boa parte das entrevistadas reclamou de comportamentos que as infantilizam. Uma entrevistada, por exemplo, disse que não entendia o porquê das pessoas falarem com ela o tempo todo pelo diminutivo se ela já era uma adulta. Outra reclamou que a mãe a deixava dormir na casa de um amigo, enquanto sua irmã não podia.
No caso dos adolescentes, um comportamento comum entre os familiares é achar que o deficiente não tem interesse por sexo, namoro e casamento. “Há um preconceito geral. As pessoas pensam que os cadeirantes são assexuados, mas são homens e mulheres sentados que perderam movimentos, mas não a libido”, afirma a psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi.
Cadeirantes driblam limitações e chegam ao prazer sexual
As limitações físicas não impedem paraplégicos e tetraplégicos de fazer sexo e mesmo ter prazer com isso. Um bom exemplo é a rotina do administrador Alessandro Ribeiro Fernandes, de 36 anos. Mineiro, Alessandro se acidentou em julho de 2006 quando a moto que dirigia foi atropelada por um trator dentro da Universidade de Viçosa, no interior de Minas. Ao cair de cabeça, o peso do corpo lesou a medula. Antes do acidente, era adepto de esportes radicais como trekking e mountain bike. Hoje, paraplégico, mantém um relacionamento com Giordana desde 2007, com quem já tinha namorado em 2003.
Ele afirma que o segundo momento do relacionamento com a amada só melhorou. Há dois anos morando juntos, ele diz que “nunca esteve tão feliz como hoje”. “Temos um relacionamento muito tranqüilo e sem ciúme e vivemos de uma forma bem harmoniosa”, completou. Independente, Alessandro dirige e se vira bem em casa, como ele mesmo diz. “Por ser um homem muito alto, com 1,95 m, consigo fazer quase tudo em casa, mesmo sentado. Só não pego coisas de dois metros para cima”, brinca. E como qualquer outro casal, eles mantém uma vida sexual saudável. “Dá para namorar, não perfeitamente, mas não tem muita diferença. As posições é que são limitadas, mas não precisa de medicação, funciona normal”. Tanto que sua namorada está em processo de inseminação artificial para terem filhos. “Pretendemos tê-los daqui um ano e meio, dois anos”, diz.
Casamento e filhos
Fato semelhante envolve a vida do casal Tania de Melo Barbosa Speroni, de 35 anos, e Milton José Speroni, de 45 anos. A veterinária e o bancário vivem em Porto Alegre (RS). Milton sofreu um acidente de carro há 10 anos quando voltava da faculdade à noite por uma estrada. O carro capotou e Milton ficou tetraplégico. Segundo Tania, o casal se conheceu no Rio de Janeiro e ficou anos sem contato, até ela conseguir um trabalho na capital gaúcha. “Soube que ele havia sofrido o acidente, mesmo assim resolvi reencontrá-lo sem nenhum compromisso, mais aí o amor falou mais alto. O que era para ser só um reencontro virou namoro e casamento”, disse.
Tania conta que na vida do casal cada um faz suas coisas de forma independente. Milton faz fisioterapia, faculdade e é responsável pela organização e despesas da casa, enquanto ela trabalha, cuida da casa e faz as compras. Em algumas noites da semana, o casal costuma se reunir com os amigos, além de viajar de férias. Quanto ao sexo, ele também está presente na vida do casal. Tânia conta que a lesão e perda da sensibilidade, não interferem na atração física. “É preciso desmistificar que lesado medular é assexuado. Claro que temos relações sexuais, isso faz parte do pacote casamento. Eu me satisfaço, ambos sentimos prazer. Não adaptamos nada para transar. Para uma relação sexual acontecer basta ter o desejo e isso temos. Claro que não podemos transar na pia da cozinha por uma questão de logística, o Milton tem quase 1,90m e eu 1,70m”, afirmou. O casal ainda não tem filhos, mas planejam tê-los. “Esse ano a família cresce, com fé em Deus”, disse Tania.
* Foto retirada do site Deficiente Ciente
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