Em busca de uma sociedade inclusiva: papel da sociedade e do governo
* por Vera Garcia
A cada mudança de governo, seja ele federal ou estadual, renasce a esperança em relação à tão cultuada sociedade inclusiva.
Segundo o dicionário, a origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma “associação amistosa com outros”. Societas é derivado de socius, que significa “companheiro”, e assim o significado de sociedade é intimamente relacionado àquilo que é sócia. Sendo assim, sociedade inclusiva não poderia deixar de ser uma “associação amistosa com outros”, aberta e acessível a todos, uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade humana e onde todos têm oportunidades iguais. O princípio fundamental de sociedade inclusiva é o de que todas as pessoas com deficiência devem ter suas necessidades especiais atendidas. E é por esta sociedade que nós, pessoas com deficiência, lutamos exaustivamente.
No entanto, nossa realidade é bem diferente, pois ainda vivemos numa sociedade em que a maioria das pessoas são indiferentes ao que é diferente, não aceitam as diferenças e até mesmo suportam o outro no limite do aceitável. Veja o exemplo do advogado cadeirante que apanhou de um delegado, em São José dos Campos, por causa de uma vaga preferencial. Muitas vezes imagino que pessoas como o delegado têm frieza suficiente para pensar da seguinte forma: “Eu só tolero, mas não aceito você”. Entretanto, ninguém está acima do bem e do mal. E alguns estudiosos chegam a dizer que todos são pessoas com deficiência, em algum aspecto das atividades físicas e mentais, demandadas ao indivíduo ao longo de sua existência. Ou seja, pessoas sem deficiência, em algum momento, podem se tornar pessoas com deficiência por tempo determinado ou indeterminado.
Vivemos em pleno século XXI, onde os avanços da ciência e da tecnologia são constantes, porém esses avanços entram em conflito com o regime de segregação que ainda vivemos, pois somos valorizados pelo nosso padrão de beleza, culto à eficiência total, qualidade de vida, saúde… Aquele que não se enquadra nesses padrões é ainda visto como uma pessoa doente, inválida e inaceitável. Afinal, quem pode definir o que é um ser humano aceitável e inaceitável? Perfeito ou imperfeito? Superior ou inferior? Não somos melhores ou piores do que ninguém, somos pessoas diferentes, e como tal, devemos exigir respeito para si e para os outros.
Caro leitor, precisamos trabalhar muito no sentido de mudar essa visão egoísta, cruel e narcisista da nossa sociedade no que se refere à deficiência. Pensamentos e atitudes preconceituosas e discriminatórias precisam dar lugar ao acolhimento, ao respeito e à aceitação da diversidade humana.
Todos têm um papel importante nessa luta e o governo tem o dever de resguardar os direitos das pessoas com deficiência.
No meu entendimento, não há necessidade de mais projetos, leis, decretos, programas que ficam somente no papel e não são integrados como objetivos e metas de outras pastas de governo. É preciso continuidade aos projetos que deram certo no governo anterior, para que estes possam ter maior abrangência. Um exemplo disso é a cidade de Uberlândia, Minas Gerais, que está entre as cidades de médio porte no país com maior índice de acessibilidade nas escolas e transporte. Por que o exemplo de Minas não pode ser seguido por outras cidades? Outro exemplo é em Osasco, SP, onde as contratações de pessoas com deficiência superam o número total de vagas em doze estados do país. Segredo do sucesso: ali, há pressão por parte de sindicatos, empresas, entidades especializadas, órgãos públicos e outros agentes sociais, para que a lei de cotas seja efetivamente a porta de entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Em contrapartida, na maioria das cidades brasileiras a lei de cotas é ignorada por falta de fiscalização do Ministério do Trabalho. Esses e outros exemplos de experiências positivas deveriam, por uma questão de sabedoria e lógica, ser aproveitados pelo governo.
Acredito também que é necessária uma política efetiva de inclusão, a fim de viabilizar planos integrados de acessibilidade, trabalho, educação, saúde, urbanização, cultura e esporte. Além de vinculados, todos esses programas de governo, deveriam ser incluídos em todos estados e municípios, a fim de resguardar definitivamente os direitos deste segmento.
Não é preciso ensinar o “padre-nosso ao vigário”, pois nossos governantes sabem disso tudo. O que considero inaceitável por parte de um governo é fazer algumas reformas, mas manter a semelhança com as formas antigas que não deram certo, numa forma de iludir as pessoas. Já somos constantemente iludidos por tantas promessas… Precisamos sim, de um governo sincero, comprometido e que tenha o objetivo real de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Um governo que respeite a todos, pois o exemplo deve vir justamente daqueles que foram eleitos para representar e defender o povo.
Gostaria de lembrar que a maioria de nossas conquistas se deve ao trabalho de sensibilização e conscientização que vem sendo realizado, arduamente, há décadas, e continuamente por movimentos, grupos e instituições que de fato se preocupam com a qualidade de vida das pessoas com deficiência.
Faço votos que haja muita seriedade, transparência e compromisso nesse novo governo.
* Vera Garcia é pedagoga e administradora do Blog Deficiente Ciente
N.E. Este artigo foi publicado no início do Governo Dilma Rousseff, mas as questões abordadas por ele permanecem bastante atuais, daí porque Sem Barreiras considera importante sua publicação.
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