Minha história: O que não se vê

20/03/2013 Depoimentos, Histórias de vida, Notícias 0
Maria Regina Melchert desafia a lógica e o preconceito

Maria Regina Melchert desafia a lógica e o preconceito

Maria Regina Melchert de Carvalho e Silva, 62, é especialista em medicina intensiva e tem residência médica em ginecologia e obstetrícia. É cega há mais de 30 anos.

Mesmo com capacitação técnica, por duas vezes, em um intervalo de 35 anos, ela passa pela mesma situação que considera discriminatória: provar que é capaz, uma vez que tem uma deficiência.

Aprovada em concurso do Estado de São Paulo, foi considerada “inapta”.

“Sou a mais velha de sete irmãos de pai engenheiro e mãe professora. Nasci em Petrópolis (RJ), mas vim menina para São Paulo. Quatro de nós têm glaucoma congênito – doença rara, hereditária, que causa aumento da pressão intraocular.

Minha lembrança é de sempre ter enxergado pouco, apenas com um olho e, assim mesmo, muito mal. Mas foi por volta dos 30 anos, quando entrei em um banheiro e não me dei conta de que não havia acendido a luz, é que me vi definitivamente cega.

Sempre quis ser útil à sociedade e fiz disso a minha motivação. Fui fazer faculdade de medicina, em Santos. Mesmo com dificuldade para ler, conseguia me virar bem.

Os amigos me ajudavam muito lendo para mim. Mas no momento de fazer a residência médica, as coisas começaram a se complicar.

Não consegui fazer a prova escrita completa. Não enxergava. Na prova oral, contudo, tirava nota dez. Passei para três locais. Resolvi fazer ginecologia e obstetrícia de alto risco no hospital Ipiranga, em São Paulo.

DESAFIO

O diretor da residência médica me sugeriu especialização em UTI. Adorei e me adaptei muito bem.

A medicina depende muito menos da visão do que se imagina. Depende de bom preparo, boa técnica, bons instrumentos de trabalho e boa equipe. À minha maneira, sei atuar em qualquer procedimento de emergência.

Em 1976, fiz concurso para ser médica do Ministério da Saúde. Passei em terceiro lugar. À época, eu já trabalhava na UTI do hospital Heliópolis, justamente para onde era a vaga aberta.

Não quiseram aceitar minha contratação por causa da cegueira. Minha mãe recebeu um telegrama com a negativa. Ela chorou tanto. Eu mais ou menos esperava, mas a sensação é péssima.

Foi preciso uma ordem da Casa Civil, em carta assinada por Darcy Ribeiro, dizendo que “ninguém tinha direito de julgar a capacidade de uma pessoa cega” e que, desde que exercida a função com competência, não havia motivos para a não contratação.

Assinei com gosto um termo que me obrigava a apenas me aposentar por idade, jamais por invalidez. Trabalhei 34 anos e 74 dias.

Quando meu segundo cão-guia morreu, fiquei muito deprimida e resolvi me ajudar ajudando os outros. Fui ser voluntária em uma comunidade de tratamento de dependentes químicos. Estudei psiquiatria e me preparei para atender as pessoas.

Eu gosto de ensinar os alunos residentes. Não casei e não tive filhos. Trabalhar é minha motivação de vida. Quero deixar uma estrada para quem vier atrás ter um caminho mais fácil.

Mas, 35 anos depois, não mudou nada. Fiz concurso do Estado de São Paulo para ser médica do hospital Ipiranga, passei na prova, mas, na semana passada, me consideraram inapta. Nem quiseram me examinar ou perguntar nada. Já entrei com recurso e, se preciso, vou à Justiça.

Qualquer um pode me colocar na cadeia, abrir um processo e me levar a julgamento se eu cometer um erro médico, como qualquer outro profissional. Mas, não podem me impedir que eu prove que sou capaz de trabalhar”.

* Matéria e foto retiradas do site folha.com. Este texto me foi sugerido pela jornalista Cristiane Bonfim, a quem agradeço.

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