Pai de um garoto com Down relata experiência da descoberta do diagnóstico
A descoberta de que seu filho terá uma Síndrome nunca é fácil. Em questão de segundos, todos os planos e sonhos acalentados durante os nove meses desaparecem com o anúncio do diagnóstico. Medo, tristeza, preocupação invadem pais e familiares quando somente deveria haver amor, emoção, alegrias. Foi isso que o casal Adilson Rodrigues da Nóbrega e Karla Kelly Alves de Brito experimentaram quando do nascimento de seu segundo filho, João Lucas de Brito Nóbrega, no último dia 02 de janeiro. Eles também são pais de Karen, que completa seis anos em abril. João Lucas nasceu com Síndrome de Down. O jornalista Adilson conta, por e-mail ao Sem Barreiras, direto de Sobral, onde moram, como se deu o processo do nascimento, suspeitas, confirmação do diagnóstico e perspectivas de futuro.
Durante a gestação, foi realizado algum exame para possível identificação da Síndrome ou outras?
Na gestação, foi realizado o exame de translucência nucal (SB: A translucência é uma medida tirada no ultrassom morfológico do primeiro trimestre, cujo objetivo é ajudar a detectar o risco de síndrome de Down e outras anomalias cromossômicas, além de problemas cardíacos, porém não é definitivo, fornecendo apenas uma indicação de possibilidade), que fornece indicadores sobre a Síndrome. Na época, esse exame mostrou um índice próximo ao limite do padrão “normal”, mas como não havia outros índices, a possibilidade foi inicialmente desconsiderada (SB: O fato de o índice estar acima do normal, realmente, não indica a Síndrome, apenas aumenta a possibilidade, o que pode acabar não acontecendo). Algum tempo após o nascimento do João, soubemos que há outros casos de exceções, em que este exame não confirmou a Síndrome e, mesmo assim, ela foi identificada nas crianças ao nascer.
Existe alguém na família de vocês portadora da Síndrome de Down? E de qualquer outra Síndrome ou deficiência intelectual?
Não, nas nossas famílias não há outros casos.
Quando vocês ficaram sabendo da existência da Síndrome de Down? Como foi o processo desde o seu princípio?
O indicativo veio logo quando João nasceu, quando o pediatra neonatologista percebeu traços fisionômicos característicos. Ele já tinha a informação de que o exame de translucência nucal teve resultado próximo do índice para a Síndrome e, naquele momento, sugeriu que o João fizesse o exame de cariótipo, que identifica se há alguma alteração nos cromossomos. Um exame em que há uma demora de cerca de 20 dias para sair o resultado.
Nesses 20 primeiros dias, tivemos um sentimento inicial de choque. Uma surpresa diante da possibilidade de uma Síndrome sobre a qual nós, pais, tínhamos pouquíssima informação e era completamente inesperada. Pairavam muitas dúvidas também. O João Lucas tinha características físicas de Down e outras não. Ele mostrava olhos puxados, nariz e orelhas características da Síndrome. Já o tônus muscular dele, as marcas na palma da mão e outros traços físicos eram de criança sem Down. Nenhum médico arriscava confirmar ou descartar o diagnóstico somente pelo quadro físico. Foram, então, vinte longos dias por essa espera, até que exatamente no dia 22 de janeiro tivemos o resultado, confirmando a trissomia no cromossomo 21.
Como vocês receberam a notícia?
Nos vinte dias entre o nascimento e o exame, começamos a procurar informações diversas sobre a Síndrome. Não foi um processo tranquilo, de modo algum. Nessa hora, confesso que percebi o quanto sou de uma geração que ainda tem uma formação e uma visão de mundo preconceituosas, que considera a pessoa com deficiência, limitada, incapaz. Por mais que se tenha uma cabeça aberta, essa carga cultural, lamentavelmente, é muito forte. E por conta disso, vêm receios de que nosso filho tenha limitações em seu aprendizado, sofra preconceitos, sofra bullying, não se relacione amorosamente, não conclua sua formação estudantil, entre muitos outros “temores”. É como uma “morte” simbólica: aquele filho idealizado desaparece. “Dá lugar” a outro. Infelizmente, foi assim no início.
Mas, depois, quando se é capaz de filtrar as informações, conversar com especialistas, conhecer outros pais e crianças, você se torna capaz de perceber que pessoas com Síndrome de Down são plenamente capazes de se integrar à sociedade e desenvolver suas potencialidades. É importante frisar também que, para a superação desse pensamento equivocado, o apoio de uma psicóloga a minha esposa foi muito importante.
Como vocês encaram, hoje, o fato de seu filho ter a Síndrome de Down?
De uma forma muito diferente da inicial, sem dúvida. E muito mais tranquila, obviamente. Temos, hoje, a confiança de que o João poderá ter desenvolvimento, aprendizado e integração muito bons, capazes de superar essas supostas barreiras e limites. E somos conscientes de que o apoio e a participação de familiares são fundamentais para esses processos. Nosso caçula terá sempre apoio do pai, da mãe, da irmã, dos padrinhos, avós, tios e primos para este crescimento. E chegará, sem dúvida, muito longe.
Quais providências médicas estão sendo tomadas com João Lucas?
João teve que fazer uma cirurgia, com dois meses, para corrigir uma dilatação em um dos rins. Essa dilatação já tinha sido diagnosticada nos exames de pré-natal e não tem, necessariamente, vínculo com a Síndrome. Foi bem sucedida e ele se recupera muito bem. Os próximos passos são acompanhamento de fisioterapeuta e fonoaudiólogo, importantes para o desenvolvimento motor e o futuro aprendizado dele. Começaremos isso muito em breve. É possível que crianças com Down tenham problemas cardíacos e de outra natureza, mas até agora a saúde dele é muito boa.
O que vocês conhecem a respeito da Síndrome de Down?
Por meio das leituras, passamos a conhecer as causas, o impacto para características físicas das crianças e as necessidades de atenção para alguns aspectos do desenvolvimento. Sinceramente, hoje, não parece nenhum bicho de sete cabeças lidar com a Síndrome. Claro que é possível termos outros desafios mais à frente. Informação será sempre importante, seja no formato de palestras, cartilhas e vídeos de entidades especializadas, entre outros. Conhecimento é sempre necessário para orientar o cuidado com qualquer criança, tenha ela síndrome ou não.
O que vocês vislumbram para o futuro de João Lucas?
Que ele seja ainda mais feliz e supere os desafios da vida. Ele e somente ele definirá onde quer chegar nos estudos, na profissão, no desenvolvimento físico. Ele já nasceu guerreiro. E assim será.
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