Haverá respeito um dia pelas mulheres do Brasil?
Quem escreve estas linhas é um homem que sempre teve as mulheres como fundamento máximo de sua vida. Não apenas através da pessoa que me gerou, mas por meio de duas esposas que tive, da namorada que hoje tenho e, sobretudo, de uma filha já às portas da fase adulta. Como Deus foi pródigo ao me presentear com uma caminhada rodeada de mulheres que me ensinaram e ensinam a cada dia a ser um ser humano melhor!
Com o tanto que aprendo, dia a dia, com as mulheres, não consigo imaginar como existem cerca de 11 a 12% de eleitores dispostos a dar seu voto para presidente da República em 2018 a um cidadão desclassificado, que considera uma “fraquejada” ter tido uma filha após três rapazes. A preferência de considerável número de brasileiros e – pasmem – brasileiras por esse criminoso (cujo nome me recuso a pronunciar, mas todos sabem de quem estou falando) é apenas uma das facetas de um traço marcante na nossa sociedade: o machismo.
Nas últimas duas semanas, o Brasil – país hipócrita que insiste em jogar o monstro do machismo para debaixo do tapete – teve de voltar os olhos, ainda que a contragosto, para episódios lamentáveis do gênero. No Rio de Janeiro, revelou-se que o ator global José Mayer assediava frequentemente a jovem figurinista Susllen Tonani. Ante a coragem de Susllen ao denunciá-lo publicamente, Mayer escreveu um pedido de desculpas, o bastante para a Globo colocar panos quentes no episódio – apesar da hipocrisia do “mexeu com uma, mexeu com todas”, que só engana os bestas que não percebem as apologias machistas recorrentes nas novelas globais.
Na mesma Globo, milhões de brasileiros assistiram, ao vivo, o que milhões de mulheres sofrem em suas casas, em silêncio, quando Marcos Harter agrediu, psicológica e fisicamente, Emilly Araújo. A providência da emissora foi afastar Marcos do Big Brother Brasil e, mais uma vez, proclamar respeito às mulheres. Mas, antes de expulsar o agressor do BBB, a Globo optou por “conversar” com o participante sobre seu “comportamento”. Ou seja, omitiu-se, só voltando atrás e expulsando Marcos após a intervenção da polícia.
Em Vila Velha, Espírito Santo, estudantes de medicina de uma universidade privada – cuja mensalidade para o curso é superior aos 5,3 mil reais, o que denota acesso apenas a quem é da classe média alta para cima – postaram foto em que baixavam as calças e faziam gestos com as mãos lembrando uma vagina. A mensagem era clara: os machos são quem mandam, as mulheres são mero objeto, e ai de uma paciente que esteja nas mãos desses aprendizes da medicina. Providências das entidades médicas, nenhuma. Ao menos uma nota de repúdio, nenhuma.
Aqui, em Fortaleza, estudantes de direito de outra universidade privada – cuja mensalidade custa 1.505 reais, também acessível, apenas, a quem é da classe média alta para cima – criaram um time de futebol cujo nome era “Habeas Pernas” e cujo escudinho mostrava a silhueta de uma mulher nua, branca, com pernas abertas. Protestos que se seguiram foram hostilizados, alunas foram xingadas, e tudo o que o Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7) fez foi uma nota, conclamando ao respeito, mas sem dar qualquer sinalização de medidas duras contra os misóginos futebolistas do curso de Direito.
Enquanto isso, uma mulher é morta a cada 90 minutos no Brasil – o que equivale a 18 mulheres que perdem a vida pela violência por dia. Além disso, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada em nosso país. As estatísticas cada vez mais reveladoras das muitas violências por que passam as mulheres – desde as extremas físicas, passando pelo assédio e pela violência psicológica e moral – não têm sido suficientes para modificar o viés machista de nossa sociedade. Afinal, um país que foi capaz de produzir um adesivo, com uma montagem retratando a ex-presidente Dilma Rousseff de pernas abertas, para ser colocado no recipiente de combustível dos carros, sem que tal conduta tenha sido exemplamente punida, continuará criando “Habeas Pernas” à vontade e formando médicos misóginos que confundem as mulheres com coisas a seu dispor em uma prateleira de supermercado.
E assim prosseguimos na estrada do retrocesso, em um país flagrantemente desigual, no qual quem mais sofre as consequências são as mulheres, tratadas como cidadãs de segunda categoria, inclusive pelo vice-presidente da República no exercício da Presidência. Para ele, as mulheres têm ciência de economia quando vão ao supermercado e para quem a mulher só serve para o cargo de primeira-dama, “bela, recatada e do lar”, à frente de iniciativas assistencialistas – jamais para ser presidente da República, como Dilma Rousseff o foi até ser deposta por crime que jamais cometera.
Aliás, o golpe contra Dilma – que completa um ano no próximo dia 17 de abril – é mais uma faceta do machismo e da misoginia que, cada vez mais, tomam conta do Brasil. E pensar que esse golpe, assim como tantas outras manifestações machistas, teve amparo e aplausos de muitas mulheres que ignoram seu papel libertador na sociedade e se convertem em serviçais de um conservadorismo hipócrita que insiste em reprovar mulheres que andam de roupas curtas, no lugar de punir seus agressores.
Até quando conviveremos covardemente com esse monstro chamado machismo? Quando ergueremos nossa voz – homens e mulheres – exigindo respeito?
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