#pracegover: Arte horizontal nas cores branco e dourado, em degradê, da esquerda para a direita. No alto, à direita, as palavras, em branco com sombra preta, VAMOS CONVERSAR SOBRE. Logo abaixo, em negro, DEFICIÊNCIA? No centro, à direita, a logomarca do site Sem Barreiras, um quadrado em preto e branco, com o símbolo do site ao centro e a faixa, na diagonal dizendo 5 ANOS. Ao lado do quadrado, as palavras SEM BARREIRAS. No canto inferior direito, as palavras, em negro: ÀS SEXTAS-FEIRAS. No canto inferior à esquerdo, a foto de um homem em uma cadeira de rodas, de óculos, segurando um microfone.

Autoboicote que atravessa décadas

15/06/2017 Artigos, Deficiência Física, Notícias, Victor Vasconcelos 5

Fenômeno interessante acontece comigo há exatos vinte anos. Naquela época, no já quase esquecido 1996 ou 1997, eu fazia vestibular e não era aprovado. Isso mesmo, por um ano e meio, fui rejeitado pela Faculdade de Direito, reiteradas vezes. Por onde eu andava, ouvia as pessoas dizerem que eu era um rapaz muito inteligente, que passaria no vestibular de primeira e nas primeiras posições. O Geo Studio, meu colégio de segundo grau, quis, inclusive, me colocar nas turmas especiais, dos melhores. Não aceitei porque a carga horária era pesada demais. Então, calculem o que significou ser reprovado nos vestibulares de 1995.1 (UFC), 1995.2 (UFC e Unifor), 1996.1 (UFC e Unifor). Somente em 1996.2, depois de um breve período de terapia com o doutor Adalberto Barreto, consegui ser aprovado para Jornalismo na Federal e Administração, na Unifor. Pois é, desisti do Direito. Abri mão da Administração, a despeito da quinta colocação, e fui pra Jornalismo. Registre-se que foi raspando. Na primeira fase, passei em oitavo; na segunda, caí para 25º e último lugar. No popular: “passei fedendo pra não morrer cheiroso”. Mas, não importa, passei.

O fenômeno interessante ainda não havia se manifestado. Quando temos dificuldade em ser aprovado no vestibular, é natural que comecemos a questionar nossa capacidade intelectual, mesmo que esse questionamento jamais tenha existido ou merecido dúvida. No meu caso, porém, doutor Adalberto deu o diagnóstico para aquela dificuldade: síndrome do eterno filho. Segundo ele, ser aprovado e entrar na faculdade significaria romper o cordão umbilical com meus pais e família. Nesse sentido, meu subconsciente estaria me boicotando. Vou citar outras passagens desse autoboicote mais a frente. A questão, por enquanto, é que minha inteligência não estava em jogo. E aí entramos no ponto principal. Eu sempre tive muito orgulho da minha inteligência e da minha personalidade e, em um determinado momento da vida, que não sei precisar qual, decidi que, se não poderia me sobressair fisicamente, iria me sobressair intelectualmente. Essa decisão, arrogâncias a parte, nada mais é do que outra demonstração de autoboicote. Dizer que jamais vou me sobressair fisicamente é uma maneira de justificar certa passividade em algumas decisões e ainda substituir o que antes eu chamava de covardia por não abordar mulheres ou tentar um envolvimento com elas. Eu abortava qualquer tentativa no nascedouro, pois não me via em condições de conquistá-las.

Contudo, o que eu não esperava é que se sobressair intelectualmente fosse tão difícil. Em 2001, já com um ano de formado, três colegas e eu criamos o Portal Siará, um blog de notícias aqui de Fortaleza. Nele, me comprometi a escrevi uma crônica semanal e, se arrependimento matasse… por várias semanas, repeti o texto da semana anterior pelo simples fato de achar que o novo não seria visto como o texto de alguém que deveria se sobressair intelectualmente. Mais uma vez, o autoboicote se fez presente e o diabinho soprou no meu ouvido que aquele texto seria lido com decepção pelas pessoas. “Você assumiu o compromisso de se destacar pela sua inteligência para suprir a questão física e esse escreve essa porcaria”? Não era uma porcaria. Só não era um texto de Machado de Assis e o Victor de 24 anos achava que deveria ser. O fenômeno voltou dezesseis anos depois. Quando decidi escrever essa coluna, o diabinho resolveu acordar de sua hibernação e vir soprar besteiras no meu ouvidinho. Semana passada, comecei a questionar se conseguiria manter a periodicidade de um texto por semana. Isso porque vai exigir de mim um nível de responsabilidade e disciplina que não estou acostumado, principalmente, a disciplina.

Escrever um texto opinativo é bem diferente do que escrever uma notícia ou uma reportagem. Para elas, você precisa fazer uma boa apuração dos fatos, entrevistas, pesquisas e, em seguida, sentar e compilar tudo no formato de texto. Mas, um texto opinativo, especialmente, sobre questões tão particulares, a apuração é interna, a entrevista é consigo mesmo e a pesquisa é nos seus sentimentos, nas suas lembranças, nas suas experiências. Algumas dessas são bem difíceis de se externar. Isso, aliás, prejudicou Sem Barreiras nos seus primórdios. Várias pautas eram próximas demais de mim, da minha vida, daquilo que eu vivi e senti na carne. Houve momentos em que empaquei e não consegui seguir em frente. Houve pautas que tentei passar a alguém pra fazê-las e outras que desisti de escrever e, simplesmente, reaproveitei de outros sites. Não é a coisa mais bonita e inspiradora de dizer, admito, mas essa coluna será uma espécie de catarse, desabafo. Nesse ponto, espero, sinceramente, contribuir para o amadurecimento de alguém que tenha passado por essas situações ou esteja passando agora.

O autoboicote é um processo psicológico que não temos noção em princípio. A tendência é nos culparmos quando as coisas não saem como queremos ou como as pessoas acreditam. Nem sempre, naturalmente, é autoboicote. Porém, é importante que tenhamos calma nesses momentos. Nós, que temos alguma deficiência, costumamos ser subestimados pela sociedade ou superestimados. Ambos os tratamentos devem ser evitados. Inclusive por nós. Meu autoboicote, aliado a minha rasa autoestima física, me prejudicaram em algumas situações, mas me ensinaram a me conhecer melhor. Hoje, sou o produto de tudo que aconteceu comigo, de bom e de ruim. Não vou afirmar que mudaria tudo se pudesse, pois, se eu mudar, quem será o Victor que está terminando de escrever esse texto às 22 horas da quinta-feira? Não sei. Vamos em frente, companheiros, apanhando, levando na cabeça, nos autoboicotando, mas sempre seguindo em frente e corrigindo nossos erros, nos superando e melhorando. Até a próxima semana. Acessibilidade e cidadania andam juntas.

Art. 4o  Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades
com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

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5 Comentários

  1. Leandra Migotto Certeza 16/06/2017 Responder

    Victor – meu amigo das terras quentes que eu quero muito conhecer – que texto lindo! Forte, tocante, contundente, preciso e principalmente, sincero! Parabéns! Você além de ótimo repórter e jornalista está se mostrando com coragem um perfeito Colunista, menino! Vá em frente!

    Você tem muita opinião, argumento, conhecimento, vivência e principalmente análise para compartilhar com os leitores sobre vários assuntos. É claro que falar com propriedade e muita originalidade, sobre fatos que você sente na pele, será maravilhoso e muito mais forte, justamente por ser único! Mas se arrisque sempre a comentar sobre assuntos diferentes e não tenha receio dos comentários! Como diz o ditado: “Falem mal, mas falem de mim”. Bom, eu prefiro assim…. kkkk Sou vaidosa mesmo… Assumo na boa hoje aos 40 anos!

    Agora sem dúvida, o que mais me tocou neste seu texto foi a riqueza de detalhes sobre sentimentos e pensamentos relativos a um dos principais dilemas pelos quais as pessoas com deficiência – em sua grande maioria – passam, passaram ou ainda vão passar: serem subestimados pela sociedade ou superestimados! Menino, eu escreveria um livro inteiro de mais de 200 páginas só sobre este assunto!!!

    Bom, mas como você me convidou e eu aceite, ser colunista do seu ótimo e necessário portal, tenho que parar de preguiça, não ter receio de escrever e mandar bala na disciplina, né? Já comecei a escrever o meu primeiro texto e prometo te entregar semana que vem. Aguarde!

    Agradeço muito o convite! Força! Abração!

    • Victor Vasconcelos 16/06/2017 Responder

      Muito obrigado pelas palavras, Leandra. Como escritora, você sabe melhor do que eu, que estou começando a navegar por essas águas, que elas, às vezes, são bem nervosas e perigosas. Eu sempre falei sobre minha deficiência, mas em universos restritos – família e amigos próximos. Falar assim na internet, para um público bem maior e desconhecido, é a primeira vez. Exposição é sempre algo que devemos ter cuidado, mas também é uma espécie de autoanálise, uma forma de colocar no papel coisas que estão dentro de nós. Por isso, escrevi que a coluna será um local de catarse, de exacerbar assuntos bem pessoais, mas que não são exclusivos. Acredito que muitos dos temas que abordarei são conhecidos de outras pessoas com deficiência, especialmente, com osteogênese imperfeita. Enfim, aos 40 anos também, tenho aberto mais a cabeça para esse desafio. Vamos ver que bicho vai dar. Abração e na expectativa do seu texto.

      • Célia Regina Vieira Bastos 17/06/2017 Responder

        Leandra e Victor eu Farmacêutica Mestre Química lecionei 25 anos química orgânica UFC( Universidade pública), não jornalistas mas sempre atuantes falar em público diversos estados sobre nossa síndrome osteogenesis imperfeita, depoimento minha vida, acho contribui muito para geração mais jovem, pais e portadores. Além participar sempre associações deficientes entrando reinvindicações, palestras até assembleias legislativas, Câmara de vereadores. Seria um compendio escrever 63 anos e 8 meses como portadora síndrome rara. Preconceitos acho superei muitos, aprendi,ensinei, não somente química mas a vida! E vamos curtindo bate papo nas redes sociais(Leandra nos conhecemos vários eventos ES,SP….Victor vi menininho talvez mais superprotegido agora Blog Sem Barreiras ( tive pouca oportunidade participar).Sucesso para os dois e vez por outra posso vir aqui opinar bjs ❤️????

        • Victor Vasconcelos 17/06/2017 Responder

          Sem dúvida, você é um exemplo de superação e luta contra o preconceito e em favor das pessoas com OI, Célia. Uma das boas coisas que o Sem Barreiras me deu foi me aproximar de você e fazer nossa amizade crescer. Ainda vamos fazer esse compêndio da sua vida. Tenho certeza de que terá muito o que ensinar a mim e a muitos que não tiveram a oportunidade de lhe conhecer e conviver com você. Abraço carinhoso e volte sempre. Aqui, também é sua casa, querida.

  2. Leandra Migotto Certeza 16/06/2017 Responder

    Victor, só mais uma coisinha! Ainda bem que você escolheu o Jornalismo!!! Assim, você tem total liberdade para falar sobre questões do Direito sem se amarrar aos burocracias loucas do Brasil. E sobre o autoboicote, ele faz parte dos infindáveis mistérios de todos os seres humanos, assim como a insegurança e o receio. Mas só os fortes de corpo e alma conseguem vencer seus medos e dar a cara a tapa como você e poucas pessoas que eu conheço! Avante sempre, amigo!!!

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