Inclusão de pessoas com deficiência através da mídia é tema de evento na ONU
As Missões do Brasil e da Itália junto às Nações Unidas promoveram um evento sobre a importância da inserção das pessoas com deficiência na mídia como forma de promover a inclusão durante a X CDPD (Conferência dos Estados Parte da Convenção sobre os Direitos das pessoas com Deficiência), na sede da ONU em Nova York. O evento foi organizado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, pela Relatora Especial da ONU para os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela GADIM (Aliança Global para Inclusão da Deficiência na Mídia e Entretenimento).
Com base no artigo 8 da CDPD, sobre conscientização, e no artigo 5º, sobre igualdade e não discriminação, o evento paralelo buscou discutir estratégias que possam ser lideradas em níveis local, nacional, regional e internacional para combater a invisibilidade, promover percepções positivas e combater o estigma e estereótipos contra pessoas com deficiência. Pesquisas mostram que as pessoas com deficiência estão presentes em menos de 1% das produções de entretenimento, com 95% dos personagens com deficiência desempenhados por atores sem deficiência (dados da TV americana).
No evento “Como promover a inclusão através da mídia”, a repórter do Fantástico, Flavia Cintra, falou sobre sua atuação nos bastidores, subsidiando a produção da novela “Viver a Vida”, de Manoel Carlos, exibida pela TV Globo, em 2009. Ela descreveu a reação do público em relação à personagem Luciana, vivida por Alinne Moraes, uma modelo que se torna tetraplégica no começo da trama. Segundo Flavia, no início, todos perguntavam quando a modelo iria se curar. Mais tarde, ao agir como uma menina mimada, as pessoas ficavam com raiva da personagem. Da mesma maneira, se indignavam quando a modelo enfrentava barreiras como a falta de acessibilidade. Ao verem Luciana se apaixonar, o público torceu pelo romance e ficou curioso para saber se uma tetraplégica seria capaz de ter vida sexual. No final, depois de vários meses de “convivência” diária, através da novela, os telespectadores só queriam que Luciana fosse feliz. E o final feliz não passou pela cura, mas pelo casamento e nascimento dos filhos gêmeos. A jornalista, também mãe de gêmeos, afirmou que a novela permitiu ao público “aproximar-se” da personagem e conhecer de perto sua vida. E que essa convivência contribuiu, muitas vezes, para rever ideias pré-concebidas, naturalizar o olhar e mudar atitudes com relação às pessoas com deficiência em geral. Posteriormente, Flavia foi contratada como repórter pelo Fantástico, o maior programa jornalístico da TV e disse que viveu processo parecido. No começo, era vista como a repórter cadeirante e agora se tornou só a Flávia do Fantástico.
O Gerente de Responsabilidade Social da TV Globo, Raphael Vandystadt, falou sobre a atuação da emissora na mobilização em torno de temas sociais e apresentou números. Citou o programa Criança Esperança, realizado com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que viabiliza inúmeros projetos, inclusive na área da deficiência. Disse que no último ano foi lançada a iniciativa de promoção dos direitos humanos “Tudo começa pelo respeito”, com apoio do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) e ONU Mulheres. O programa compreende ações do jornalismo, programas de TV, novelas e de formação de funcionários. Organizações de pessoas com deficiência, como o Instituto Meta Social (clique aqui), o Movimento Down (acesse aqui) e o Instituto Rodrigo Mendes (acesse aqui), colaboraram em vários dos projetos. Na última semana do Dia Internacional da Síndrome de Down, foram realizadas mais de 100 reportagens e lançado vídeo que alcançou 2 milhões de pessoas e recebeu 16 mil compartilhamentos nas redes sociais. De acordo com o representante da TV Globo, personagens com deficiência fazem parte da TV Globo desde 1975, e, de 2007 até hoje, foram contabilizadas mais de 413 cenas envolvendo esses personagens. Segundo ele, as novelas promovem o debate e a reflexão, provocando novos comportamentos a respeito de vários assuntos. Do mesmo modo, só em 2016, a TV Globo mostrou mais de 300 reportagens mencionando pessoas com deficiência. Além disso, desde 2007, em parceria com 17 entidades, a emissora produziu e exibiu sem custo 28 campanhas cujos temas foram pessoas com deficiência. Essas campanhas totalizaram 279 mil inserções, um investimento equivalente a US$ 48 milhões. Raphael encerrou a apresentação com o vídeo da série “Tudo começa pelo Respeito”, feito em parceria com o Instituto Rodrigo Mendes.
O publicitário italiano Luca Pannese, da agência Publicis, com base em Nova York, falou a respeito das campanhas para o Dia Internacional da Síndrome de Down, desenvolvidas junto com seu parceiro criativo Luca Lorenzini para a associação italiana Coordown. Os dois já ganharam 20 Leões no Festival publicitário de Cannes nos últimos 5 anos. Pannese defendeu que campanhas publicitárias devem trazer inovação e coragem para ter um impacto realmente importante. Neste caso, ele e seu parceiro traziam a inovação para as campanhas e a Associação Coordown entrava com a coragem. O filme “Querida Futura Mamãe”, baseado em uma carta onde uma mulher grávida de um bebê com Síndrome de Down pergunta como seria a vida de seu filho, atingiu mais de 8 milhões de acessos. O vídeo foi proibido de ser apresentado na TV francesa por ser considerado “perturbador” a mulheres que optaram por abortar. O filme, #NotSpecial (assista ao vídeo no final desse texto, mas, infelizmente, está em inglês), de 2017, usa o humor para dizer que pessoas com Síndrome de Down não têm nada de especial, só precisam de direitos humanos, como qualquer pessoa. O vídeo também atingiu mais de 8 milhões de visualizações.
Filme Querida Futura Mamãe
A jornalista e ativista dos direitos das pessoas com deficiência, Patricia Almeida, defendeu, em sua apresentação, que o Artigo 8 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que trata de conscientização, deve ser também implementado pelos países como qualquer outro dos artigos. Segundo ela, a inclusão na mídia, feita de maneira apropriada, funciona como um “fast-track” para desfazer preconceitos, mudar atitudes e derrubar as barreiras que impedem a realização de todos os outros artigos da Convenção. O Instituto MetaSocial, representado no evento por Fernando Heiderich, realiza ações de advocacy para motivar essa inserção junto aos meios de comunicação de massa há mais de 20 anos, com resultados significativos. Patricia lembrou que a novela “Páginas da Vida”, de Manoel Carlos, exibida pela TV Globo em 2006, veio num momento crucial, em que existia muita resistência à transição dos alunos com deficiência da escola especial para a regular. A menina Joana Mocarzel, que tem Síndrome de Down, foi a primeira atriz com deficiência a ser protagonista em uma novela no Brasil. Joana contou com o apoio de Helena Werneck, do Instituto MetaSocial, nas gravações. Sua personagem, Clarinha, viveu situações da vida real, como a recusa de matrícula em escolas regulares e o público sofreu com a luta da mãe da menina em busca da inclusão. De acordo com Patricia, a história foi um divisor de águas. Antes da novela, as pessoas achavam que alunos com deficiência deveriam estudar em escola especial. Depois, passaram a saber que as crianças com deficiência tinham direito a frequentar escolas regulares e que a aprendiam melhor em situações inclusivas. A jornalista citou organizações que promovem a inclusão das pessoas com deficiência na mídia, como a australiana Starting with Julius, focada em publicidade, e a GADIM – Global Alliance for Disability in Media and Entertainment (Aliança Global pela Deficiência na Mídia e Entretenimento). Disse que, com a demanda por novas produções por TVs a cabo, Netflix e Amazon, personagens com deficiência têm sido incluídos em séries americanas, como Breaking Bad, Speechless, Switched at Birth e Born This Way. No Brasil, destacou a inclusão incidental como aconteceu recentemente em programas do GNT, como “Fazendo a Festa” e “Cozinha Colorida de Kapim”, onde crianças com Síndrome de Down tomaram parte sem “apontar o dedo” para isso. Por fim, elogiou a inciativa da Ofcom, agência que regula as comunicações no Reino Unido, que requer que as TVs tenham uma política de equiparação de oportunidades com relação a grupos subrepresentados, sob pena de não terem suas licenças para transmissões renovadas. Ela afirmou que, por conta disso, o Reino Unido é um dos mais avançados em inclusão na mídia. Mais de 10% dos funcionários da BBC têm deficiência, o que, além de criar oportunidades de trabalho, provoca uma “inclusão por dentro”, refletindo positivamente no conteúdo das TVs. Citou também lei do Distrito Federal que determina que, pelo menos 5% dos modelos utilizados na publicidade pública, sejam pessoas com deficiência. Patricia terminou dando dicas para a promoção da inclusão na mídia localmente:
* Seja um embaixador da causa, interagindo com a mídia em sua localidade, usando esses materiais e outros recursos que você pode encontrar na web. Avise se precisar de ajuda. (info@gadim.org)
* Implemente alguma forma de reconhecimento deste processo, como um prêmio, por exemplo, para motivar pessoas e organizações a investir na diversidade e inclusão de talentos com deficiência como parte de sua estratégia corporativa.
* Use seu capital social para inspirar profissionais de mídia a incluírem pessoas com deficiência como parte de suas campanhas publicitárias, de forma natural, enfocando suas habilidades em vez de suas deficiências.
* Convoque pessoas interessadas no assunto de outros grupos subrepresentados para unir esforços em ações de advocacy para inclusão na mídia, a exemplo do Observatório da Diversidade na Mídia, criado recentemente no Brasil.
* Essa matéria nos foi sugerida pela companheira e futura colunista de Sem Barreiras, Leandra Miggoto, a quem agradecemos.
** Texto e fotos do site Inclusive (clique aqui)
Vídeo #NotSpecial
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