Da invisibilidade à transparência
Olá! Muito prazer! Para quem ainda não me conhece (convencida eu, né?), sou Leandra Migotto Certeza, escritora em formação, jornalista, colunista e consultora por profissão e poeta por paixão. Não que eu deixe a paixão de lado quando vou em busca da notícia ou faço uma palestra. É que depois de tanta pancada no lombo, busco refúgio (será?) nos livros.
Escrever sobre as aventuras, derrotas, conquistas, vitórias e batalhas pelas quais passei em 40 aninhos tem sido a minha fome de vida ultimamente. Por isso, aceitei com alegria e receio o honroso convite de escrever para vocês! Já tenho 2 blogs e participo de mais um. Confesso que meu maior sonho é sair das páginas “específicas” para as “gerais”. Mas, enquanto não crio coragem para dar a cara à tapa e a sorte não bate na minha porta, vou escrevendo por aí. Cabe só a vocês espalhar nosso bate papo ao maior número de pessoas para finalmente eu poder apenas falar das flores.
Explico melhor! Esta coluna, assim como este ótimo site, não precisarão mais existir daqui um tempo! É isso mesmo, não tô ficando maluca! E tenho certeza que o adorável Victor Vasconcelos concorda comigo. Acredito que o que eu, ele e tantas outras pessoas com deficiência no Brasil e no mundo desejam é simplesmente não precisarmos mais falar somente sobre uma das suas características, no caso a deficiência. Elas sonham em só falar sobre a cor do cabelo, as matérias da faculdade, o paquera, a roupa nova, o livro que leram, a poesia que escreveram e etc.
Explico novamente. Eu sou a Leandra, certo? Até aí, eu não tenho dúvidas. Mas, infelizmente, 99% das pessoas em nosso país ainda ficam bem confusas quando me veem na rua. “Olha lá, a ‘cadeirante’… Não, é a ‘especial’… Para mim, ela é a ‘mulher superação’. Não, é uma ‘coitada’ que vive presa naquela cadeira de rodas… Será que dói? Não, eu já vi iguais a ela ganhando medalhas naqueles jogos dos especiais! Ela é um grande exemplo!”
Em pleno século 21, ainda são raríssimas as pessoas que se aproximam de mim (e não me venham com diferenciações sociais, pois desde o pós-doutorando até o faxineiro) ainda se espantam quando, simplesmente, peço uma informação em uma loja ou dentro de uma universidade, por exemplo. Vou confessar uma coisa só para vocês, tá? ENCHE O SACO!! É sério! Têm dias em que não suporto mais acordar, sair de casa e dar de cara com aquele olhar de espanto! Não importa se é de pena ou admiração! Sempre causa um ‘susto’. Por isso, às vezes – pra falar a verdade quase SEMPRE – dá vontade de sair por aí com um avatar ‘perfeito’ (mesmo eu e você sabendo que a perfeição não existe, mas fingir que um dia seremos perfeitos parece ser mais acolhedor, né?). Xiiii… mas, aí não seria eu, né?
Que loucura?! Espero que, um belo dia (e que eu ainda esteja viva para sentir este gostinho), simplesmente, eu consiga:
Sair de casa sem ter que matar um leão para conseguir pegar um transporte público totalmente acessível, tanto em relação a elevadores e rampas, como estar disponível em todas as regiões do Brasil;
Fazer compras em um supermercado ou qualquer loja com total autonomia;
Andar ou rodar pelos parques e ruas das cidades sem cair nos infindáveis buracos;
Estudar em escolas e universidades, real e totalmente, inclusivas sem ter sido aceita pela “cota”;
Conseguir trabalhar sem ter sido também por força de lei.
E tantas outras coisas simplesmente NORMAIS! Epa! Falei a palavra mágica! Imagino que, se você continua lendo esta coluna, deve estar pensando: “Essa menina está mesmo doida”. Mas, ela não é normal? É especial! É diferente! Ela tem que ficar lá na associação onde ‘vivem’ as pessoas ‘iguais’ a ela. O que ela está fazendo nas ruas? A cidade é muito perigosa. Nossa e ela ainda fala sobre SEXO? É maluca mesmo. O que mais ela quer?”
Eu respondo! EXISTIR! Só isso! Será que é pedir muito? Para as pessoas ligadas à área social, especialistas em questões da palavra da moda “inclusão”, médicos e demais profissionais de saúde, coordenadores de ONG, pais e mães de pessoas com deficiência, pode parecer que eu não leio os jornais, não assisto à TV, não vou aos eventos, não acompanho a suposta ‘evolução’ das ‘causas das pessoas com deficiência’. Aposto que têm um milhão de pessoas apontando o dedo para mim, neste exato minuto, e dizendo: “Nossa, como ela é exagerada! Muuuita coisa mudou!! Já avançamos bastante neste ‘processo’”. Eu concordo! Avançamos! Mas, não o bastante! Afirmo com todas as letras que não avançamos ainda nem o mínimo!
Eu nasci em 1977 e vivo intensamente, de 1998 (quando escrevi minha primeira reportagem sobre a inclusão de alunos com Síndrome de Down) até hoje, os avanços e retrocessos desse árduo processo histórico. Minha atuação é uma gota no oceano se comparada às incansáveis batalhas que as cidadãs e os cidadãos ilustres do Movimento Social e Político das Pessoas com Deficiência do Brasil enfrentaram e ainda passam, sempre com muita coragem, determinação e persistência.
Como a minha principal arma hoje são as palavras, continuo pesquisando, apurando fatos, entrevistando, coletando informações e dados, conversando com todos os setores da sociedade, opinando, comentando, avaliando, colocando o meu ponto de vista, denunciando, relatando acontecimentos, e principalmente, estudando e OUVINDO muito o conhecimento e as experiências de várias gerações de ativistas em Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência no Brasil.
Dentre estas fundamentais pessoas engajadas, destaco um trecho de um artigo escrito por Izabel Maior, médica fisiatra, professora aposentada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência:
“A trajetória do movimento de luta das pessoas com deficiência descreve os sucessivos “não” enfrentados em suas vidas, marcadas pela discriminação, invisibilidade e desigualdade. Essas graves circunstâncias ainda persistem, todavia contabilizam-se avanços na sociedade brasileira, tanto devido aos esforços iniciais das famílias e dos profissionais, quanto, principalmente, em decorrência da organização do movimento sociopolítico das próprias pessoas com deficiência, sem tutela e alicerçadas no paradigma dos direitos humanos. O desafio atual é o cumprimento da lei, com políticas de Estado, ações concretas e permanentes, provisão de acessibilidade em todas as áreas, fiscalização, responsabilização dos agentes públicos e da sociedade pelos atos de discriminação no cotidiano. A falta de intérpretes de Libras, a inexistência de calçadas e transportes acessíveis, a recusa de matrícula nas escolas e a resistência à contratação para o trabalho exemplificam problemas em pauta”.
Faço, como minhas, as sábias palavras da querida Izabel, que tanto me ensina, por meio de seus livros, artigos e vídeos, além de pessoalmente em encontros. Eu acredito e vivencio as conquistas e os avanços e posso afirmar que, infelizmente, ainda existem muitas empresas que apenas cumprem a lei de cotas só para não serem multadas e não proporcionam aos profissionais com deficiência condições de igualdade com todos os seus colaboradores.
Ainda são poucas as escolas públicas e privadas que cumprem as legislações e estão de portas abertas para todos os alunos com e sem deficiência. Existem muitas pessoas com deficiência em situação de total pobreza que não têm cadeira de rodas e vivem sem acesso aos serviços básicos de reabilitação e saúde. Os cães-guia ainda são raridade no Brasil. Os intérpretes de Libras não estão em todos os postos de saúde. As pessoas com surdocegueira ainda não têm acesso aos intérpretes em todos os serviços públicos. Quem tem deficiência intelectual ainda é visto, pela mídia aberta, como ‘especiais’, ‘excepcionais’ ou ‘coitados’. E tantos outros problemas enfrentados todos os dias pelas pessoas com deficiência, seu familiares e amigos.
OK, eu concordo que esta visão está mudando! E tem MUITA gente boa e mega competente batalhando há anos para acabar com estigmas, paradigmas, tabus e preconceitos. Parabenizo todas e todos e incentivo a continuar firmes e fortes a cada dia! Mas, o caminho está apenas sendo trilhado! É preciso avançar MUUUITO ainda! Afinal, para saímos da completa invisibilidade, para a transparência, o que precisa MUDAR imediatamente é a visão assistencialista, médica e reducionista da condição da deficiência.
Eu sou, em primeiro lugar, uma PESSOA! Nasci e tenho uma DEFICIÊNCIA sim! Ela não vai sair do meu corpo por milagre ou por minha suposta “superação”. Eu VIVO 24hs dos 365 dias com a minha condição física. Porém, a deficiência é só uma PARTE do meu corpo. E ela não é MAIOR do que eu. E eu não me resumo a ela. Tenho defeitos e qualidades como qualquer SER HUMANO. E tenho uma vida também exatamente igual. Posso passar por um acidente e ficar com uma lesão na medula, por exemplo. Ou por uma bala perdida que pode cegar.
Além disso, nenhuma mulher tem 100% de certeza absoluta que não gerará um filho ou filha com alguma deficiência. Portanto, a DEFICIÊNCIA faz parte da DIVERSIDADE HUMANA! Quem não morrer cedo, é provável que ficará com uma dificuldade ou incapacidade de ouvir ou enxergar, por exemplo. E, se não ficar, conviverá com algum parente ou amigo que tem alguma dificuldade para caminhar, falar, ouvir ou pensar. Então, por que não construirmos JUNTOS uma SOCIEDADE que não EXCLUA a nós mesmos? Afinal, ambos fazemos parte do mesmo processo, mas de formas completamente diferentes, como vocês podem ler na importante reflexão de Bader B. Sawaia, Doutora em psicologia social da PUC-SP:
“Exclusão não é um estado que uns possuem, outros não. Não há exclusão em contraposição à inclusão. Ambos fazem parte de um mesmo processo – o de inclusão pela exclusão – face moderna do processo de exploração e dominação. O excluído não está à margem da sociedade, ele participa dela, e mais, a repõe e a sustenta, mas sofre muito, pois é incluído até pela humilhação e pela negação de humanidade, mesmo que partilhe de direitos sociais no plano legal.
A inclusão pela humilhação se objetiva das mais variadas formas, desde a inclusão pelo ‘exótico’ até a inclusão pela ‘piedade’ (personagem coitadinho) e não tem uma única causa. O estigma de ter uma deficiência se interpenetra com outras determinações sociais como: classe, gênero, etnia e a capacidade de auto diferenciação dos indivíduos, configurando variadas estratégias de objetivação da reificação das diferenças”.
Para muitos, pode parecer que eu estou brincando ao falar que luto para EXISTIR. Mas, infelizmente, ainda é uma REALIDADE. Eu tenho total consciência de que faço parte da sociedade e de que tenho direito de viver com dignidade, respeito e autonomia. Porém, se outros seres humanos egoístas, maldosos, mal educados, impedirem que eu chegue aos locais por construírem somente escadas, por exemplo, eu vou simplesmente DESAPARECER! Serei cerceada em meus direitos, serei isolada em minha prisão domiciliar e, consequentemente, deixarei de existir internamente.
Justamente por acreditar que ainda vivemos em uma fase de transição entre a invisibilidade e a transparência é que vamos conversar nesta Coluna sobre vários assuntos AINDA tão necessários como, por exemplo: leis nacionais e internacionais que ainda não saem do papel; conceitos de Acessibilidade, Desenho Universal, audiodescrição, Libras, Braille; o mito da sexualidade, o mundo do trabalho, a educação inclusiva.
Porém, eu não posso fazer NADA sozinha! A participação ATIVA de vocês, leitores do “Sem Barreiras”, é FUNDAMENTAL! Opinem! Comentem! Critiquem! Sugiram assuntos para conversarmos! E, principalmente, COMPARTILHEM nossos textos! JUNTOS E JUNTAS SEMPRE SOMOS MAIS FORTES!
Aí vão as minhas primeiras dicas de conhecimentos. Leiam estes livros e artigos e assistam aos vídeos que escolhi especialmente para vocês! Até BREVE! Beijos e abraços, Leandra.
Livros e textos:
https://www.portalinclusivo.ce.gov.br/phocadownload/publicacoesdeficiente/historia%20movimento%20politico%20pcd%20brasil.pdf
https://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia/pdfs/catalogo-para-todos
https://violenciaedeficiencia.sedpcd.sp.gov.br/pdf/textosApoio/Texto2.pdf
https://pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/30%20ANOS%20AIPD%20LIVRO%20DIGITAL.pdf
Vídeos:
https://youtu.be/iN8-soAaHT4
https://youtu.be/oxscYK9Xr4M
https://www.institutocpfl.org.br/2015/09/01/deficiencias-e-diferencas-com-izabel-maria-maior-versao-na-integra-legendada/
Leandra Migotto Certeza é Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi, Jornalista (Mtb: 40546) desde 1999, participa atualmente do Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas e fez oficinas de Escrita Criativa no SESC Pinheiros.
Recebeu um prêmio da “Associação Internacional para o Estudo da Sexualidade, Cultura e Sociedade” no Peru, e outro pelo Concurso “Sociedade para Todos” na Colômbia, em 2003.
Mantém dois blogs: o Caleidosópio: https://leandramigottocerteza.blogspot.com/ e o Fantasias Caleidoscópicas: https://fantasiascaleidoscopicas.blogspot.com/
Trabalha como consultora e palestrante em empresas, universidades, escolas, centros culturais, órgãos públicos e ONGs. Seus próximos projetos são cursar pós-graduação em Jornalismo Literário e escrever a Coleção Janelas do seu selo Caleidoscópio.
Perfil profissional: https://www.linkedin.com/pub/leandra-migotto-certeza/41/121/a
Vídeos: TV UNESP: https://youtu.be/-Nrr1kn-zWI
TV UNESP Programa Artefato: https://www.youtube.com/watch?v=OtwnqFchqmY&t=8s
7 Comentários
Parabéns, Leandra, por sua trajetória e conquistas! Bjss
Mina querida, você sabe que eu aprendi tudo com a turma da pesada da inclusão, né? Agradeço a vocês todas e todos por tanto conhecimento e generosidade!!!! Seguimos fortes!!! Beijão!
Parabéns Leandra…
Realmente é isso que buscamos ser vistos como pessoas normais, não os coitadinhos sofredores, muito menos os exemplos de superação.
É isso mesmo Claudia. Agradeço seu comentário! Continue lendo a Coluna e o site!
Leandra é assim a vida portadores deficiência física em um país como o Brasil. Acho até que pouco ,mas melhorou algumas mudanças últimos anos. Mas realmente não deveríamos lutar tanto e sim ter nossos direitos acessibilidade feitos para melhorar nossa qualidade de vida. Mas pensar em 72 entrei aluna Universidade publica, em 77 passei lecionar química durante 25 anos, realmente rampas, elevador, vagas especiais para carro, banheiro adaptado não existia continua assim maioria lugares, isso de olhar para mim por usar cadeira, baixa estatura, limites síndrome osteogenesis imperfeita sinceramente incomodou pouco em relação a difícil acessibilidade.Gostaria mesmo falassemos não somente de nós para nós portadores deficiência, que tudo isso fosse lido, escutado por pessoas rotuladas NORMAIS,porque problema da política discriminadora é bem maior prejudica bem mais que difícil acesso lugares escolas, universidades, lazer( isso temos quando vamos usar dinheiro gastar em shopping). Enfim seria muito a escrever nossas experiências e temos passar Mães , familiares que é difícil mas não impossível viver essa jornada! Sucesso Blog, vc e Victor. Bjs Célia
Agradeço os comentários e elogios carinhosos! Seguimos sempre fortes e juntos!! Beijos e abraços fortes! Continuem participando da minha coluna e do site do Victor!
Célia querida, você sabe o quanto eu te admiro e tenho como grande exemplo, sim!! Você lutou bravamente para arrancar com unhas e dentes o espaço que hoje nós desfrutamos! A tua trajetória é brilhante e digna de ser contada para toda esta garotada para conhecerem como os primórdios da inclusão foi bem difícil!!! Parabéns por continuar firme e forte trabalhando incansavelmente para orientar pais e familiares de pessoas com Osteogenesis Imperfecta. Seguimos juntas e fortes!!! Beijão!!