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Minha tolerância à dor

23/06/2017 Artigos, Deficiência Física, Notícias, Victor Vasconcelos 7

A coluna de hoje versará sobre um tema muito íntimo das pessoas com Osteogênese Imperfeita, a dor. A característica principal de quem tem OI é a fragilidade óssea e, consequentemente, a alta incidência de fraturas. A doença é conhecida, popularmente, como ossos de vidro ou ossos de cristal, exatamente pela facilidade de quebrar. Aos 40 anos, contabilizo mais de 100 fraturas ao longo da minha vida. Esse número pode ser surpreendente para a maioria dos que leem esse texto, mas nós, que temos Osteogênese, sabemos que é um número perfeitamente razoável. Para facilitar a compreensão dos que me leem, não pensem em nossos ossos como os seus, mas sim, em pequenos gravetos de árvores, fininhos e frágeis. É assim que eles nascem. Portanto, qualquer pancada, por mais leve que seja, é suficiente para parti-los. Muitas vezes, não é necessária uma pancada. Lembro-me de uma ocasião, não sei precisar o ano, mas faz mais de trinta, que meu irmão chegou em casa gritando pelo meu nome. Eu estava em uma cadeira da sala e me assustei. A contração natural do nosso corpo, ao nos assustarmos, fez com que eu quebrasse o braço. Outra fratura causada por susto aconteceu quando criávamos um gato e um cachorro. Um dia, eles se estranharam e o gato deu um miado alto e forte. Susto e fratura. Desde então, minha relação com animais de estimação não tem sido nada boa.

Não vou relembrar aqui todas as minhas fraturas porque é impossível recordar cada uma delas, tantas que foram, e porque não quero transformar esse texto em um melodrama mexicano. Pontuo apenas algumas situações para chegar ao tópico central do artigo. Minha primeira experiência com fraturas e, portanto, com dores, foi ao nascer com uma perna fraturada e uma segunda fratura já consolidada. A partir daí, minha coleção teve início. Essa concentração absurda e desumana de ossos quebrados gerou algumas situações curiosas. Uma delas foi um trauma que eu desenvolvi por pessoas vestindo roupas brancas. Elas sempre me remetiam aos médicos que engessavam meus braços e minhas pernas. Assim, roupa branca passou a ser sinônimo de médico, que, por sua vez, era sinônimo de dores e sofrimento. O curioso é que meu pai é médico e minha mãe conta uma história que ele, quando chegava do trabalho, para almoçar, precisava entrar em casa pelo quintal, ir ao quarto, trocar de roupa e, somente aí, vir à sala onde eu estava. Se não tomasse essa precaução, era um escândalo por dia. Aconteceu, certa vez, de uma amiga de minha mãe, freira, vir nos visitar. Ela estava de hábito branco e tomou um susto daqueles com o berreiro que eu abri quando ela apareceu na minha frente. A pobre ficou apavorada, sem entender o que havia acontecido. Essas histórias me são contadas por minha mãe, pois era muito pequeno e não me lembro.

Com o passar do tempo, fui alimentando um monstro dentro de mim dos tempos de sofrimento das fraturas. Qualquer dorzinha que eu sentisse me fazia voltar no tempo e um pânico tomava conta de mim. Não importava se meu pai me garantisse que aquela dor não era de fratura. Meu psicológico estava tão abalado que não conseguia raciocinar com racionalidade. As fraturas me obrigavam a ficar com o braço ou perna imobilizadas por cerca de vinte, trinta dias. Como eu nunca andei, sempre precisei ser carregado para a cadeira de rodas, cama, banho ou qualquer outro lugar. Com a perna engessada ou o braço preso a uma tipoia, essa carregada maltratava bastante e causava muitas dores. Infelizmente, essas lembranças eu tenho, muito vivas. Eu não permitia que ninguém, absolutamente, ninguém tocasse em mim. Para me mover (carregar), muitas vezes, foi preciso fazê-lo contra minha vontade. Outra curiosidade é que, por um período, sempre que eu quebrava uma perna, nós assistíamos ao filme Janela Indiscreta, do mestre do suspense Alfred Hitchcock, em que o protagonista, vivido por James Stuart, está com a perna quebrada e engessada. Coincidência apenas, mas até hoje, quando assisto a esse filme (excelente, por sinal), me lembro daqueles tempos.

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Conversando com uma amiga que também tem Osteogênese, um dos tópicos foi exatamente a tolerância à dor. Ela me disse que, desde pequena, sua mãe a ensinou a lidar com a dor e ela acreditava ter uma boa tolerância. Eu, não. Eu tenho pavor a sentir dor, seja ela qual for. Uma dor recorrente é nas minhas costelas. Muitas vezes, elas surgem do nada, por um espirro, uma tosse mais violenta ou mesmo uma noite mal dormida. Essa dor dificulta minha respiração e me obriga a dormir estático na cama, sem me mexer para os lados ou o fazendo com extrema lentidão. Graças a Deus, não quebro há anos. Já sofri alguns acidentes sérios, como cair da cadeira, mas não tive fraturas. Essa é outra característica da OI. Com o passar do tempo, os ossos se solidificam e fica mais difícil quebrar. Mesmo assim, o fantasma ainda permanece. Constantemente, me recrimino por uma suposta covardia diante da dor. Há cerca de um ano, pouco mais do que isso, estava me levantando da cama e fiz um movimento mais brusco no braço direito, redundando em um “jeito” no ombro, uma dor muscular lancinante, que me impedia de mexer o braço. Pior que a dor física foi o pânico que tomou conta de mim. Eu sabia que não havia quebrado, mas, mesmo assim, fiquei apavorado.

Nesse ponto do artigo, quero entrar em uma questão emocional. Esse pânico a que me referi no parágrafo anterior é o somatório de todas as lembranças do meu passado. Em minha cabeça, de repente, aquela dor vai me incapacitar por vinte, trinta dias, como antes fazia, prostrado em cima da cama. De imediato, meu subconsciente começa a trabalhar contra mim e me lembrar que, no dia seguinte, vou precisar me levantar, tomar banho, rodar a cadeira, trabalhar, me deitar novamente. E como fazer isso com o braço imobilizado? Meu subconsciente me lembra da dor que sentia ao ser movido com o braço machucado. Meu coração dispara e não consigo evitar esses pensamentos negativos. O curioso é que sei que não há fratura, sei que consigo mexer um pouco o braço e, pior, sei que esses pensamentos só me prejudicam, mas não tenho controle sobre eles. No dia seguinte ao episódio citado, meu braço estava bem novamente, provando ter sido apenas um mau jeito muscular e aí vem toda a recriminação. Palavras como covarde, idiota, frouxo acabam me machucando mais ainda, pois machucam minha autoestima. Lembram do texto da semana passada, em que abordei o autoboicote (leia aqui)? Esse é mais um exemplo. No plano da consciência, sei que aqueles pensamentos são incorretos, exagerados, mas esse plano não tem prevalência sobre o outro.

Tenho 40 anos e reconheço que muita coisa mudou. Hoje mesmo, sexta-feira, estava conversando com minha fisioterapeuta Camila Napoleão e comentei com ela o quanto esses pensamentos negativos mudaram. Na adolescência, eles eram muito mais frequentes, prova, talvez, da inexperiência. Já me peguei pensando qual seria minha atitude hoje se passasse por situações como aquelas. Lógico que esses pensamentos vão embora com enorme rapidez, mas creio que muitas das dores e, principalmente, muito do pânico que tive foi fruto do emocional. Qualquer estalo nos meus braços era o suficiente para iniciar o turbilhão de emoções e sofrimento. Nas minhas sessões de fisioterapia, já tive inúmeros estalos e esse turbilhão não apareceu. Contudo, apesar do meu crescimento emocional e da minha consciência de que muitas dores são filhas do medo e do terror que eu mesmo crio, continuo com muita dificuldade em certas atividades. Não desço uma rampa íngreme demais de frente. Não desço um batente de frente. A sensação da cadeira virando para frente nessas ocasiões é terrível e evito sempre que posso. Se o terreno é irregular, cheio de buracos, prefiro passar de ré. Entrar nos táxis adaptados, faço com suas pessoas, erguendo a cadeira para evitar essa curvada para frente. Enfim, o que eu puder fazer para evitar as dores, eu faço, por menor que elas sejam. A bagagem emocional que elas me impõem é pesada demais e ainda não consigo lidar com ela. E vocês, qual a relação de vocês com a dor? Comentem, participem e até a próxima semana. Leia mais sobre dor aqui e aqui.

“Nossas emoções afetam nossa saúde física da mesma forma que nosso estado físico afeta
nossa saúde emocional: não as podemos separar”, Denhi Chaney, mestra em Terapia de Casal e Familiar.

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7 Comentários

  1. Renata 23/06/2017 Responder

    Olá!! Tb tenho OSTEOGENESI IMPERFEITA, e com todo histórico de fraturas, cirurgias e dor criei uma tolerância grande à dor, não somente as dores decorrentes da OI mas nas dores em geral. Se eu reclamar de dor acredite q está realmente doendo mt. As dores da OSTEOGENESI aprendi a distinguir quando é somente uma dor muscular, por exemplo, e quando é uma dor de uma possível fratura ou fissuras. Mecanismos que foram desenvolvidos em naturalmente sem que EU buscasse apurar los assim.

    • Victor Vasconcelos 23/06/2017 Responder

      Oi, Renata. Obrigado pelo seu comentário. Eu também sei diferenciar a dor muscular da dor de fratura. A questão é que desenvolvi um trauma tão forte que as duas me incomodam terrivelmente. Mas, sem dúvida, a das fraturas é 200 mil vezes pior. Continue participando e, se quiser, escreva um depoimento sobre sua deficiência que eu publicarei com maior prazer. Abração.

  2. Célia Regina Vieira Bastos 23/06/2017 Responder

    Victor sempre é bom mostrar nossa realidade portador de Osteogenesis Imperfeita. Apesar de algumas diferenças, temos muito igual: medos fraturas, maiores limitações, dependência outras pessoas e dores. Sempre dizia meu limiar a dor é muito alto ou seja mesmo com dor sou elétrica , assim quando criança, jovem na Universidade, lecionando, Viagens, passeios etc Apesar dores muitas continuo fazendo. Recentemente fratura úmero e duas cirurgias,continuo foco reabilitação isso vou nadar, fisioterapia, lazer apesar cuidados e medos fraturas. Enfim em comentários acabaria digitando texto maior que o seu claro se fosse descrever inúmeras vezes fui voltei sala aula como professora química UFC sentindo dores muitas. Quando criancinha minha amada mamãe disse : vc precisa se acostumar com a dor, assim fiz claro tem dias irrita mais dar medo!Vamos enfrente ! Parabéns seu texto acredito fisioterapia para vc tenha minimizado as dores imagina na água amo nadar aí força menos e alivia dores . Abraços Célia

  3. Melânia 23/06/2017 Responder

    Como mãe, sempre sofri muito com as dores do meu filho quando acontecia uma fratura. Era uma dor na alma que me imobilizava. E ele percebia o meu sofrimento quando olhava para mim. Eu me sentia culpada por aumentar a dor que ele estava sentindo. Talvez ou certamente, eu contribui para a dificuldade dele em suportar a dor. Era ma

    • Victor Vasconcelos 24/06/2017 Responder

      Sinto muito em lhe dizer isso, mamãe, mas a senhora não poderia estar mais errada. A senhora não contribuiu em nada para aumentar minha dificuldade em suportar as dores, ao contrário. Não sei o que teria sido de mim se não fossem seus carinhos, seus cuidados e sua dedicação. É claro que eu percebia seu sofrimento, mas isso não piorava minha situação. Por tudo o que senhora fez por mim, por todo o carinho, amor e pelos sofrimentos também, por que não?, eu só tenho a agradecer. Te amo.

  4. Leandra Migotto Certeza 29/06/2017 Responder

    Querido Victor, ainda estou em meio a turbilhão de emoções que o seu ótimo texto me provocou… Peço desculpas pelo plágio, mas se eu fosse escrever sobre a minha história com a dor da OI, seria exatamente igual a sua!! Que loucura, né? Será que viemos do mesmo Planeta? kkk
    Sabe amigo, além de escrever super bem, você me incentiva a cada dia a criar mais coragem para falar das minhas dores físicas e emocionais… Confesso que evitei um pouco focar neste aspecto por um tempo para tentar me estruturar mais psicologicamente, mas sinto que ainda preciso colocar estes sentimentos pra fora para transformá-los e quem sabe ajudar outras pessoas… Sou muito grata pela grande oportunidade que me deu no site e peço desculpas pela demora em aceitar o honroso convite. Boa sorte e abração!

    • Victor Vasconcelos 29/06/2017 Responder

      Muito obrigado pelas palavras, Leandra. Por coincidência, estava conversando com minha mãe e uma tia hoje sobre o motivo de meus traumas antigos e medos estarem aflorando com mais força nos últimos anos e elas disseram que é porque eu estou falando neles. De fato, tenho falado mais esses temas, me exposto mais e acredito que o aumento desses temores e preocupações seja o preço dessa minha atitude. Mas, é um preço aceitável. Quanto maior, mais eu preciso falar e colocar pra fora. Beijão e até seu próximo artigo.

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