Mulheres cegas aprendem automaquiagem no DF
Bastam o tato, um pouco de habilidade e algumas técnicas aprendidas para que três mulheres deficientes visuais tenham a autoestima renovada logo após a maquiagem feita por elas mesmas. De lábios e olhos pintados, a resposta é unânime: se sentem lindas, com uma “beleza além do que se vê”.
Ensinar automaquiagem para mulheres cegas ou com baixa visão, sem cobrar nada por isso, é a missão da maquiadora Andréa Andrade. A profissional trabalha com estética há 15 anos e começou a adaptar as técnicas em 2013, quando foi procurada por uma amiga que não enxergava.
“Enquanto eu treinava para ensiná-la tentei de olhos fechados, de luz apagada ou sem ajuda do espelho e vi o quanto era difícil se maquiar ou fazer coisas corriqueiras sem dispor da visão”.
O desafio, segundo Andréa, era aplicar as mesmas habilidades de contorno e combinação de cores, aliadas à autonomia e ao senso estético para mulheres que não enxergam. Foi então, que o desenvolvimento das técnicas que eram apenas para ajudar uma amiga, ganhou repercussão em grupos de deficientes visuais e se tornou um curso mensal e gratuito.
Em quatro anos, mais de 60 mulheres passaram pelas aulas adaptadas de automaquiagem. O G1 acompanhou uma das oficinas e, no Dia Nacional do Cego, conta como os rostos de mulheres deficientes visuais vão ganhando cores a partir das escolhas e do gosto pessoal de cada uma.
Outros sentidos
Máscaras de cílios, batons e sombras são aplicados com a ajuda do tato. As luzes ficam acesas para a única mulher com o sentido da visão na sala, a maquiadora Andréa Andrade, que ajuda a melhorar as habilidades das alunas.
Enquanto as mulheres manuseiam os produtos, a profissional explica os formatos e o melhor modo de combiná-los com outros materiais que facilitem o uso, como os dedos e guardanapos.
A massoterapeuta Alexandra Rocha, de 41 anos, participou do curso pela primeira vez. Há sete anos, a moradora de Samambaia, no Distrito Federal, perdeu a visão depois de um descolamento de retina. Desde então, decidiu mudar o estilo de vida e buscar meios de fortalecer a autoestima.
Ao G1, Alexandra conta que era adepta somente do batom, mas com o curso, aprendeu, na prática, como – mesmo sem enxergar – “combinar cores e fazer os contornos do rosto”. O uso dos quatro sentidos, – tato, audição e olfato – auxiliam a aplicação.
Baixa visão
A estudante de estética Rayanne Gusmão, 18 anos, tem baixa visão. A mãe teve toxoplasmose durante a gravidez da menina e, em razão disso, ela nasceu com cicatrizes nos olhos. No entanto, a deficiência não impede a jovem de aplicar nela mesma, e em outras mulheres, as técnicas aprendidas na faculdade.
Mesmo enxergando muito pouco, Rayanne se maquia e faz depilação em clientes, tudo à base do tato. “Passo o dedo e sinto se ainda ficaram alguns pelos”, explica. Esta é a segunda vez que a estudante participa do curso com a maquiadora.
“Para fazer o degradê da sombra nos olhos, eu passo o mesmo tanto de vezes o dedo na paleta, tanto para direita como para esquerda. E aí fica bom.”
Ajuda de voluntários
A servidora pública Ana Paiva também é deficiente visual, mora sozinha e faz ela mesma a maquiagem antes de sair todas as manhãs para o trabalho. A mulher, de 34 anos, perdeu a visão há cinco anos, em decorrência de uma doença degenerativa que ataca a retina.
Ana conheceu o curso de automaquiagem nas redes sociais e, desde então, utiliza as técnicas aprendidas para facilitar a rotina e conciliar o trabalho com os cuidados com a beleza.
Para combinar as cores, Ana conta que faz uso de um aplicativo gratuito, o Be my eyes, em que voluntários de todo mundo atendem a chamadas de vídeos de pessoas cegas em busca de ajuda. É quem está ao telefone que ajuda a identificar onde está cada cor em meio à paleta de maquiagem.
“Eu sempre peço uma ajudinha para saber se o batom está borrado ou se o blush tem um pouco de excesso, para não sair tão exagerado.”
Deficientes visuais
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que mais de 1,5 milhão de pessoas possuem algum tipo de doença visual no país, o que representa 19% da população. Mais de 15 mil pessoas tem a perda total da visão.
No mundo, a Organização Mudnial da Saúde (OMS) calcula que outras 246 milhões de pessoas sofrem de perda moderada ou severa da visão, 90% vivem em países em desenvolvimento, com o Brasil.
A agência calcula que 19 milhões de crianças com menos de 15 anos tenham problemas visuais. Desse total, 12 milhões sofrem de condições que poderiam ser facilmente diagnosticadas e corrigidas.
* Matéria de Marília Marques, do G1 do DF
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