Vamos todos conversar sobre Nossos Ossos de Cristal
Eu convivo com a Osteogênese Imperfeita há exatos 41 anos, ou seja, desde meu nascimento. Ela se tornou parte de mim, não exatamente quem eu sou, mas parte considerável da minha personalidade e da minha visão de mundo. Até meus quinze anos, tive cerca de cem fraturas, pelos motivos mais banais possíveis. Depois, a incidência de quebras caiu drasticamente e não me lembro da última fratura oficialmente confirmada. Essa é uma característica da doença. Nunca tomei Pamidronato. Quando conversei com meu ortopedista, dr. Nilo Dourado, sobre o assunto, ele me disse que os benefícios que a medicação me traria, em razão da minha idade avançada, mais de vinte anos, não seriam tão grandes. Precisaria me internar em um hospital por três dias para tomar as doses e não quis fazer isso. Eu estava em período de vestibular e acabaria me atrapalhando. Se os benefícios não seriam consideráveis, não havia por que fazê-lo. Continuei minha vida normal, tomando os cuidados necessários para evitar pancadas ou acidentes, e, dois anos atrás, iniciei uma fisioterapia. Minha condição física hoje é muito boa, especialmente a parte cardio-respiratória.
Esse primeiro parágrafo foi uma rápida retrospectiva da minha vida e o ensaio de alguns tópicos que abordarei na coluna Nossos ossos de cristal, que inicio hoje. A cada duas semanas, escreverei sobre um tópico relacionado à Osteogênese Imperfeita, uma doença tão rara quanto desconhecida do grande público. Até mesmo dizer seu nome é complicado para quem o escuta da primeira vez. A coluna não será autobiográfica, mas, muitas vezes, partirá de experiências próprias. Procurarei contar histórias particulares da OI e também de outras pessoas. Abordarei questões como nosso relacionamento com a dor, com as fraturas, com o medo de fazer algo que possa redundar em osso quebrado, com os aspectos emocionais da fragilidade óssea, da revolta que todos nós sentimos por ter nascido com essa condição e de uma pergunta que me era recorrente nos momentos de fratura: por quê? Nunca obtive uma resposta, é bem verdade, mas também jamais consegui evitar fazê-la. Por que comigo? Por que logo hoje? A data não importava, não havia nada de importante naquele dia em específico, mas eu sempre questionava. A pergunta por trás dela era mesmo ‘por que eu’? Conversei com uma amiga, também com OI, e ela me perguntou se eu cheguei a questionar Deus, questionar a fé. Não, nunca o fiz, mas também será um tópico de colunas futuras.
Neste texto de abertura, vou focar em questões técnicas da OI. A Osteogênese é uma doença rara de origem genética provocada por uma falha no colágeno (tecido formador do osso), que resulta numa estrutura óssea extremamente frágil, sujeita a fraturas contínuas, daí porque ela ser conhecida como ‘doença dos ossos de vidro ou cristal’. Essas fraturas podem ser, inclusive, intrauterinas, durante a gestação. Eu mesmo tive uma fratura de coxa antes de nascer. A OI também tem repercussões na formação do corpo, criando várias deformidades físicas no tronco, braços e pernas. Os dentes, por serem de formação óssea, também sofrem com ela. Cerca de 50% dos pacientes com OI têm dentes azuis ou marrons, que são transparentes ou translúcidos ou leitosos na aparência. Essas alterações não podem ser impedidas e a limpeza não irá alterar a descoloração. A taxa de decaimento pode aumentar se os dentes se desgastarem por causa do esmalte ruim. Os restantes 50% dos pacientes com OI têm dentes de cor normal.
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A surdez total ou parcial é outra característica presente nas pessoas com Osteogênese, devido a problemas nos ossinhos do ouvido interno. Baixa estatura, o branco do olho sendo mais azulado, o rosto triangular e dificuldade em andar completam o quadro dos pacientes. Dependendo do tipo de OI, a deformação das pernas impede a pessoa de ficar de pé e ter força suficiente para sustentar o peso do corpo. Por essa razão, é necessário o auxílio de aparelhos ortopédicos, próteses ou cadeira de rodas. Quanto aos tipos, a ciência não sabe exatamente quantos são. Os mais conhecidos são quatro, desde a mais leve que só se manifesta quando a pessoa tem completa seus vinte ou trinta anos, até a mais grave, que leva o paciente à morte ainda no útero da mãe por conta das várias deformidades e fraturas. Segundo minha fisioterapeuta, eu possuo traços de, praticamente, todos os tipos, o que inviabiliza me colocar em uma categoria específica. Por exemplo: tive fratura intrauterina, mas não morri (tipo I); tenho deformidades nas minhas pernas, braço esquerdo mais curvo e escoliose (tipo III); tenho baixa estatura e curvatura nos ossos longos (tipo IV). Na minha adolescência, tive muita curiosidade em definir meu tipo. Não sei explicar os motivos. Talvez em busca de uma autoafirmação ou de identidade própria. Atualmente, essa busca não existe mais. Aprendi que isso não importa para mim.
Não existe cura para a OI nem razão para sua existência. Em minha família, fui o único ‘agraciado’. Nenhum dos meus quatro irmãos a possui ou qualquer outro antepassado. Essa não é uma característica incomum, ao contrário. Abordarei esse tema em colunas futuras. Também falarei sobre o tratamento. Ao longo da história, foram inúmeras as tentativas de tratar um paciente com OI. Um deles foi a aplicação de hormônios sexuais pelo fato da maior incidência de fraturas ocorrer na puberdade e no período pós-menopausa. Esse tratamento, porém, se mostrou ineficiente e durou pouco. Aplicação de Óxido de Magnésio e Calcitonina foram mais duas tentativas de fortalecer os ossos, igualmente, sem resultados práticos. A Vitamina D, responsável pela absorção de cálcio pelo organismo, foi outra tentativa. Por muito tempo, foi o medicamento utilizado. Por fim, chegaram-se aos bisfosfonatos, utilizados no tratamento da osteoporose, que levou ao Pamidronato, principal arma para diminuir as dores e a incidência de fraturas. Em 2001, o Governo Federal autorizou a aplicação do Pamidronato Dissódico pelo SUS. Afinal, ele funciona mesmo? Quantas pessoas o utilizam? Como é a aplicação dele pelo SUS? Mais um tópico de colunas futuras. Discutir a OI é muito importante para as pessoas que sofrem, diariamente, com seus sintomas. Por essa razão, convido a vocês para fazemos essa coluna juntos. Utilizem o campo de comentários aqui embaixo para deixar sugestões de pauta ou contar suas histórias pessoais. Nos veremos novamente dia 28 de janeiro. Até lá.
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