Mulher em uma cadeira de rodas, segurando um cartaz com os dizeres: homem de verdade não bate em mulher.

A invisibilidade da mulher com deficiência

09/03/2018 Depoimentos, Direitos Humanos, Notícias 1
Consultório médico, uma mulher em uma cadeira de rodas, de frente para uma máquina de exame do câncer de mama, ajudada por uma profissional de saúde, ao seu lado

Mulheres com deficiência enfrentam inúmeras dificuldades para realizar simples exames de prevenção ao câncer de mama

Mais um 8 de março chegou e a mulher continua em luta constante para conquistar seu espaço na sociedade. O dia foi marcado por inúmeros protestos no mundo inteiro contra a discriminação e o machismo. No meio dessa luta, há um grupo ainda mais vulnerável: o das mulheres com deficiência, que também fez seus protestos.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, essa diferença gritante existente entre homens e mulheres, visíveis nas diferenças salariais, nos cargos de chefia que contemplam, em sua maioria homens, nos acesso à educação, na igualdade de gênero, na política, na distribuição de tarefas domésticas, entre outros, levará pelo menos um século para acabar.

Ademais, a violência contra a mulher é crescente. A cada 10 minutos, uma mulher é assassinada no mundo, por seu parceiro ou ex-parceiro, e, no Brasil, a cada 2 horas. Dados da ONU informam que mulheres e meninas com deficiência são três vezes mais vulneráveis a abusos e violência doméstica. Com base em fontes oficiais, as denúncias de violência à pessoa com deficiência têm, em sua maioria mulheres, 68%. Esse número vai a 82% quando se trata de violência sexual. Além disso, aproximadamente 40% das mulheres com algum tipo de deficiência já sofreu violência doméstica, de acordo com a Pesquisa da Rede Internacional de Mulheres com Deficiência – International Network of Women with Disabilities (INWWD), de 2016.

As mulheres com deficiência raramente aparecem nas estatísticas de violência, pois, no registro da ocorrência nas delegacias, não há essa especificação. O número de mulheres que sofrem violência física e entram para o seguimento da pessoa com deficiência também é considerável. Um exemplo é a Maria da Penha, vítima de violência doméstica, que se tornou pessoa com deficiência após um tiro disparado pelo marido e que, após anos de muita luta, foi instituída a Lei que combate a violência contra a mulher, Lei nº 11.340/2006, que tem seu nome.

No entanto, não é somente nesse aspecto que a pessoa com deficiência é invisível, notadamente a mulher. Historicamente, as pessoas com deficiência sequer eram consideradas seres humanos. Foram postas à margem da sociedade, rejeitadas. Em algumas culturas, eram mortas logo após o nascimento, abandonadas às margens de rios ou entregues a outras famílias. As que sobreviviam trabalhavam em circos como atrações, pediam esmola, trabalhavam em funções mais simples, como porteiros, ou eram escondidas da sociedade, pela família, enclausuradas em sua própria casa.

Anos se passaram e as pessoas com deficiência, em especial as mulheres, passam despercebidas aos olhos de muitos. Fala-se muito em sororidade, aliança entre mulheres com base na empatia e companheirismo na busca de alcançar objetivos comuns. No entanto, tal palavra ainda não alcançou sua plenitude, apesar de estar fortemente ligada ao feminismo, notadamente nos comportamentos apresentados no cotidiano. É patente que as mulheres com deficiência ainda estão à margem e que não são notadas pelas demais. Isso não é sororidade, é exclusão. É preciso empatia para viver em um mundo repleto de pessoas diferentes, mas em sua essência iguais.

Mulheres com deficiência realizam protesto na Comissão dos Direitos Humanos da Pessoa com Deficiência na Câmara dos Deputados

A acessibilidade atitudinal, ou seja, perceber o outro sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, é o melhor caminho para que se chegue à plenitude da palavra sororidade e, por que não dizer, humanidade.

À mulher com deficiência física, mental, intelectual, sensorial ou múltipla é assegurada, em igualdade de condições com as demais, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais elencado na Constituição Federal, nos moldes da Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida com Estatuto da Pessoa com Deficiência, que tem como alicerce a Convenção da ONU e seu Protocolo Facultativo. Lei que precisa ser efetivada urgentemente para tirar os anos de atraso da história brasileira no que tange aos direitos da pessoa com deficiência.

Rosângela Maria Rocha, deficiente física desde os quatro meses de vida, acometida por poliomielite, conta que não tem a memória de como é andar, mas indaga:

– Será pior não ter a memória ou sonhar com aquilo a vida inteira, sabendo que não irá acontecer?

Apesar de todas as dificuldades, a cada dia, ela tem o objetivo de vencer as barreiras presentes na sociedade, os preconceitos, as conclusões precipitadas sobre suas capacidades, suas escolhas sobre as experiências que quer ter. Não quer ser tratada como um cristal que não suporta perdas, decepções. “A vida não coloca diante de nós barreiras para desistir, mas para lutar. A vida te força a fazer, a ser, a querer lutar. E, mesmo quando tudo não dá certo, ela não quer saber das suas limitações. Ela quer que você se reinvente”. Ela afirma que assim faz por ser forte e determinada.

A mulher com deficiência pode fazer a diferença e, como muitas nordestinas, quer mudar a história. Não quer ser vista pelos demais com sentimento de pena, mas de orgulho. Não quer super proteção. Quer ser tratada, sim, como as demais mulheres – estudar, trabalhar, namorar, casar, ter filhos, seguir o curso natural da vida. A super proteção dada pelos pais atrapalha esse desenvolvimento e eles esquecem que não são eternos e, quando se vão, a vida se torna bem diferente do que era.

A mulher com deficiência sofre por ser mulher e por causa das inúmeras barreiras impostas por uma sociedade deficiente. A rede de saúde pública não oferece atendimento ginecológico, pois não há mesa ginecológica ou mamógrafos acessíveis; a rede de transporte conta com poucos ônibus contendo elevadores; as escolas ainda negam matrículas às pessoas com deficiência, alegando não ter estrutura para o atendimento; há poucas vagas de emprego e, quando as oportunizam, são para cargos específicos, sem direito à ascensão; as casas de show, restaurantes, bares e meios de hospedagens ainda são precários ou não têm nenhuma acessibilidade, tanto estrutural quanto atitudinal, dentre inúmeros outros problemas invisíveis a maior parte da população, que só consegue enxergá-los quando passam a ser pessoa com deficiência ou têm um amigo ou parente em tais condições.

Ela finaliza dizendo que gosta de pensar que a vida não é perfeita pra ninguém, mas, para ela, é extraordinária e que vale sempre a pena lutar. E ainda afirma: quem sabe o que é bom pra ela são Deus e ela mesma.

* Este texto foi escrito pelo Coletivo de Mulheres com Deficiência do Estado do Ceará, a quem agradecemos imensamente.

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1 Comentário

  1. Elainy Cristina de Oliveira Pimenta 10/03/2018 Responder

    Meu nome Elainy Pimenta, hoje fazendo 48 anos e a 7 sofri um acidente que deste então fiquei paraplégica. E já na minha função de Gerente de RH sempre contratava os pcds – Pessoas com Deficiências . E ainda acrescento que somos excluídas e invisíveis de nosso grupo de mulheres sem deficiência. Exemplo no grupo das negras lá tem as mulheres com deficiências mal fala e nunca sai com elas .No grupo de indígenas lá tem pcds e não saem com elas somos invisíveis nos nossos grupos onde deveriam nos apoiar e se fortificar nos grupos a invisibilidade era menos cruel pra quem a sente, ser vista como as demais, nos fortificaria seríamos visíveis na nossa comunidade. Sem esse apoio acontece as violências, menos descriminação seríamos recebida em escolas, pois não nos dão o direito ao conhecimento nem a crianças , adolescentes e nem adultos. O transporte onde é uma ferramenta fundamental para o deslocamento não temos pois as próprias pessoas que estão lá dentro não nos ver como pessoa e sim ver só a deficiência não um ser como ele, que merece e tem o direito a trabalhar estudar se divertir poder VIVER, achão ruim se o ônibus para pra nós levar pois tem que baixar o elevador e os que deveriam saber manusear o equipamento não sabem aí demora e todos acham que é uma perca de tempo . Não somos respeitados e nem vistos como pessoas como os demais são. Estar mais que na hora disso tudo mudar ou seremos iguais os negros lutando pra ter o direito a vida. Pois no momento a segregação está acontecendo com todos os pcds e as mulheres que são mais vulneráveis e invisíveis nessa sociedade dura e cruel . Não merecemos desse tratamento . NENHUM DIREITO A MENOS .

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