Estudantes do IFCE acionam MPF por falta de intérpretes
Um grupo de estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Fortaleza, acionou o Ministério Público Federal (MPF), no dia 4 deste mês, devido ao número insuficiente de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas salas de aula para auxiliar alunos surdos.
Conforme os estudantes, 4 pessoas de cursos distintos e horários semelhantes carecem de intérprete nas aulas no campus de Fortaleza. No entanto, há somente 2 profissionais que se revezam para atender ao público da instituição.
O MPF acolheu a representação registrada formalmente pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Na última quinta-feira (12), o MPF expediu um ofício para a reitoria do IFCE dando um prazo de 10 dias para que a instituição se manifeste sobre a representação feita pela Federação.
O estudante do curso de Guia de Turismo, Weverson Valdivino Saboia Martins é surdo e está no 2º semestre. Ele é um dos prejudicados pelo número insuficiente de intérprete. Weverson conta que no primeiro semestre a quantidade de profissionais era adequada pois só havia dois estudantes surdos no campus de Fortaleza.
Já esse ano “Os dois intérpretes estão sobrecarregados e não conseguem atender todas as demandas”. Além disso, ele relata que em seu curso há muitas viagens técnicas e que, muitas vezes, ele não tem o acompanhamento necessário.
“Essas visitas técnicas são obrigatórias pra minha formação de guia. Além disso, também faço outras atividades aqui (no IFCE) como natação e não compreendo o que a professora diz. Sinto meus direitos de estudante do IFCE serem cerceados devido à falta de acessibilidade”, conta.
Cursos distintos
Além de Weverson, há também alunos nos cursos de Artes Visuais e Matemática que demandam os intérpretes. No curso de Artes Visuais, relata a estudante Michele Veras de Sousa, a sobrecarga dos intérpretes tem como efeito, muitas vezes, a ausência na sala de aula quando o estudante surdo Henrique Sousa carece. Isso motivou uma ação de protesto da turma.
Segundo Michele, Henrique sente-se prejudicado sempre que a aula ocorre e não há intérprete para auxiliá-lo, então, a turma decidiu interromper a aula sempre que não tiver o profissional em sala.
“Não é culpa dos intérpretes. Eles estão cansados, sobrecarregados e fazem o possível. Mas para atender aos outros precisam faltar e a gente percebe que o Henrique fica prejudicado. Eu tento ajudar porque tenho noção básica de Libras. Aí converso com ele. Nosso curso envolve muito prática. Tento fazer a tradução básica”.
O estudante Henrique, que, em fevereiro, teve a história contada no Diário do Nordeste, somente aos 26 anos conseguiu finalizar o 3º ano e ser aprovado no IFCE para o curso de Artes Visuais. O Enem foi realizado em Libras. Hoje, ele explica que quando ingressou no IFCE “estranhou bastante o ambiente” e reitera que número de intérpretes não é suficiente. O aluno ressalta que o trabalho realizado pelos profissionais precisa de revezamento porque, além do intelectual, demanda muito do físico.
A turma de 1º semestre, segundo os estudantes, tem originalmente 35 alunos, e junto aos outros semestres chega a ter 50. Mas, apesar dos obstáculos, há empatia. “Teve atividades que os professores passaram e o Henrique não conseguiu fazer. Mas fizemos vídeos explicando a ele e ele conseguiu”. Além disso, a turma criou um grupo no whatsapp e tenta conversar em Libras suprimindo artigos, preposições e conjunções para garantir a inclusão de Henrique.
Atuação
A coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) do IFCE, Lucineide Penha Torres de Freitas e a vice-coordenadora do NAPNE, Nádia Maria, reconhecem que os intérpretes estão em regime de trabalho extenuante, visto que no campus Fortaleza há apenas dois servidores tradutores intérpretes de Libras atuando nos cursos de Artes Visuais (matutino), Licenciatura em Matemática (vespertino) e Guia de Turismo (noturno), dentro de sua carga de 8 horas diárias.
De acordo com elas, o tempo de dedicação à interpretação das aulas é tão excessivo que não há possibilidade dos intérpretes se dedicarem aos estudos prévios necessários para o bom desempenho da função. Contudo, explicam, quando um dos servidores precisa se ausentar por motivo de doença, não há como o único que ficou atender toda a demanda.
As servidoras dizem ainda que as medidas para superar as dificuldades precisam partir de instâncias superiores, dentre elas, decisões de contratação de profissionais, mas com o Decreto nº 10.185/2019, publicado pelo Governo Federal em dezembro de 2019, “não há mais possibilidade de abertura de concursos públicos pois os cargo de Intérprete de linguagem de sinais está vedado para abertura de concurso público e provimento de vagas adicionais”.
* Matéria de Thatiany Nascimento, do Jornal Diário do Nordeste
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