A importância da fisioterapia para pessoas com deficiência
Camila, o que é a fisioterapia para você?
A fisioterapia é uma maneira que eu encontrei de fazer algo por alguma pessoa. Por exemplo: você enxerga um potencial e você tenta maximizar esse potencial nessa pessoa. Se ele consegue fazer x, você tem que manter esse x, se for satisfatório para ele, e, se possível, aumentar para 2x ou 3x quando for possível. Então, foi o meio de ajudar o próximo que eu encontrei para exercer a minha profissão.
Você falou que sua meta profissional é trabalhar com crianças, mas hoje você trabalha com um universo bem mais abrangente – adultos, idosos, pessoas com e sem deficiência. Qual a importância de um idoso, aparentemente saudável, fazer fisioterapia?
Primeiro, eu vou começar dizendo que o envelhecimento não deveria ser tratado na velhice. O envelhecimento deveria começar desde quando você nasce – pelos seus hábitos alimentares, seu estilo de vida, por tudo que você faz no seu ambiente, no seu dia a dia, que vai se refletir no envelhecimento. Se você tem uma vida legal, sadia, uma vida saudável, você consegue chegar no envelhecimento como… por exemplo, inevitavelmente, você perde massa muscular no envelhecimento; inevitavelmente, a estrutura óssea se fragiliza, os reflexos do seu corpo vão ser mais lentos do que quando você era criança. Tudo isso é inevitável. Quando você tem um estilo de vida saudável, até o envelhecimento, você chega com menos problemas do que uma pessoa obesa, que fuma, que bebe. Enfim, a importância, primeiramente, seria a fisioterapia preventiva, que, em todos os casos de envelhecimento, é a melhor fisioterapia. Por quê? A fisioterapia vai trabalhar na prevenção e no cuidado. Se você previne com orientações, por exemplo, o caso da ergonomia (otimização das condições de trabalho humano, por meio de métodos da tecnologia e do desenho industrial). Um caminhoneiro, você explica como ele deve se posturar. Ele pode vir a desenvolver, claro, algum problema de coluna, alguma coisa, mas bem menos [chance] de um que nunca foi orientado. Então, se você tem essas prevenções, o envelhecimento se torna bem mais leve de se lidar. Com relação à parte cardíaca e pulmonar, principalmente a pulmonar, o pulmão fica mais rígido, o coração tem arritmia… e aí, no envelhecimento, a gente vai agir, seja curando alguma coisa ou tratando ou mantendo a função dele. Essa é a importância [da fisioterapia] para o envelhecimento.
Você costuma se referir muito às AVD’s (Atividades de Vida Diária). Queria que você elaborasse melhor esse conceito e explicasse o que são essas AVDs.
O que são as Atividades de Vida Diária? São as coisas que você faz no seu dia-a-dia, que você pode fazer com a maior independência, seja pentear o cabelo, tomar um café, tomar um banho, calçar os sapatos. São coisas pequenas que, quem não tem nenhum comprometimento, não percebe que faz isso muito naturalmente. Não percebe que é uma atividade e, quando você perde alguma função, você se lembra o quão importante seria. A fisioterapia vai manter essas funções para o idoso, para quem precisa adquiri-las.
Você pode nos dar algum exemplo concreto, mesmo que não cite o nome da pessoa?
Eu posso dar o exemplo de um paciente saudável, adulto, 50 anos, que sofreu uma queda e, desde então, não conseguia se levantar para fazer a caminhada matinal que ele fazia. Com a fisioterapia, a gente foi adquirindo força muscular, o equilíbrio, a propriocepção, que é o estímulo tátil, principalmente. Com isso, ele foi adquirindo, primeiro, levantar da cadeira e sentar da cadeira. Posteriormente, a gente conseguiu fazer com que ele retomasse a caminhada que ele já fazia. Mas, uma coisa importante de dizer. Às vezes, a gente pega um paciente acamado, no hospital, que não consegue fazer quase nada, tá muito debilitado. A gente começa a trabalhar no global. Vamos botar esse paciente para fazer isso, fazer aquilo. Depois, a gente chega para esse paciente [e pergunta] o que é que você quer fazer? Não, eu só queria mesmo conseguir fazer xixi. A gente tá trabalhando um monte de coisa e o que o paciente quer, a gente vai postergando. É importante enfatizar isso antes de começar [a fisioterapia], saber o que é que o paciente quer. Às vezes, ele não quer sair correndo de novo. Ele só quer andar para ir ao banheiro e fazer xixi. Ele se sente mal de precisar depender disso. Então, esse é o exemplo de AVD que a gente tem que ter esse feedback do paciente, a gente tem que ter a iniciativa dele e trabalhar junto.
É possível estabelecer um prazo de tratamento pelo que o paciente diz precisar? Por exemplo: x meses para esse paciente que só quer se levantar e ir ao banheiro fazer xixi. Ou outro que queira um pouco mais precise de mais tempo.
Não, não dá porque vai depender do quão comprometido ele esteja. Eu não tenho como dizer. Ele pode durar uma semana, pode durar três meses, pode não voltar a ter essa AVD que ele quer. Vai depender do paciente.
Voltando à questão das crianças, que você falou no início. Seu objetivo é trabalhar com crianças?
Sim, meu objetivo é trabalhar com crianças.
De maneira preventiva?
Não necessariamente. A fisioterapia vai agir do prematuro de risco, que nasceu com 600g, até o idosinho de cem anos. Então, não necessariamente. A fisioterapia preventiva não vai agir no hábito de vida. Ela vai fazer as orientações, vai fazer, por exemplo, um pilates ou RPG, que é o alongamento, necessário para prevenir várias comorbidades, mas, no estilo de vida em si, ela só vai acoplar, só vai associar ao estilo de vida que ela tenha. Com relação às crianças, é uma criança que nasce com paralisia cerebral, que nasce com alguma síndrome, é um bebezinho que tem muita infecção respiratória, é essa criança a que eu me refiro.
João Eduardo, articulista de Síndrome de Down (aqui), critica o uso ‘precoce’ em referência à estimulação precoce. O que é exatamente que se deve entender por precoce? É possível se estabelecer uma data inicial padrão para o início do tratamento fisioterápico?
A estimulação precoce é usada quando você não tem uma patologia em si. Por exemplo, o pilates, é uma coisa precoce que você pode fazer. Eu não tenho nada, sou uma pessoa saudável, faço minhas coisas, mas eu faço o pilates como prevenção para não ter encurtamento, para melhorar minha massa muscular. Agora, se você tem um bebezinho que já nasce com algum problema, o precoce não existe, o precoce é agora, é naquele momento. Antigamente, muito antigamente, mais em adultos na verdade, você tinha uma fratura de vértebra, uma lesão medular e você deixava esse adulto acamado por meses e depois você começava a mexer. A mentalidade era essa, ‘não vou poder fazer nada’. E aí começou esse termo ‘estimulação precoce’, baseado nessa ideia. Mas, não é precoce, é que tem de ser naquele momento. Quando a gente fala do precoce, é uma coisa preventiva.
Vamos trazer a questão para um caso concreto, da Síndrome de Down. Uma criança nasce e é diagnosticada com Down. O tratamento deve começar de imediato ao nascimento?
Com certeza. Hoje em dia, os diagnósticos de Down são dados com o bebê ainda na barriga da mãe. O precoce, nesse caso, você faz uma ausculta, uma estimulação para ver se esse bebê consegue acompanhar o ritmo de um bebê saudável.
Qual a importância do trabalho multiprofissional?
Nosso corpo não é receita de bolo, os profissionais da saúde falam muito esse termo. Não existe receita de bolo. Por exemplo: você vai estudar uma fibrose pulmonar. Você estuda a fibrose, é linda e maravilhosa no livro. Quando você pega o paciente, ele não tem só fibrose pulmonar. Ele é um idoso, sedentário, tabagista, com fibrose, com insuficiência cardíaca. Você precisa abranger [tudo]. A importância do trabalho multiprofissional é porque você não consegue fazer isso sozinho. Você precisa de ajuda da alimentação que a nutricionista passa, você precisa complementar porque você não tem esses conhecimentos sozinho. Nenhum profissional, nem o médico e nem ninguém. Então, cada um no seu quadrado. Acho extremamente importante você ter a humildade de reconhecer ‘eu parei aqui e agora é você’. ‘Eu não tenho mais o que fazer e agora é sua vez’. [Ter a humildade] de reconhecer que não, não, não dá mais, passar para outra pessoa. É trabalhar junto, cada um somando de uma maneira diferente.
Podemos dizer que existe essa consciência aqui em Fortaleza em relação à fisioterapia?
O currículo da nossa formação, pelo menos nas faculdades que eu tenho conhecimento, eles colocam muito isso. Passado, para nós, é. Não sei como era antigamente, acho que não, mas daí os profissionais não serem orgulhosos para não querer dividir o conhecimento, já é da pessoa. Mas, que é passado, é. É exigido nos hospitais, principalmente. Quem trabalha como autônomo faz como quer, mas nos estabelecimentos hospitalares, eles querem muito esse atendimento multiprofissional, é visto com muitos bons olhos.
Você é formada pela Unichristus. Como você avalia o ensino universitário de fisioterapia?
A minha faculdade, sou suspeita para falar, achei excelente. Não tenho nada o que falar do ensino de lá. Agora, o que eu acho, e não enxergava antes, mas que hoje eu vejo muito, é a quantidade de fisioterapeutas se formando e eu não acho que tenham o preparo suficiente. Vai depender da faculdade, mas depende muito do aluno. Tem muita gente que estudou comigo, que saiu comigo, que é show de bola, mas tem as mesmas pessoas, que tiveram os mesmos professores, e não são nada porque elas querem passar e ter um diploma. Então, o ensino é muito rico, as faculdades que eu tenho conhecimentos são muito bacanas, mas tem faculdade sim… [faz uma pausa pensativa] tem faculdade à distância! Eu não entendo como é feito um estudo com uma pessoa, à distância. Eu não entendo porque não tenho conhecimento. Eu acho que não dá certo, mas não posso garantir porque eu nunca fiz. Eu não boto fé não.
Para encerrarmos esse tópico e entrarmos em deficiência propriamente dita, gostaria que você falasse da importância da família no trabalho de fisioterapia.
É 50%. Cinquenta não, eu acho que é muito mais importante. Com relação à força que é dada ao paciente, o clima na casa. Uma pessoa que está com algum problema, se ela chega em casa e tá todo mundo reclamando, resmungando, qualquer pessoa, independente de ter deficiência ou não, ter problema ou não, qualquer pessoa que chega em um ambiente com um clima pesado, ela fica muito para baixo. Tem que ter uma pessoa que acredite, que acredite mesmo, que não seja da boca para fora, que reconheça os limites. Não adianta aquela família que quer que um bebezinho de dois meses esteja andando. Isso não existe. A família tem que saber o prognóstico deste paciente e ir fundo. Entra a questão da religiosidade. O paciente está lá, não tem muito o que fazer, mas eu tenho fé que vai dar certo. Tenha, pode ter, eu acredito também que pode acontecer. Mas, você tem que ter na cabeça um prognóstico. Pode acontecer, mas o normal é que ele continue desse jeito. O pé no chão da família, a força da família é mais do que essencial. A pessoa não consegue fazer sozinha de jeito nenhum. E aí é a responsabilidade do próprio paciente, da força de vontade dele, de não querer ficar aqui, a fisioterapeuta faz tudo, tchau, vai embora e o paciente se enterra na cama e nunca mais faz nada. [A responsabilidade] é de todo lado – do profissional, do paciente e da família.
Existe especialização do fisioterapeuta para uma determinada deficiência? Por exemplo, fisioterapeuta especialista em Síndrome de Down, Osteogênese Imperfeita e assim por diante?
Não necessariamente. Você se especializa, aqui em Fortaleza têm cursos x de especialização, mas eles são bem abrangentes. É um funil: você se gradua, você se especializa. Depois, essa especialização, vou puxar aqui pro meu lado… eu tô fazendo a especialização em Neonatologia e Pediatria. Dentro desse mês gigantesco, eu enxerguei um estímulo visual. Eu quero trabalhar só com estímulo visual. Então, vou afunilando. Faço o curso tal, faço esse, faço aquele, até chegar no estímulo visual, mas eu preciso ter uma bagagem muito grande para trabalhar só com uma coisa. Não adianta eu me formar e dizer ‘eu vou fazer esses vários cursos de Osteogênese Imperfeita’ porque você precisa de uma mala muito maior para entender a Osteogênese, sozinha. No Brasil, que eu conheça, não existe especialização. Existem cursos profissionalizantes.
Vamos, então, às especificidades. Qual a importância da fisioterapeuta para a Síndrome de Down?
Um garoto com Down vai ter, dentre vários sinais e sintomas e comprometimentos, o respiratório muito comprometido, pela diferença da funcionalidade da caixa torácica, vai ter uma hipotonia muito grande, que é o musculozinho mole, vai ter uma hiperflexibilidade, que é o alongamento gigantesco que a pessoa com Down tem, é a frouxidão ligamentar, o que justifica a flexibilidade. E aí, se ele continuar desse jeito, essa hipotonia não vai fazer com que ele fique em pé porque ele precisa de musculatura. Se a musculatura estiver fraca, ele não fica em pé. Ninguém fica. Então, vamos fortalecer a musculatura. Se o pulmão estiver comprometido, ele não vai conseguir respirar direito. Se ele não conseguir respirar direito, ele vai começar a se curvar, dá uma escoliose, uma cifose, um problema postural. Na hora de exercer as AVD’s, ele vai ter um comprometimento. Então, é um universo muito grande. Cada Down tem sua peculiaridade, com certeza, mas eles têm vários sintomas em comum e, dentro desses sintomas em comum, a gente vai trabalhar bem específico.
E em relação a um paciente com autismo?
Aí é um tabu de que não precisa [de fisioterapia]. Até mesmo os médicos têm uma barreira para indicar fisioterapia porque não enxergam os benefícios. Aí, a gente vai, uma pincelada mesmo porque se for entrar vai ser outra entrevista, mas a questão social é muitíssimo importante, o estímulo dele de contato com outras pessoas vai ser muito importante. A fisio e a TO (Terapia Ocupacional) estão unidas, quase grudadas, porque a TO vai trabalhar a questão mais específica e a fisio vai trabalhar a funcionalidade do autista. Fica um pouquinho mais complicado [responder a essa pergunta] porque vai depender do grau do autismo. O grau mais elevado tende a ter muito mais comprometimento, logicamente, do que um grau menor. Têm várias e várias escalas de funcionalidade do autista. Durante uma terapia, de tantos em tantos meses, elas vão sendo avaliadas. Requer tanto o contexto social quanto os comprometimentos – caminhar, a criancinha, principalmente, poder colocar um bloco em cima do outro, o controle e o equilíbrio. E aí essas escalas, de tantos em tantos meses, o médico dele vai reavaliar e os números têm que melhorar. Se os números não melhorarem, a terapia tá errada, vamos mudar a terapia, vamos ajeitar e a gente faz esse foco de cada um.
Você citou o caso de uma pessoa paralisada, em cima de uma cama. Considerando que o caso dela seja irreversível, qual o sentido de se fazer fisioterapeuta? Até onde o trabalho pode chegar? É a questão cardiorrespiratória, a parte muscular ou tudo?
É tudo. Com relação ao prognóstico, ele vai ser dado dependendo da lesão, do nível da lesão, quanto mais alto, mais comprometido vai ser esse paciente. Se foi uma dissecção total, se foi medular, o que foi, o que aconteceu. Ele está paralisado, mas não foi total, dá para reverter. Vamos trabalhar em cima disso, vamos recuperar o movimento. É o que eu falei lá no começo, na primeira pergunta, a gente visualiza o potencial e maximiza. Agora, foi uma lesão total, é irreversível. Vamos manter esse paciente ao máximo da funcionalidade dele. O que ele consegue fazer? Ele consegue mexer o olho e balançar o pescoço. Vamos fazer com que ele não perca isso. Vamos fazer com que tá paralisado dele… dentro, tá funcionando normal. O intestino pode dar algum problema… Esse paciente é um paciente que teve infecção urinária. O que a gente pode fazer? [Ele é] muito encurtado, ele não sente nada, mas vamos deixar o alongamento para manter esse paciente. Vamos fazer o exercício porque, mobilizando exercício, a gente gera um tônus maior. Não vai conseguir gerar uma musculatura, ele vai ser sempre hipotônico, que é o que a gente fala, o termo que a gente usa, mas a gente tem como manter. Principalmente quanto à questão respiratória porque um paciente de lesão medular com comprometimento respiratório é muito mais complicado do que um paciente sem lesão medular, logicamente. Então, a gente tem que fazer isso o mais preventivo possível. Expansibilidade do pulmão… viu uma secreção? Tira logo essa secreção, pois a gente tem como fazer isso. Agora, é uma fisioterapia eterna para manter o máximo que conseguir.
Você me disse que eu não sou seu primeiro paciente com Osteogênese Imperfeita. Então, qual foi a primeira impressão que você teve quando foi trabalhar com o primeiro OI? Que tipos de cuidados o profissional deve ter?
Sei nem por onde eu começo. A partir do momento em que você começa a trabalhar com uma pessoa com Osteogênese, você não sabe quão grave ela é, por mais que você tenha lá ficha dela, você não sabe. Acontece da gente estar com uma criança e, na troca de fralda, ela tem uma fratura de fêmur. Os mínimos movimentos e você não pode deixar de fazer. É o maior cuidado, é fazer sempre menos. “Ah, a fisioterapeuta não fez nada”! Não tem problema, deixa, deixa bem pouquinho porque você vai, começa de pouco, vai, vai vendo o que a criança fala, o primeiro paciente que eu peguei foi uma criança, vai vendo até onde ela aguenta. Já tá andando. Vamos ver qual é a funcionalidade que ela pode ter, o que ela pode melhorar. Agora, a minha primeira impressão foi ‘eu não quero não fazer, faz tu’. Só isto porque a responsabilidade é muito grande, mas aí a gente vai pegando o jeito, mesmo com a fragilidade do paciente e a gente vai ganhando em cima disso, mas a primeira impressão foi ‘eita’. Não era medo, mas insegurança, com certeza. Eu acho assim: por mais que eu estude muito, que era só o que eu fazia antes de pegar esse primeiro paciente, eu estudava, eu nunca tinha manuseado. Então, por mais que você saiba tudo, você vai chegar e vai sentir insegurança. Se você não sentir, volte para estudar mais porque estudou pouco.
Por que fisioterapeuta é tão apaixonado por natação?
A natação é maravilhosa para a questão pulmonar. Inicialmente, é isso. Acho que a maior paixão de fisio com a natação é porque ela aumenta a função pulmonar. E aí as consequências disso são só maravilhas, fora que a resistência da água cria uma questão de fortalecimento da musculatura e, não a natação em si, a piscina, com a hidroterapia, você consegue trabalhar muito mais porque você não tem a carga do corpo em cima da sua lesão. Então, você consegue até correr, você não tem impacto. Você consegue fazer tudo o que você queria fazer fora da água e não pode, mas tá fazendo dentro, e o resultado é tão bom quanto porque o corpo está reconhecendo esse estímulo, só não tá tendo impacto. É show de bola.
A fisioterapia particular é uma atividade dispendiosa. Pessoas de baixa renda podem obter esse serviço onde?
O canto que eu indico, de confiança mesmo, são os NAMIs das universidades, principalmente, Unifor e Christus e são referências bem boas que eu tenho. Faculdades Integradas do Ceará (FIC) também é muito bom. São alunos que vão atender você, mas são todos acompanhados por professores, eles estão bem pertinho, eles têm uma riqueza que muita clínica não tem e eles sempre… eu não vou dizer que eles são melhores que os profissionais, claro que não, mas o entusiasmo, a vontade de aprender como se fosse a primeira vez, a novidade, ele faz um tratamento bem focado. Você pode querer dermato-funcional, mas você tem que passar pela sua cadeira de estágio e você tem que atender o paciente que vai para a clínica no SUS. No SUS não, de graça. Você pode nem tá fazendo com tanto entusiasmo, mas é uma coisa a mais que você acopla. A maioria dos alunos que estão lá estão com todo gás, com vontade de ir. Até posso odiar trabalhar com isso, mas eu preciso de nota deixa, eu dar aqui o gás. Então, eu acho muito legal e acho que o espaço dos NAMIs são muito bons, tem muita coisa legal de aparelhagem mesmo.
Você falou no Sistema Único de Saúde (SUS) e nós sabemos que há muita discriminação em relação a ele. Qual sua opinião sobre o atendimento de fisioterapia no SUS?
Ai, Victor, eu não vou responder isso não… eu vou ter de esculhambar. É melhor eu ficar calada. É porque assim: não tem como você fazer um trabalho, como você faz em um atendimento particular, um trabalho mesmo inicial, porque não tem recurso. Você chega em um canto, como eu já cheguei em vários cantos que são pelo SUS, você tem um improviso que parece que você tá na periferia e você não tem mais nada. Vamos usar aqui o saco de feijão para levantar. É mais ou menos isso. É o que se faz na periferia quando a gente atende nas favelas, a gente tem que usar o que tem. ‘O que o Senhor tem? Tem um pau de vassoura? Vamos usar como bastão’. Não é investido recurso nenhum na fisioterapia no SUS e, por melhores que sejam os profissionais, eles não têm como fazer milagre. Agora, ‘Camila, eu não tenho o que fazer, vou ficar em casa, não vou fazer nada’. Não, vá para lá que é melhor do que não fazer nada, mas eu não tenho como indicar para ninguém que eu queira bem.
Você estagiou no Hospital Infantil Albert Sabin. A situação é a mesma?
Não. Lá, é ótimo e eu tiro o chapéu. Muito, muito, muito bom. Os profissionais são super capacitados. Vou entrar no termo financeiro, não é bem remunerado e você não percebe que não é bem remunerado porque os profissionais de lá não deixam a desejar. Tem muito esse negócio de ‘Ah, não tô ganhando bem e eu vou fazer de qualquer jeito’. Não, eu tiro o chapéu lá. É excelente. Merecidamente referência no Ceará porque é muito bom.
Você pode citar algum paciente que sirva de exemplo para o que você falou até o momento?
Você quer um paciente trauma, uma coisa aguda? Vou falar, por exemplo, da reabilitação cardiovascular, importantissíssima. O paciente teve um infarto, precisou fazer uma reabilitação, colocou as pontes de safena, fez revascularização, seja lá o que ele tenha feito. Foi para o serviço, volta muito debilitado, hipotrofiado, fraco, com a respiratória muito ruim porque ficou muito tempo acamado, etc. Eu peguei um paciente, posso exemplificar um paciente e, se você quiser, ele vai com o maior prazer do mundo lhe dar entrevista porque ele adora falar sobre isso, fazia dois minutos de esteira e se cansava muito rápido. No primeiro dia, eu me lembro perfeitamente, já faz cinco anos, fez dois minutos de esteira, três minutos de bicicleta, tudo respeitando o limite dele, não colocamos carga nenhuma, não fizemos nada de fortalecimento, tudo o básico do básico e a questão respiratória. Hoje, ele faz… posso estar enganada, mas acho que ele tem 85 anos, tinha 80 naquela época, ele levanta 7 kg de peso, faz vinte minutos de bicicleta, vinte minutos de esteira, dez minutos de elíptico. Nas caneleiras, ele faz com 3 kg. Ele alcançou mais do que ele queria. Então, é uma satisfação muito grande, muito grande. Ele olha para a gente e diz assim: “olha aqui o que eu mostrei para o meu médico, olha o meu muque” e aí levanta [o braço] e, realmente, tá lá o muque dele, bem durinho, e a gente fica morta de feliz, claro. Esse é um dos exemplos.
Com relação ao trauma, é bem mais rápido, não é uma coisa tão a longo prazo, é uma coisa de meses, dependendo do trauma. É muito legal essa questão. Eu pego muito paciente jovem, praticante de judô. “Me lesionei, meu Deus, meu mundo acabou. O que é que eu vou fazer da minha vida se não puder mais fazer”? O judô é tudo para ele, a gente tem que respeitar e a gente tem que entender que, naquele momento, o fato dele não fazer o judô, tá comprometendo muito mais porque é o momento que ele tinha de desopilar, eram os amigos com quem ele gosta de conviver, uma série de fatores que você tem que levar em consideração. Porque eu não gosto de judô não posso dizer que é besteira. É muito legal essa evolução. Vamos tirar essa inflamação. Tirou. Agora, vamos fazer o fortalecimento, vamos fazer a propriocepção, tá legal, volta para o judô, ganhou o campeonato, isso tudo é uma satisfação enorme. E os pacientes que não têm uma evolução como essa, como, por exemplo, os lesionados medulares, ainda assim é uma satisfação muito grande você saber que ele teve uma pneumonia e se recuperou super rápido porque você fez um trabalho legal de prevenção para ele, que, apesar de tantos anos de lesão, ele não está encurtado e outros estão, aqui na panturrilha. A satisfação não é apenas o paciente voltar ao que era antes.
De que forma o estilo de vida que temos hoje interfere na fisioterapia?
Tem um médico traumato ortopedista que diz: “no dia que você disser que fazer esporte é sinal de vida saudável, você nunca foi ao meu consultório porque só têm as lesões”. Eu já disse que vou patrocinar alguns esportes, como beach tennis, CrossFit, porque eles nos dão muitos empregos [risos], mas sim qualquer esporte, seja inicial ou avançado, ele pode te dar alguma lesão, mesmo que ele esteja bem acompanhado e bem assessorado, porque você pode pegar um profissional, o educador físico, que é geralmente quem tá acompanhando mais de perto, ele pode ser ótimo e aí você chega para ele e ele pergunta “tem isso”? Não. “Tem isso”? Não, pois eu vou bolar um treino para você. Porém, a pessoa pode ter uma lesão que ela desconhece e aí gerar… enfim, não tô dizendo que é culpa dos profissionais. Tem muito profissional que não tá nem aí, mas tem muita gente boa e isso não impede as pessoas de se lesionar. Muita gente quer fazer uma sobrecarga porque aquele é um momento de diversão. O seu corpo aguenta vinte minutos de corrida, mas eu tô bem, tô achando que foi pouco, vou fazer quarenta e lesiona. Tem que ter a consciência da pessoa. Então, com relação a essa questão das lesões agudas, elas estão muito mais recorrentes porque as pessoas estão tendo muito mais acesso a isso do que antes. Ao mesmo tempo, você pensa no sentido cardiovascular. Você tem uma expectativa de vida muito maior e as pessoas hoje estão começando cada vez mais cedo [a fazer exercício físico]. Na verdade, eu não acho que seja porque eu quero ser saudável, mas sim porque o estereótipo de beleza e de saúde está muito distorcido. Às vezes, uma pessoa que tem a minha altura (1,65m) e pesa 80 kg, por exemplo, pode ser mais saudável do que eu que estou no meu peso ideal. Ela pode ter um colesterol melhor do que o meu, são vários fatores. O estilo de vida nos ajuda, mas é como a gente diz: a gente dá alta para um paciente com uma lesão aguda e diz ‘eu espero não te ver de novo’, mas, se precisar, estamos aqui. Mas, espero não te ver de novo. A gente pode recorrer de novo às orientações, ao alongamento. As pessoas acham tudo muita besteira. “Isso aqui não vai dar em nada, eu sempre fiz desse jeito”. As pessoas esquecem que sempre fizeram daquele jeito, mas estão envelhecendo. Você não pode pensar dessa maneira não.
A sua pouca idade (Camila tinha 25 anos à época da entrevista) já foi um problema para você? Algum paciente já duvidou da sua capacidade por você ser muito jovem?
Com certeza e eu entendo demais. A minha pouca idade e a minha cara que não ajuda. Sim, eu entendo porque você espera uma pessoa com experiência. “Essa pessoa nunca mexeu em mim, nunca mexeu nesse negócio, como é que ela vai fazer, eu vou ser a cobaia”? Entendeu? Mas, aí você vai devagarzinho, vai passando confiança, você tem que respeitar porque, às vezes, a pessoa não vai gostar de você, você tem que entender que não é nada pessoal. A pessoa não pegou confiança e é totalmente compreensível. Você tem que tentar passar essa confiança, mas, para isso, você tem que saber o que você está fazendo porque, se não, você não vai conseguir convencer ninguém de que você consegue fazer isso.
O trabalho de confiança exige muito de confiança do paciente?
Mil por cento, mil por cento. Aí, entra de novo naquela história de ‘eu acredito que tá dando certo’. A cabeça, entendeu? Eu tenho que enxergar porque, se você não gostar de mim, eu vou pegar seu ombro e vou fazer uma semana de tudo que eu sei que melhora o seu ombro e você vai dizer ‘tá bom não’. Está sim. ‘Não, mas, bem aqui, tá 99%, mas você não conseguiu fazer’. Se você não tiver confiança nesse profissional, é melhor você trocar logo a perder tempo porque vai ser perda de tempo mesmo.
Sem nenhum comentário