Mandato coletivo amplia participação de PcDs na política
A mobilização pelos direitos das pessoas com deficiência já existe há algumas décadas, mas, se observarmos os grupos que promovem esses movimentos, veremos que há uma característica comum a todos eles: eles são, majoritariamente, organizados por iniciativa de pessoas que se unem por um objetivo em comum, mas que não tem uma participação política efetiva na sociedade.
É verdade que movimentos sociais são extremamente importantes na conquista de direitos, afinal, foi graças a eles que conseguimos sensibilizar os políticos e garantimos conquistas importantes, como a lei de cotas, o passe livre, a isenção de impostos na compra de veículos para pessoas com deficiência, entre outros.
Porém, há um grande lacuna nesta história, que os ativistas com ou sem deficiência têm de enfrentar: a falta de representatividade política, ou seja, de pessoas com deficiência que sejam eleitas pelo povo e que possam encurtar o caminho para a melhoria e manutenção das políticas já existentes.
Incluir pessoas com deficiência também na política, bem como representantes de outras minorias, tornou-se uma necessidade urgente, que não está sendo suprida pelas candidaturas tradicionais. A partir dessa visão, pessoas com deficiência atuantes na política encontraram um novo caminho para superar mais essa barreira: a candidatura e mandato coletivos.
Nesse modelo, um grupo se organiza em torno de uma ideia comum, pleiteando um cargo público (vereador, deputado federal, estadual ou senador) e toma as decisões em conjunto. A candidatura continua sendo individual, ou seja, o grupo é representado por apenas um integrante — cujo nome aparece nas urnas — , porém, as pautas discutidas e as decisões são sempre tomadas em conjunto.
Isso ocorre porque a candidatura coletiva ainda não é um processo regulamentado no país, embora já exista um projeto de lei em tramitação no congresso desde 2017 aguardando votação (PEC 379/17), o que não impede que ela seja cada vez mais recorrente, principalmente entre os grupos que atuam em defesa das minorias.
Em São Paulo, o Todos pela Acessibilidade é uma dessas candidaturas coletivas, que pleiteia o cargo de vereador. Formado por cinco pessoas com deficiências distintas, o grupo tem como foco a melhoria das políticas de acessibilidade e inclusão na cidade.
O Todos pela Acessibilidade é uma das 34 candidaturas coletivas registradas para o cargo de vereador este ano em São Paulo. Além dela, há também o coletivo São Paulo Inclusiva, de Luciana Trindade, que é formado por cadeirantes. “Nossa ideia é promover a acessibilidade de todas as maneiras. Por isso, nosso coletivo tem representantes com diferentes tipos de deficiências”, afirma Bruno Beraldin, representante do Todos pela Acessibilidade.
Além de Bruno, que é tetraplégico e atua como profissional de marketing, fazem parte do grupo Carol Paraguaçu, ex-coordenadora do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência, que tem malformação nos membros superiores e inferiores; Maria de Fátima Lima, ex-integrante do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, que faz uso de muleta e órtese; Selma Rodeguero, formada em administração, conselheira na Fundação Selma e cadeirante; e Sonny Pólito, empreendedor e cego, líder do Movimento Bengala Verde.
Na opinião de Beraldin, o mandato coletivo é uma forma inovadora e eficiente de fazer política, pois a política é, em si, um ato coletivo. Ele explica que o Todos pela Acessibilidade possui um estatuto e um compromisso firmado em cartório, garantindo a participação de todos os integrantes no mandato e nas decisões tomadas, caso o representante seja eleito.
Ele acredita que esse modelo de candidatura, além de facilitar a inclusão de pessoas com deficiência na política e ampliar a representatividade, também contribui para o desenvolvimento de políticas públicas que sejam viáveis e tragam benefícios reais a essa população.
“É claro que temos muitos candidatos sem deficiência falando em nome das pessoas com deficiência, que atuam pela causa no governo, mas não é igual a ter uma pessoa com deficiência, sendo protagonista da sua representatividade, porque ela vai saber julgar o que é necessário e o que é possível ser feito, e trabalhará por isso”, diz Bruno.
Forma de candidatura não é novidade no Brasil, sendo adotada em outros países
Apesar de só recentemente estar ganhando visibilidade no Brasil, o modelo de candidatura coletiva não é novo. No Brasil, ele é praticado desde o ano de 1994, seguindo exemplos bem-sucedidos de países como Austrália, Suécia, Itália, Islândia, Argentina e Espanha. Uma pesquisa feita pela Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) afirma que de 1994 a 2018 — ano da última eleição —, foram registradas 94 candidaturas coletivas e compartilhadas, em 17 estados e 22 partidos aderiram ao formato.
Por meio da candidatura coletiva, Bruno Beraldin espera incentivar uma maior participação das pessoas com deficiência na política. “Queremos servir de exemplo para que outras pessoas com deficiência se organizem e possamos ter uma maior representatividade política na sociedade”, enfatiza.
* Matéria de Fátima El Kadri para o site da Câmara Paulista para Inclusão da Pessoa com Deficiência (clique aqui)
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