Onde está a discriminação?
Na vida, todos somos discriminados e discriminamos. Aceite porque é verdade. Você discrimina todos os dias ao acordar; no mínimo para se autoafirmar como alguém acima dos outros. Não tem negociação, é assim mesmo. Você pode ser um religioso praticante, ter uma vida “exemplar”, ser caridoso e uma série de adjetivos bondosos que todos nós conhecemos. Mas….também discrimina, é racista, homofóbico e traz consigo tantas outras características difíceis de reconhecer. Somos tudo isso e muito mais porque somos tudo de bom e de ruim que um ser humano traz consigo desde seu nascimento. Algumas pessoas preferem acreditar no fraco argumento, que afirma que uma pessoa já nasce com “sangue ruim”, com má índole ou, pelo contrário, que já vem com uma “evolução fora do normal, parece até que já nasceu acima da média” (que média é essa?).
Perceba quantas afirmações discriminatórias relacionei acima.
Quando você me questiona, com a naturalidade de quem pergunta na feira o preço do tomate, como é ter uma filha negra e adotada, se somos alvos de comentários maldosos e discriminatórios, eu respondo: sim, passo por isso todos os dias da minha vida. Desde que eu nasci. Nascemos discriminando, recebendo e aprendendo valores das pessoas que mais nos amam em nosso lar – pois somos diferenciados, mais inteligentes do que nossos amigos, mais bonitos do que nossos vizinhos e, por que não dizer, temos um futuro mais e mais promissor do que todos os que nos cercam. Este é o sentimento e o discurso de nossos pais, tios, avós e que futuramente repetiremos aos nossos filhos.
Mentira! Eu nunca disse isso para meu filho! Não disse, mas demonstrou porque o amor de pai e mãe é algo que dá medo de tão descontrolado e fora da realidade. E está tudo certo, é da vida.
O que não é natural da vida (ou não deveria ser) é fecharmos nossos olhos e corações com frases como eu não sou racista, não sou preconceituoso e não discrimino ninguém, para mim, todos são iguais. Note, novamente nesta frase, o tom discriminatório estrutural: para mim todos são iguais.
Trilhamos um caminho de desconstrução – que bom que hoje temos um pouco desta consciência. Por isso é essencial nos reconhecermos seres humanos em desconstrução do racismo, da homofobia, transfobia, capacitismo, gordofobia, etarismo e de todos os conceitos discriminatórios enraizados dentro de cada um de nós.
Como todos nós sabemos onde o calo aperta, é importante ter consciência de que cada um tem sua história. Durante sua trajetória, se quisermos, aprenderemos a lidar com nossas questões e com as discriminações que vão aparecer ao longo da vida.
Eu sou pai de uma filha preta. Ela chegou para nós com 28 horas de vida. Uma mulher preta, que veio por adoção. Procuro não projetar a vida dela. Sei apenas que ela poderá ser tudo aquilo que quiser e ser feliz com as escolhas dela.
Outro dia me perguntaram o que eu tenho feito para prepará-la para sua condição de mulher negra e adotada. Não sei se existe essa preparação para a vida que possamos ensinar aos nossos filhos, capaz de garantir alguma coisa. No entanto, acredito fortemente que os valores mais puros, simples e essenciais são os que podem nos ajudar a nos desenvolvermos como seres humanos com segurança. O principal deles é o amor. Ele facilita tudo e nos dá confiança na vida e em nós mesmos. Sem restrições.
*Antoune Nakkhle é jornalista, assessor de comunicação e imagem e pai da Gabi, de 17 anos.
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