Trajetória escolar e profissional em busca de respeito e reconhecimento!

23/05/2022 Artigos, Deficiência Física, Leandra Migotto, Notícias 0

Leandra durante a “Conferência Livre de Juventude e Comunicação”, realizada em Brasília pelo Governo Federal em 2009.

Queridas leitoras e queridos leitores da minha Coluna aqui no Sem Barreiras, é com grande entusiasmo que retomo meus textos após um longo período em que naveguei por outros mares… Mas sem nunca esquecer este importante espaço que o amável Victor sempre deixou aberto para mim. Peço mil perdões pelo sumiço, e agradeço por voltarem a conhecer minhas histórias, comentar e compartilhar as palavras que escrevo com tanto carinho.

Neste primeiro texto de 2022, escolhi compartilhar com vocês um pouco do que estou escrevendo para o livro que irei lançar pelo meu selo independente Caleidoscópio. A autobiografia em estilo de Jornalismo Literário e Escrita de Memórias fará parte da Coleção Janelas, e terá o título provisório (quase definido… kkk): “A vida é um desafio trágico e gostoso”. A propósito, assistam também o papo que eu tive com a escritora Jacqueline Bezerra com este mesmo título como o meu Livro Humano, aqui. E caso não conheçam, leiam os 2 primeiros textos (que também farão parte do livro) que escrevi ao Sem Barreiras sobre a minha vida profissional aqui e aqui.

Antes de começarem a leitura, um recado super importante: NUNCA copiem nenhum trecho de qualquer texto que escrevi sem a minha autorização, e sempre que compartilharem este link do Sem Barreiras, citem a fonte. E fiquem tranquilos que eu não vou contar todo o conteúdo do meu livro aqui (CLARO!!!). Estes trechos são só um gostinho de quero mais para vocês continuarem acompanhando as minhas experiências com uma grande riqueza de detalhes, sentimentos, poesia e trechos de reportagens da época. Tenho certeza que vão amar!! Aguardem!

Escolas excludentes e inclusivas

Em 1981, fiz o antigo pré-primário em escola particular de conhecidos da família, e fui alfabetizada junto com alunos sem deficiência. Foi uma experiência maravilhosa! Era MUITO feliz! Não sentia nenhum preconceito!! Em 1983, eu cursei 2 anos em um colégio público regular, dentro de uma sala especial vinculada à uma instituição assistencialista. Vivia excluída só entre alunos com várias deficiências. Foi o pior momento escolar da minha vida!

Em 1985, dos 9 aos 14 anos, estudei em um pequeno colégio particular que me aceitou, mas era a única aluna com deficiência. Ainda não tinha acessibilidade. Em 1991, o antigo Colegial (hoje Ensino Médio) foi concluído em uma escola particular junto com outros alunos com deficiência, mas sem acessibilidade. Comecei o ativismo social pela inclusão escolar nesta época. Já em 1995, fiz cursinho pré-vestibular somente com mais uma aluna com deficiência. Reivindiquei reformas no local para ficar acessível, mas nada foi feito.

E quando prestei vestibular na Universidade Anhembi Morumbi, não encontrei nenhum outro aluno com deficiência. E precisei conversar com a direção e convencê-los que eu tinha total condição de cursar a faculdade de Comunicação com autonomia. Foi uma luta! No segundo ano da faculdade de Produção Editorial, a minha sala era no segundo andar, e eu tinha que subir e descer um grande lance de escada para sair no intervalo. Um completo absurdo, porque todos já sabiam das minhas dificuldades para andar com as muletas. E só nos últimos 2 meses antes de me formar, em 1999, consegui usar o banheiro adaptado que eu tanto lutei para conquistar! Assim como a vaga reservada para estacionar o carro, conduzida ou não por pessoas com deficiência. Eu levei muita “porta na cara” até convencer a direção da Universidade que acessibilidade é um direito que deve ser respeitado!

Em 1997, o primeiro estágio foi na faculdade e eu tive que subir escadas e andar bastante de uma unidade até a outra. Em 1998, eu trabalhei como estagiária na Bienal do Livro. O balcão de atendimento era completamente inacessível, e eu tinha muita dificuldade para subir e descer da cadeira para atender o público. Precisa de ajuda das amigas da faculdade porque ainda andava de muletas. Depois estagiei em uma unidade do SESI, onde tinha um pouco de acessibilidade, mas precisava melhorar muito as instalações. Eu era a única estagiária com deficiência e não tinham alunos com deficiência na escola técnica. E em 1999, eu consegui o primeiro estágio oficial pelo CIEE. Trabalhava como revisora em uma editora de livros jurídicos sem acessibilidade e eu subi muitas escadas. Constatei que não queria ser revisora de publicações.

As palavras são meu AR

Meu interesse pela comunicação e jornalismo foi se revelando aos poucos, mas desde muito nova gostava de FALAR, ler e escrever histórias. Tinha nove anos quando criei meu primeiro poema. Em 1998, publiquei meu primeiro texto “Caleidoscópio”. Também fiz minha primeira reportagem na própria faculdade, e publiquei VOLUNTARIAMENTE, em uma das primeiras revistas voltadas às pessoas com deficiência de SP. A matéria foi sobre a parceria da faculdade e uma instituição de jovens com deficiência intelectual muito conhecida. Amei ficar uma semana junto com os alunos, entrevistar todos, escrever e editar o texto totalmente sozinha e na marra! Contei com o apoio do professor de fotografia da faculdade. Foi neste momento que descobri que seria JORNALISTA! E o meu sonho era falar sobre inclusão!

Depois de graduada conquistei meu primeiro emprego, (com carteira de trabalho), em uma Agência de Empregos por meio de um projeto social de inclusão em SP. Mas não atuei diretamente na minha área. Tentei mostrar aos coordenadores do projeto que eu tinha qualificação e interesse em escrever, mas não fui ouvida. Sofri MUITAS discriminações, capacitismo e situações de preconceito dos colegas de trabalho e da gerência. Fui encaminhada sem saber para uma vaga de emprego em uma multinacional, pela qual eu não tinha o menor interesse. Foi uma das piores faltas de respeito que eu vivi. Mas acabei realizando várias importantes palestras motivacionais sobre inclusão. E tive a certeza que lutaria para ser JORNALISTA!!

A grande realização profissional foi conquistada ainda quando eu trabalhava na agência de empregos. Fiz uma ampla e ótima cobertura sobre um Seminário de Empregabilidade da Pessoa com Deficiência realizado pelo Ministério do Trabalho na Faculdade de Direito de SP, e ganhei a vaga em uma editora familiar e pequena, que havia lançado um site INOVADOR sobre inclusão há poucos meses atrás. Fui a primeira Colunista deste site, e realizei mais de 100 reportagens e entrevistas, durante 2 anos, sem registro.

Depois fui co-fundadora da revista da mesma editora, e conquistei um bom espaço no mercado como JORNALISTA COM DEFICIÊNCIA FALANDO DE INCLUSÃO! Amava o que fazia e fui MUITO feliz!!! Andava de muletas e usava a antiga câmera fotográfica. De 2000 a 2002, foi o meu período de maior enriquecimento e experiência profissional. Nesta época conheci o maior número de profissionais da área da inclusão, convivi com outros Colunistas com deficiência, e aprendi bastante com especialistas e coordenadores de ONGs bem importantes. Entrevistei profissionais com deficiência reconhecidos, realizei várias coberturas em eventos públicos importantes, escrevi quarta-capa de livros, e comecei a encarar o Ativismo Social com maior comprometimento.

Também participei de movimentos em prol da inclusão em ONGs e Conselhos. Porém, na maioria dos eventos sobre Responsabilidade Social Empresarial, a assessoria de imprensa e os coordenadores dos encontros ainda perguntavam: “Cadê a jornalista ?” quando eu chegava no local para realizar a cobertura. E eu sempre ‘fiscalizava’ a acessibilidade destes locais.

Em 2004, realizei importantes coberturas voluntárias em eventos internacionais como Conferência do Instituto ETHOS de Responsabilidade Social, GIFE, Portal Setor 3 do SENAC, REDE SACI USP, Revista Caros Amigos, entre outros. E escrevia de graça só para sites da área da inclusão, e para o meu BLOG Caleidoscópio. Depois, fui a Jornalista Responsável free lancer in home office do Boletim Informativo da Fundação Dorina Nowill por três anos. Gostei muito da experiência! Já havia entrevistado a querida Dona Dorina para o site que trabalhei.

Em 2006, por não conseguir emprego na área, entrei por Lei de Cotas na maior editora de revistas do país, mas para exercer uma função totalmente fora da minha área! Tentei mostrar a minha formação e experiência em jornalismo, a capacidade e vontade de escrever para outra revista da editora, mas não acreditaram em mim. Comecei a usar cadeira de rodas. A editora era acessível fisicamente, mas não tinha profissionais com deficiência visual, auditiva e intelectual, e poucos profissionais em cadeira de rodas.

Foi a PIOR experiência profissional, e a MAIOR DISCRIMINAÇÃO que eu vivi. Minha mesa era virada de cara pra parede, isolada dos outros jornalistas. Passei por graves situações de assédio moral e capacitismo, mas como precisava trabalhar e tinha muito receio de não encontrar outro emprego devido à discriminação da sociedade, não consegui me defendes como deveria destes CRIMES. Acabei ficando com problemas de saúde e saí da empresa.

Fiquei anos sem trabalhar em empresas de comunicação, mas NUNCA me afastei da ampla produção de conteúdo, reportagens, entrevistas e coberturas de eventos para o meu blog e para sites da área. Mas na grande maioria nunca fui remunerada! Em 2009, eu fui a única pessoa com deficiência que participou viajando sozinha da “Conferência Livre de Juventude e Comunicação”, como etapa da “1ª Conferência Nacional de Comunicação”, promovida pelo Conselho Nacional de Juventude do Governo Federal. Foram 60 jovens de 18 estados do Brasil representando mais de 35 instituições. Os participantes elaboraram 31 resoluções e elencaram 9 prioridades para as políticas públicas. A ACESSIBILIDADE foi uma delas graças a mim!

Em 2010, fui contratada com registro, por uma editora pequena para trabalhar em uma revista sobre Educação Inclusiva. Fiz boas matérias, reportagens, entrevistas e editei sozinha as edições durante um ano. Mas fui obrigada a omitir informações sobre falta de acessibilidade nas escolas, e só mostrar um lado da ‘suposta’ inclusão. O principal objetivo da revista era comercial. Matérias com denúncias nunca eram publicadas. Porém, participei de eventos importantes, fiz palestras e viajei pela empresa. O local da editora era acessível, mas não tinham outros jornalistas com deficiência trabalhando comigo. Fiquei muito triste, decepcionada e frustrada quando fui demitida porque amava o meu trabalho, e queria continuar na editora ampliando a atuação das revistas.

Em 2010, realizei uma cobertura jornalística completa (vídeos, entrevistas, fotos e texto) de uma reunião da “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU)” dentro do colóquio: “Uma Avaliação do Sistema Global de Direitos Humanos sob a Perspectiva do Hemisfério Sul: Estratégias Comuns e Propostas de Reforma”, realizado por uma importante ONG internacional, a Conectas – Direitos Humanos.

Em 2011, comecei a escrever para uma revista técnica sobre síndromes. Trabalhei por 3 anos, como free lancer in home office, realizando pesquisas, entrevistas, reportagens e, principalmente, editando textos de especialistas. Foi uma experiência bem interessante porque aprendi muito sobre aspectos médicos, além de conhecer especificidades de várias deficiências conversando com as famílias.

Em 2012, fiz uma ampla cobertura, em vídeo e texto, sobre um importante congresso internacional de inclusão intelectual para uma ONG. E em 2013, realizei várias entrevistas em vídeo sobre a falta de acessibilidade nas agências bancárias. Foi um trabalho para uma agência de pesquisa de qualidade. Treinei bastante minha atuação como vídeo-repórter.

Em 2015, a então, estudante de Jornalismo da PUC de Campinas, Bárbara Garcia me entrevistou para o seu TCC, e eu relembrei a minha ampla trajetória escolar e profissional com muita saudade e emoção! No mesmo ano, doei uma ampla coleção de importantes publicações sobre deficiência ao “Memorial da Inclusão” do Governo do Estado de SP.

E em 2016, fui convidada para ministrar duas palestras: a primeira com o título: “Cadê a jornalista?” – Dores e delícias da trajetória de uma jornalista com deficiência física em uma sociedade em processo de inclusão”. E a segunda com o tema: “Acessível para quem?” – O papel dos profissionais de comunicação em busca de uma mídia realmente inclusiva. A atividade foi promovida pelo Grupo de Pesquisa “Mídia Acessível e Tradução Audiovisual” no módulo de Especialização “Linguagem, Cultura e Mídia”, coordenado pela Prof. Dra. Lucinéa Marcelino Villela e aconteceu na sala de aula do prédio da FunDeb, no campus da UNESP de Bauru.

Foi uma experiência marcante que me trouxe todas estas fortes lembranças que relatei aqui neste texto, também usado naquela época para contar a minha trajetória. Me senti muito valorizada pela minha experiência de vida e profissional, fui bem acolhida, tanto pelos alunos como professores, fiquei bem emocionada. E o melhor de tudo: curti as valiosas e gratificantes experiências de ter sido entrevistada para o Jornal de Notícias da TV Unesp e para o Programa Artefato também da universidade. O depoimento da professora Lucinéa Villela, foi de grande alegria para mim:

“Durante a palestra, a jornalista e blogueira, que nasceu com uma deficiência rara conhecida como “ossos de cristais”, contou de forma descontraída sua trilha para se formar em Jornalismo e atuar profissionalmente em revistas segmentadas. Houve grande participação dos discentes nas duas horas de bate papo com Leandra. Sua batalha de décadas desde sua infância até ser reconhecida no meio profissional serve de exemplo para todas as pessoas com deficiência que possuem um sonho de cursar uma universidade e seguir a profissão de seus sonhos” .

Entrevista no Jornal de notícias da TV UNESP

Participação no Programa Artefato da TV Unesp

Dicas aos jornalistas:

  • A ÚNICA terminologia correta é Pessoas com Deficiência;
  • Fazer reportagens com foco na pessoa como ser humano com potencialidades e dificuldades, e não na superação da deficiência ou no que lhe falta;
  • Não colocar a imagem da pessoa com deficiência na mídia, nem como herói nem como coitadinha;
  • Inserir o tema da inclusão, da acessibilidade, e da diversidade em matérias sobre temas gerais como Educação, Emprego, Lazer, Ensino, Esportes e etc;
  • Não esquecer de entrevistar também pessoas com deficiência em reportagens gerais, e não apenas nas voltadas à reabilitação ou medicina;
  • Atuar em empresas que cumprem TOTALMENTE, a legislação internacional, e nacional em relação a todos os recursos de acessibilidade (janela de libras, audiodescrição, legendas, descrições das imagens e acessibilidade digital em sites e redes sociais) e em todos os veículos de comunicação!

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