Autismo na vida adulta

09/04/2024 Capacitismo, Deficiência Intelectual, Depoimentos, Notícias 0

Renata Carneiro, filósofa, mestra em Filosofia e psicanalista.

O autismo na vida adulta vem, pouco a pouco, ganhando espaço nas mídias sociais, nas bibliografias especializadas e nas pesquisas científicas a respeito do autismo, porém, é uma quantidade diminuta ao compararmos com estudos sobre o autismo infantil. Nesse texto, iremos abordar alguns aspectos do autismo na vida adulta, com intuito informativo, pois nós sabemos que a maioria da população nem imagina que convive com autistas, que muitas vezes se calam por medo de serem excluídos dos ambientes que já fazem tanto esforço para frequentar.

Quando ouvimos falar em autismo, normalmente pensamos no autismo infantil, principalmente naquelas crianças com nível de suporte 3, não verbais, que, por onde passam, chamam atenção de todos. A maioria das pesquisas, dos dados e das bibliografias que encontramos a respeito do assunto versam sobre o autismo nessa fase da vida. O que é muito valoroso, pois, como é sabido, o diagnóstico precoce e a intervenção precoce são fundamentais para que a criança autista se desenvolva. Pensamos também em alguns personagens estereotipados que estão na mídia. No entanto, raramente, lembramos que existem adultos autistas que trabalham, estudam, convivem socialmente, e tentam viver num mundo típico, mesmo que isso vá contra a sua natureza atípica. Porém, quando falamos em autismo em adultos, percebemos um estranhamento e uma tendência à invalidação do diagnóstico tardio. O que nos causa estranhamento é essas pessoas não pensarem que crianças autistas vão se transformar em adolescentes autistas, posteriormente em adultos autistas e, como qualquer ser humano que não falecer, serão pessoas idosas autistas.

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, no qual ocorrem prejuízos em três áreas do desenvolvimento humano – comunicação, comportamento e interação social -, ou seja, o cérebro da pessoa autista se desenvolve de um modo diferente da pessoa típica. Atualmente, as pesquisas sobre o autismo já estão muito avançadas. No entanto, ainda não temos a resposta para o que causa, exatamente, o autismo. O que podemos afirmar é que encontramos a sua origem na genética e em fatores ambientais, com prevalência de genética.

Durante décadas, portadores do espectro autista foram diagnosticados erroneamente com outras patologias, como “retardo mental”, dano cerebral, esquizofrenia, epilepsia, etc. Desde a primeira edição do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em 1952, até a atualidade houve muitas mudanças nos critérios de diagnóstico do autismo e de outras psicopatologias. Atualmente, estamos no DSM-V-TR (2022), que é a versão mais atualizada do DSM-V (2014), no qual o autismo figura como Transtorno do Espectro do Autismo, classificado como um Transtorno do Neurodesenvolvimento devido a sua imensa diversidade de características, o que torna o diagnóstico mais abrangente e mais justo, pois uma série de pessoas que estão dentro do espectro não fechavam diagnóstico nos critérios anteriores e eram condenadas a viver sem o devido suporte, com diagnósticos equivocados.

Após esses esclarecimentos, podemos afirmar que não há uma “epidemia” de autismo, que ser autista não “virou moda”. O que houve foi uma evolução dos estudos sobre o autismo e, consequentemente, uma evolução dos critérios diagnósticos, o que corrigiu um erro de décadas, o qual condenava pessoas autistas que já haviam passado as suas infâncias sem suporte, suas adolescências sem suporte, a passarem o resto de suas vidas sem entender o seu funcionamento, sem qualidade de vida e num sofrimento psíquico silencioso e danoso.

O diagnóstico tardio em autistas adultos vem quase sempre acompanhado de comorbidades, como depressão, transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, etc. Isso ocorre pela falta de suporte adequado, na infância e na adolescência. A maioria dos diagnósticos tardios são de autistas nível 1 de suporte. Um exemplo são aqueles adultos que, quando crianças, eram as mais caladas, não interagiam como as outras, que, sempre que podiam, se isolavam, preferindo brincar sozinhas, podiam fazer contato visual ou não. Esse exemplo não exclui uma criança que, ao contrário, fala sem parar e que não sabe identificar o momento de pausa para que o diálogo se estabeleça, também possa ser diagnosticada com TEA. Vale ressaltar que cada autista é único. O modo e o ritmo no qual ele se desenvolve também são únicos. Depende de diversos fatores: os estímulos aos quais ele foi submetido, quando criança, se tem deficiência intelectual ou se tem altas habilidades. Cada característica, cada intervenção vai formar uma pessoa autista única.

Tão importante quanto entender o que é o autismo é entender o que não é o autismo. O autismo não é uma doença, logo não tem cura. Não existe um remédio que vai curar o autismo, existem terapias e medicamentos que vão ajudar a viver melhor. O autismo não é adquirido com uma certa idade, você nasce autista, e vive com as suas características atípicas por toda a vida. Cada vez mais vamos conviver com pessoas autistas, pois, ao contrário do que se fazia no passado, no qual essas pessoas eram trancafiadas em sanatórios ou exterminadas, atualmente os autistas estão inseridos na sociedade. A pessoa autista tem direito de estar aonde ela quiser estar e seus direitos devem ser respeitados e defendidos.

Referências Bibliográficas

GRANDIN, Temple. PANEK, Richard. O Cérebro Autista. Tradução de Cristina Cavalcanti – 18.ed. Rio de Janeiro: Record, 2023.
LOBATO, Makatiney De Farias. MARTINS, Maria das Graças Teles. Autismo: Descoberta tardia, importância da terapia cognitivo comportamental na intervenção psicoterapêutica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 12, Vol. 02, pp. 88-105. Dezembro de 2020. Disponível em: www.nucleodoconhecimento.com.br/semcategoria/descoberta-tardia. Acesso em: 08 de março de 2024.

* Artigo de Renata Carneiro, autista nível 1 de suporte e com AH/SD. É também filósofa, mestra em Filosofia e psicanalista.

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