Aleijadinho, o gênio do barroco brasileiro
Antônio Francisco Lisboa é considerado um dos maiores gênios das artes plásticas brasileiras, notadamente do estilo Barroco. Filho bastardo de um arquiteto português, Manoel Francisco Lisboa, e de uma de suas escravas, Isabel, nasceu no município de Ouro Preto, antigamente conhecido como Vila Rica, em plena efervescência do chamado “ciclo do ouro mineiro”. A história de Aleijadinho, personagem de hoje da série Figuras Históricas com Deficiência, é repleta de incertezas e informações sem comprovação fática. Boa parte delas é oriunda do livro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, de Rodrigo José Ferreira Bretas, escrito em 1848. Nele, é dito que o artista teria nascido em 29 de agosto de 1730 e falecido em 18 de novembro de 1814. Outras fontes afirmam que o ano de nascimento seria 1738. A doença de Aleijadinho também é motivo de controvérsias entre cientistas e pesquisadores de sua biografia.
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A falta de documentos escritos ou falados sobre Aleijadinho fazem com que ele seja menos conhecido e referenciado no mundo das artes renascentistas. Sua genialidade no uso da pedra-sabão e do cedro-rosa, seu olho apurado e sua capacidade de retratar figuras históricas da época em seus personagens garantiriam um lugar de destaque para ele aqui e lá fora. Aleijadinho era mulato, pobre e, a partir dos 40 anos, passou a sofrer as consequência de uma doença grave e debilitante, que fez seus dedos apodrecerem e caírem, seu rosto assumir feições horrendas e seu aspecto ficar grotesco. Após perder os dedos dos pés, ele passou a se movimentar se arrastando pelo chão. Sem os dedos das mãos, o cinzel e o martelo utilizados para esculpir suas peças eram amarrados em seus pulsos. O escritor Mario de Andrade, ao estudar o barroco mineiro, constatou duas fases nas obras de Aleijadinho: a primeira, sadia, caracterizada pela serenidade e clareza; e a outra, já doente, marcada por um sentimento gótico e expressionista. Aleijadinho ficou recluso em casa e só se deslocava pela cidade à noite, vestido por longos casacos e chapéus de abas enormes. Leia mais sobre a doença dele aqui.
Cabe um esclarecimento. A alcunha “Aleijadinho” não é uma forma pejorativa ou capacitista de se referir ao artista, muito diferente do termo “aleijado”, utilizado até hoje para as pessoas com deficiência, de forma grosseira e visando à sua diminuição como ser humano, e que Sem Barreiras abomina por completo. Após sua morte, o artista deixou um legado de cerca de 400 obras, dentre elas, pias batismais, estátuas, portais e altares, todas com apuro técnico impressionante para alguém com sua origem e um autodidata. Sem Barreiras não pôde confirmar a formação escolar de Aleijadinho, dado à precariedade de informações oficiais a seu respeito. O site escritoriodearte.com diz que ele “provavelmente não teria frequentado outra escola que a das primeiras letras e talvez algumas aulas de latim”. O site continua, dizendo que a formação artística de Aleijadinho, ao que tudo indica, “teve como prováveis mestres, primeiramente, o próprio pai, arquiteto de grande projeção na época, e o pintor e desenhista João Gomes Batista, que exercia as funções de abridor de cunhos (aqueles que preparavam os moldes nos quais os metais preciosos eram batidos para a fabricação de moedas) da Casa de Fundição da então Vila Rica”.
A primeira menção histórica à carreira artística de Aleijadinho, voltando ao site escritoriodearte.com, data de 1766, quando o artista recebeu a importante encomenda do projeto da igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Em 1772, o artista ingressou na irmandade de São José e, em 1775, nasceu seu filho, no Rio de Janeiro, chamado Manoel Francisco Lisboa, em homenagem ao pai, com a mãe sendo Narcisa Rodrigues da Conceição. O ano de 1777 foi o ano que marcou a vida de Aleijadinho. Sua doença tomou ares de gravidade e sua arte mudou por completo. O jovem de outrora, alegre, brincalhão e amante das coisas boas da vida, como a dança, se tornou um homem amargurado e triste. Aleijadinho se muda para Congonhas do Campo, na região central de Minas Gerais. É em Congonhas, no auge da doença, sentindo dores insuportáveis e com alterações profundas de humor, que Aleijadinho produz o que são consideradas suas duas maiores obras: Os 12 Profetas, em pedra-sabão, e Os 66 Passos da Paixão, em cedro.
Aleijadinho transmitia em suas obras uma forte visão política. Ele esculpia os personagens de forma mais grotesca representando as pessoas pobres do país de então, os mais sofridos, os mais necessitados, enquanto os poderosos, os mais ricos, os governadores e a elite de Ouro Preto, eram esculpidos com perfeição e beleza, criando um contraste cristalino entre as duas categorias. As obras de Aleijadinho, portanto, eram uma caracterização viva da realidade e todos entendiam suas críticas sociais, inclusive, os poderosos. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi um autêntico artista brasileiro, nascido da miscigenação das raças branca de Portugal e negra da África, pobre, provavelmente analfabeto, longe do conforto e da opulência da corte portuguesa e dos grandes salões de baile de outrora, mas que produziu algumas das obras mais belas e importantes das artes plásticas do seu país.
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