Um amor incondicional
* por Renata Coelho
Bom, minha história com a Sarah começou bem antes de ela ser concebida. Começou no dia em que eu, casada há um ano, recebi o diagnóstico de Diabetes Tipo 1 insulino-dependente (daquelas que precisa ser controlada com diversas doses de insulina diárias). Naquele dia, o médico insensível que me atendeu disse que eu não poderia ter filhos, pois, se os tentasse, teria sérias complicações e o meu filho provavelmente nasceria com problemas de saúde graves.
Saí desconsolada do consultório, chorei muito, tive medo, mas não aceitei aquela sentença, eu queria sim ser mãe. Pesquisei muito na internet sobre gravidez e diabetes, troquei de médico, enfim, fui atrás de informação e descobri que seria uma gravidez de risco cercada de cuidados, mas que eu poderia tentar sim. Esperei o controle da doença, esperei me conhecer melhor, esperei estar com a cabeça bem aberta e perto de bons profissionais para tentar ter meu filho. Alguns anos depois, através de um exame de farmácia que fiz no meu trabalho, tive a grande notícia que mudaria pra sempre minha vida: estava grávida!
Tive uma gravidez maravilhosa, tranqüila, cercada de amor de todos os lados, com muita demonstração de que minha pequena seria muito amada depois que nascesse. Fiz todos os exames de rotina e mais uma série que os médicos que me acompanhavam julgaram necessários e todos eram perfeitamente normais. Tudo correu normalmente até o dia do nascimento, quando as complicações começaram.
Sarah nasceu de parto cesárea, no dia 11 de junho de 2010, às 7:41hs e pesando 4.160kg (gordinha!). Chorou alto e forte e teve nota de apgar 9/10, tudo perfeito até aí. A médica me trouxe ela para que eu conhecesse e disse que a levaria para fazer um exame de glicemia, já que eu era diabética e ela podia ter hipoglicemia (baixo açúcar no sangue) devido ao tempo que ficou no meu útero sendo exposta a taxas elevadas de glicose. Isso é normal em bebês de mães diabéticas, mesmo aquelas que controlam bem a doença. Na verdade, eu já esperava que ela tivesse hipoglicemia ao nascer. Uma hora depois do nascimento, ela teve a temida hipo, foi levada para a UTI-Neo, ficou lá sendo monitorada. Precisou se alimentar por sonda, foi furada em diversos locais, sofreu bastante e eu conheci a maior dor do mundo: ver um filho sofrer!
Quando a hipo foi controlada e nós achamos que tudo estaria bem, ela desenvolveu icterícia grave, os médicos não conseguiam controlar com a fototerapia e as taxas de bilirrubina só aumentavam e ela ficava cada dia mais amarela. Foi cogitada até transfusão de sangue, mas felizmente não foi preciso e ela veio pra casa ainda bem amarelinha, mas se recuperou.
A partir daí, a gente achou que ficaria tudo bem, mas eu sempre notei que a Sarah era um bebê diferente… não acompanhava a curva de desenvolvimento para a idade dela, estava sempre um pouco atrasada, era molinha, diferente, parecia viver em outro mundo, muito distraída. Foi quando esse atraso no desenvolvimento culminou no início dos espasmos da Síndrome de West aos oito meses de idade. Depois de uma crise horrível de quarenta minutos, nós a levamos ao hospital e através de um eletroencefalograma recebemos o triste diagnóstico da Síndrome de West, uma síndrome que causa atraso no desenvolvimento global, limita o desenvolvimento físico e pode deixar a criança em estado vegetativo.
Os prognósticos foram os piores possíveis, que ela não falaria, não sentaria, não andaria, não interagiria com ninguém, ia ter uma vida de limitações. Naquele momento, minha vida parecia um pesadelo; minha filha, tão esperada, tão desejada, tão planejada tinha uma doença grave, sem cura e que poderia comprometer sua vida pra sempre, o chão sumiu aos meus pés.
Porém, mais uma vez, eu não aceitei a sentença e fui em busca de informações, de saber o que realmente nos esperava e descobri que nem todos os casos são ruins, que nem todas as crianças desenvolvem as piores seqüelas e que, quando a doença é descoberta no início e controlada rapidamente, o prognóstico é favorável. Depois de digerir o que estava acontecendo e ir em busca dos profissionais certos, medicamentos certos, tratamentos certos, hoje a Sarah nos surpreende a cada dia, com novos aprendizados, novas conquistas e me faz ter esperança e muita vontade de vê-la feliz e plena dentro das suas possibilidades.
Hoje, ela senta sozinha sem apoio, balbucia sílabas, fala papá (comida), tetê (mamadeira), mãmã (mamãe) e papai (certinho rs). Recentemente, aprendeu a levantar e se sentar sozinha, interage e brinca com a gente, sorri, pega objetos e a cada dia conquista uma coisinha, no tempo dela, do jeito dela, mas consegue evoluir. Um acontecimento que ficou marcado na minha memória foi o dia que ela me viu comendo biscoito, esticou o bracinho pedindo, pegou a bolacha e comeu todinha sozinha. Para uma mãe de criança especial, cada aprendizado, por menor que seja, é uma vitória incrível, um sinal de que a criança está reagindo, que os estímulos estão dando resultado. O que passa batido para uma criança típica é uma conquista sem tamanho para uma criança especial.
Para uma criança que teve um prognóstico de estado vegetativo, ela surpreendeu bastante, né? Minha princesa hoje ainda não anda (com um ano e oito meses), mas está recebendo estímulos pra isso e teve um prognóstico muito bom quanto às possibilidades de aprender a andar sozinha. Certezas? Não tenho nenhuma. Com a Sarah, aprendi a viver um dia de cada vez, sem me preocupar com o amanhã, se ela vai andar, falar, cantar ou o que quer que seja. Estar com ela hoje é o que me importa. Essa doença podia ter levado ela de mim, mas não levou, então quero estar ao lado dela e viver o dia de hoje como se não houvesse amanhã e quem é que sabe se haverá não é? Sarah, meu anjo especial, meu tesouro, minha preciosidade, que surpreende os médicos a cada dia, que nos surpreende, que teve o pior prognóstico e contrariou a todas as previsões pessimistas e vai continuar contrariando no que depender da sua família. Nosso próximo desafio é vê-la andando, alguém aí duvida que ela vai conseguir?
Outra coisa que acho importante citar e que causa dúvidas nas pessoas: ela fez inúmeros exames de rastreamento e nenhum deles indicou que o que ela desenvolveu tem ligação com o fato de eu ser diabética. A minha gravidez tranqüila atesta que ela era destinada a ter esse problema, independente do meu problema, talvez mesmo que eu não fosse diabética ela mesmo assim desenvolveria essa síndrome. Não foi encontrada até hoje nenhuma relação entre as duas doenças. Eu cheguei a me culpar durante um tempo, mas os médicos tiraram essa culpa das minhas costas. Ufa, rsrsrs.
Beijos!
Rê.
* Esse depoimento foi publicado no dia 23 de fevereiro de 2012 no site Crianças Especiais. Renata Coelho dos Santos tem 28 anos, mora em Guarulhos, é formada em Sistemas de Informação, mas atualmente trabalha como fotógrafa e é casada com Diego Araújo desde junho de 2003. Ela mantém um site profissional (www.renatacoelho.com.br) e um blog pessoal, onde conta histórias permanentes de sua pimpolha, chamado Mãe e Diabética!: Mamãe da Sarah. As fotos foram retiradas de seu blog, com autorização da autora.
3 Comentários
Estou muito feliz em ver minha história contada aqui no Sem Barreiras, é uma honra, obrigada!
Sou pai de um ser humano, e não de um feto. Se ele não consegue falar é por que calaram a sua voz por negligência e omissão, mais ela ainda continua baixinha… E nos simples detalhes de seu som, elas repetem a música que canto nos seus pequenos ouvidos. Eu sinto seu olhar, ele olha para mim tão diferente… Fixa as pupilas em minha direção, e dentro delas refletem um brilho gigantesco, como se falassem para mim que eu não sofresse mais, por que ele estava vivo, no meu colo, recebendo meus abraços e afagos. Às vezes quando toco nos seus pequenos bracinhos paralisados, observo as pontas dos seus dedinhos, eles começam a mexer lentamente, e respondem as minhas carícias delicadas de pai.
https://pequeno-pedro-lucas.blogspot.com.br/2016/04/os-guerreiros-tem-um-toque-especial-de.html
Meus parabéns pelo seu texto, Ismael. Grande abraço e boa sorte para você e seu pequeno ser humano.