Artista plástico brasileiro com Síndrome de Down expõe na Itália
O que é limitação? O que determina os limites de algo ou alguém? Aprendemos, desde cedo, que tudo na vida tem limite. Mas, será que todos nós também temos limites? Será que existe uma barreira invisível que nos impedirá de seguir em frente e realizar nossos sonhos e desejos? Quantos exemplos a vida já não nos ofereceu de que essa barreira existe sim, mas que não é fixa, não é imóvel? Esse é o caso do pintor Lúcio Piantino, 17 anos, nascido em Brasília. “Um dos melhores da sua geração”, de acordo com Wagner Barja, Diretor do Museu Nacional de Brasília e Coordenador do Sistema Nacional de Museus-DF.
Lúcio é o terceiro filho de Lourenço Bem e Lurdinha Danezy (é irmão de Joana e Pedro) e nasceu com Síndrome de Down, uma “marca biológica”, como muito bem definiu a professora e educadora aposentada Beth Tunes. “O Lucio era uma criança que fazia o que todas as crianças fazem. Ele apenas tinha uma marca biológica que as pessoas chamam de Síndrome de Down e que costumam ver nela a possibilidade de fracasso. Mas, eu não vejo assim, não vejo as marcas biológicas como definidoras de sucesso ou fracasso, mas sim as relações interpessoais, a vida social dessas pessoas. Essas marcas definem algumas das impossibilidades, mas não suas possibilidades. Portanto, esqueçamos o que ela não pode fazer e nos foquemos no que pode”.
A arte acompanha Lúcio desde sempre. Filho e neto de artistas plásticos, cresceu entre telas, tintas, pincéis e esquadros. Mas, ele só tomou a decisão de pintar depois que resolveu deixar a escola, cansado de sofrer com o preconceito por ter Síndrome de Down. Aos 13 anos, pintou O Verdadeiro Amor, seu primeiro quadro. Graças à batalha da mãe de Lúcio, Lurdinha Danezy, e à quebra de barreiras, hoje o artista está com sua vida profissional estabilizada e começa a levar seu trabalho para o exterior. O jovem foi convidado a mostrar dez de suas telas na Galleria Nazionale Dell’Umbria, na Itália. A mostra acontece em dezembro e integra a programação da terceira edição do Polimaterico, projeto que tem como foco a acessibilidade das pessoas com deficiência à arte contemporânea. Em média, uma obra do pintor está avaliada em R$ 1 mil, o metro quadrado. A vida do garoto também virou o documentário De Arteiro a Artista (veja aqui), exibido no 5º Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência – Assim Vivemos.
Lucio está super empolgado com a oportunidade. “Gosto muito de frio e sei que lá vai estar no inverno. Quero conhecer gente e provar comidas gostosas”, contou ao jornal Correio Braziliense. “Ele não é uma pessoa com Síndrome de Down que pinta, mas um pintor que tem Síndrome de Down”, explica a mãe. Para arrecadar dinheiro para sua viagem até a Itália, Lucio lançou uma campanha na internet. O artista está vendendo rifas e, no dia 20 de dezembro, vai sortear uma de suas telas anunciadas em sua página no Facebook (acesse aqui).
Depois daquele primeiro quadro, vieram muitos outros. Com quatro anos de carreira, Lúcio Piantino já fez seis exposições individuais e acabou de fechar um contrato com uma empresa americana, que vai replicar suas obras e vender no exterior. Mesmo sem ter se inspirado em grandes artistas, especialistas em arte dizem que a obra de Lúcio lembra os traços do norte americano Jackson Pollock, dos espanhóis Antoni Tápies e Pablo Picasso e do brasileiro Amilcar de Castro.
Garoto de sorriso fácil, ele cria suas obras ouvindo funk, axé, hip-hop. Disse que gosta de homenagear as pessoas com seus quadros. “Eu vejo a cor da pele, a cor da boca, a cor da calça e jogo aquelas cores nos meus quadros. É uma homenagem abstrata”. E a arte, hoje é a vida de Lúcio, o carinho que ele tem pelos seus quadros é um amor familiar. “Meus quadros são meus filhos e as tintas são o alimento que dou para eles”.
O desenvolvimento de Lúcio como artista só foi possível por causa do esforço de sua mãe, que abriu mão da carreira de professora e do concurso público no qual tinha sido aprovada, para dar a atenção que o filho precisava. Desde a gravidez, Lurdinha evitava os médicos que diziam que seu filho seria deficiente. Para ela, é o mundo que faz com que a pessoa se torne deficiente. “Acredito muito que a pessoa com a Síndrome de Down não nasce com deficiência, ela fica deficiente dependendo da forma com que a educação dela é conduzida”. Para ajudar no desenvolvimento de Lúcio, Lurdinha sempre o estimulou, mas viu que era preciso um pouco mais para dar às crianças com Síndrome de Down um crescimento com mais oportunidades.
Resolveu então, em conjunto com outras mães, criar a Associação Mães em Movimento, que trabalha para a criação e a implantação de políticas públicas para essas pessoas. Para Lurdinha, a luta dessas mães e pais, tem o seu valor. “Toda a legislação [criada até agora] você pode ter certeza de que tem o dedo de um pai, ou de um grupo de pais”. “Mas, o preconceito ainda é uma das principais dificuldades”, diz a mãe de Lúcio, que mais uma vez teve que tirar o seu filho da escola por estar cansada de lidar com o preconceito e com a falta de preparo de profissionais. “É muito difícil se olhar pra uma pessoa com deficiência só como pessoa. Primeiro, vem a Síndrome para depois se olhar para a pessoa, se é que se olha para a pessoa”.
Mas, a mãe reconhece que há avanços. Pessoas com Síndrome de Down vêm sendo inseridas na sociedade e têm recebido reconhecimento. “Está mudando porque existe um investimento muito grande das famílias no desenvolvimento dessas crianças, não só por uma legislação, mas por uma consciência de que a Síndrome de Down é uma diferenciação genética e não uma deficiência”.
* O texto conta com informações do vídeo documentário De Arteiro a Artista e de matérias do jornal Correio da Bahia e do site Deficiente Ciente
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