Mato um leão por hora após acidente que matou meu filho e me deixou tetraplégica
Aos 36 anos, Bianca Menezes Ravagnani, fala sobre o que é matar um leão por hora, desde maio de 2012, depois que um acidente lhe tirou a maior felicidade deste mundo. Luca, o filho ainda menino se foi, ela ficou tetraplégica e viu a vida mudar completamente. “Daquela” Bianca, nem a casa hoje é a mesma. Apesar de ela não ter se mudado, os brinquedos pelo chão foram substituídos por rampas, reformas e uma eterna adaptação do que é viver com saudade. Hoje, a médica veterinária e proprietária de uma distribuidora de produtos veterinários conta sua história no Voz da Experiência.
“Falar do meu filho ainda é muito difícil.
Eu tenho uma distribuidora de produtos veterinários, até o dia do acidente, eu fazia visitas na rua, andava de carro, ia até os clientes. Depois do acidente fiquei dois anos parada, quando me separei, voltei a trabalhar”.
O acidente foi num domingo, dia 27 de maio de 2012. A gente foi para Ponta Porã, eu, meu ex-marido, minha mãe e meu filho, fazer compras. Na volta, o carro capotou, não tem explicação. Não estava chovendo. Muita gente achou que era aquaplanagem, porque aqui estava chovendo bastante, mas na estrada não.
Não abriram os airbags e o carro capotou do meu lado e do meu filho. Eu estava no banco da frente e ele na cadeirinha, atrás. Quebrei o pescoço e a quinta vértebra cervical. Tive uma lesão na medula, coloquei uma placa de titânio e quatro parafusos. Meu filho teve traumatismo craniano, na hora. Na minha mãe, só ficou a marca do cinto e no meu marido, um corte na cabeça.
Eu não me lembro de nada do acidente, embora eu não tenha apagado. Permaneci acordada o tempo todo, só que eu fiquei presa no carro. Minha mãe e o Gabriel (ex-marido), eles saíram e eu falei ‘mãe, eu não estou sentindo a minha perna’. Ela falou ‘fica quietinha aí, estou levando o Gabriel e o Luca para o hospital e o bombeiro já vai te tirar’.
“A felicidade apareceu na minha vida em 2010, ano que o Luca nasceu”, afirma Bianca, que está tetraplégica.Fui levada para o hospital de Maracaju, onde eles já estavam. Cheguei, fiz raio-x e tudo. Fiquei o tempo todo acordada, conversando, mas não lembro o que aconteceu. Às vezes eu pergunto, mas não tenho a quem perguntar. Minha mãe que estava lá não gosta muito de falar. Eu só lembro depois da minha cirurgia, na terça-feira de manhã.
O diagnóstico nunca é fechado, eu estou tetraplégica, porque lesões acima da sétima vértebra já se considera tetraplegia. Eles falavam que têm seis meses, dois anos para recuperar, mas tudo é subjetivo, eu ainda tenho tido melhora, mas realmente não se sabe até onde pode chegar.
A felicidade apareceu na minha vida em 2010, ano que o Luca nasceu. Quando eu cheguei no hospital, em Maracaju, o médico falou para a minha mãe ‘não deixa ela sair daqui sem saber o que aconteceu’ e eu só falava que eles tinham entubado o Luca, que era para ela ficar cuidando dele que eu estava indo. E eu acho que foi justamente aí, por isso que eu acho que não caiu a ficha até hoje. Eu não estava no velório, não participei de nada. É estranho falar.
Eu acho que ele morreu na hora, minha mãe tirou ele do carro. Eu pergunto e ela diz só que ‘pegou ele no colo’, quem sabe uma hora, ela consiga falar. Foi o primeiro neto dela, ela sentiu a perda do Luca como eu senti.
Foram sete dias no CTI até vir para casa de home care, como tive uma recuperação muito boa, ninguém achava que ia ser irreversível, mas o tempo vai passando e o ser humano é muito adaptável. Claro que a gente se acostuma mais fácil com as coisas melhores, mas fui criando um mundo onde as coisas ficaram mais fáceis. Tomo água, digito, como, moro sozinha, mas tenho duas pessoas comigo. O que eu puder fazer sozinha, eu faço.
“Eu acho que ele morreu na hora, minha mãe tirou ele do carro. Eu pergunto e ela diz só que pegou ele no colo”. Eu era casada, só que 1 ano e 8 meses depois do acidente, meu marido resolveu que não dava mais. Eu depositei minha vida, eu vivia em função e achava que não ia conseguir viver sem ele. No dia que ele resolveu se separar, eu vi que precisava voltar a viver, tomar conta da minha vida de novo, trabalhar, pagar as contas. Foi a hora que resolvi voltar para a empresa.
Era um sobrado, resolvi mudar para perto da minha casa, uma casa inteira plana para onde eu vou todo dia de manhã, às 8h, com a cuidadora, fico, almoço lá mesmo e volto à tarde para as minhas terapias.
Matar um leão por hora é a mesma coisa do que eu estou fazendo agora: falar do Luca me dá uma tristeza profunda e eu tenho que passar por isso, porque daqui a pouco vou ter que falar com um cliente e não posso estar lamentando. Eu acho que tido isso a gente vai tendo que superar, porque se for jogar debaixo do tapete, uma hora essa sujeira volta e a gente não pode ficar escondendo as coisas, tem que encarar.
No Carnaval, fiz algo que me surpreendi: foram os cinco melhores dias da minha vida, fui a um acampamento da Igreja Católica. Eu estava bem mal com o cara lá de cima, porque as pessoas falam ‘o que é seu está guardado, uma hora melhora’. Mas, tem hora que, com o perdão da palavra, você fica de saco cheio, porque não está melhorando. Só piora.
Eu tive oportunidade, nesse acampamento, de uma transformação maravilhosa que está acontecendo ainda. De ter no que acreditar, acreditar que vai melhorar. Hoje eu falo, não vai adiantar nada você reclamar e não procurar melhorar. Minha separação foi algo dolorido para mim, já superei, mas na época foi muito dolorido e eu passei a não confiar nas pessoas. Esse acampamento me fez enxergar que ainda existem pessoas em quem eu possa confiar. Então comecei a me abrir mais, a falar mais. Eu vivo dois lutos: do Luca e da minha vida, porque mudou totalmente, não é mais nada do que era antes.
De concreto sobre voltar a andar? Não tem nada. Tem estudos de células tronco, implante com fios de ouro, mas tudo que ainda vão começar os testes. Meu foco hoje é a minha empresa, meu trabalho. É ele quem me preenche, é o que eu gosto de fazer.
* Matéria do blog Deficiente Ciente (clique aqui)
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