Direitos Humanos e pessoa com deficiência em Fortaleza
No início da década de 1980, portanto muito recentemente, a situação das pessoas com deficiência emergiu como um movimento e como um direito. Esse movimento tomou corpo com o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), que aconteceu em 1981, instaurado pelas Nações Unidas quando essas questões passaram a ser problematizadas e reivindicadas na arena política. No Brasil, contudo, outras iniciativas já despontavam no final da década de 1970, quando através do movimento das pessoas com deficiência, pela primeira vez, elas mesmas protagonizaram suas lutas e buscaram ser agentes da própria história, abraçando o lema “Nada sobre Nós sem Nós”.
Este é um momento específico do movimento das pessoas com deficiência e que representou um esboço de modificação no modo como, historicamente, a sociedade lida com essa parcela da população. Dessa forma, o movimento passa por fases de transição: sai da fase caritativa ou tradicionalista, vai para a reabilitatória, até a atual, que está se consolidando como fase de autonomia, ou como prefiro afirmar como a fase das pessoas com deficiência como sujeitos de direitos.
No Brasil, ainda que a Constituição Cidadã de 88 tenha explicitamente declarado e reconhecido os direitos das pessoas com deficiência, principalmente no tocante aos direitos sociais, somente em 2003 o governo brasileiro cria uma instância integrada e com recursos para executar a política pública nacional para pessoas com deficiência no âmbito da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Outro fato marcante no campo legislativo é a elaboração da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2007, que contou com a participação de 192 países membros das Nações Unidas e de centenas de representantes da sociedade civil de todo o mundo. Como desdobramento, em 2008, o Brasil ratificou esta Convenção com status de valor Constitucional, pois a mesma fora aprovada pelo Congresso Nacional por mais de dois terços dos parlamentares.
Tudo isso foi possível em função do movimento das pessoas com deficiência, que conseguiu atuar e se organizar, superando as vias caritativas, reabilitatórias e alcançando o nível de sujeitos de direitos, reafirmando o lema da década de 70: NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS.
E a cidade de Fortaleza, como lida e trata as pessoas com deficiência? Qual a situação dos mesmos na atualidade em nossa cidade? E como a Prefeitura de Fortaleza coloca em prática políticas públicas para os sujeitos de direitos: pessoas com deficiência?
É bem verdade que há uma Coordenadoria de Pessoas com Deficiência, que está vinculada à Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos – SMCDH, e que nesta há um Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Em 2011, foi aprovada a Lei nº 9868 “A”, que se refere à Política Pública de Atenção às Pessoas com Deficiência – PADEF e busca a articulação com as políticas setoriais de saúde, educação, inclusão no mercado de trabalho, acessibilidade etc.
Não se percebe claramente, porém, o efetivo respeito à dignidade de pelo menos 293 mil pessoas com deficiência em Fortaleza, segundo dados do IBGE – Censo 2000. E, em 2012, a gestão pública municipal já reconhecia que não conseguia garantir políticas públicas para esse segmento e que boa parte dessas pessoas pouco ou nada saía de casa. Ou seja, viviam sem atendimento aos direitos, sem poder se deslocar ou transitar pela cidade, pois seu nível de acessibilidade não é suficiente, muitas vezes inexistente.
Olhando para os dados noticiados pela imprensa ou mesmo analisando informações oficiais, a cidade de Fortaleza é devedora e violadora dos direitos das pessoas com deficiência, ainda que tenha inúmeras leis aprovadas que de alguma forma preveem garantias e atendimentos diferenciados. Vejamos alguns dados relevantes da situação das pessoas com deficiência em Fortaleza:
– De acordo com o IBGE, em 2013, em Fortaleza, dos 78,5 mil deficientes com idade escolar, só 2,6 mil estavam matriculados na rede pública de ensino, ou seja, 3,31%;
– Uma Lei municipal de nº 57/2008, garante as pessoas com deficiência em Fortaleza a gratuidade no transporte público coletivo, mas a Prefeitura Municipal de Fortaleza em 2015 só conseguiu garantir esse direito para 14 mil pessoas.
– Além disso, é visível, na grande maioria dos espaços públicos da cidade ou mesmo em locais privados, onde circulam muitas pessoas, que não há a mínima preocupação com a acessibilidade. Toda a arquitetura da cidade é construída sem levar em conta as diferenças e as necessidades especiais das pessoas;
– É também notória no atendimento à saúde das pessoas com deficiência a ausência da garantia de direitos por parte da Prefeitura de Fortaleza. Um exemplo é o kit para lesão medular, que a Prefeitura, por não entregar regularmente às pessoas que dele necessitam, responde a uma ação judicial movida pelo Ministério Público em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Por fim, ressalto que a maioria das pessoas com deficiência em Fortaleza encontra-se no segmento “população de baixa renda”, ou seja, um amplo contingente de pessoas que precisa recorrer aos programas sociais como alternativa de sobrevivência. Uma população, nesse sentido, atingida em sua condição de humanidade, pois as causas que geram desigualdade e exclusão acabam por fazer emergir uma “coletividade de pessoas despojadas de seus direitos mais básicos”.
É urgente, portanto, conhecer, tornar visíveis esses sujeitos de direitos, definindo bem seu perfil e suas necessidades específicas, não para serem alvos de caridade ou reabilitação, mas para que sejam garantidos e efetivados os seus Direitos Humanos. É ainda imprescindível que os movimentos de pessoas com deficiência continuem em sua perspectiva organizativa de forma independente e ativa e busquem a articulação, a colaboração e a solidariedade, atuando com resistência, pois resistir é uma imposição do nosso presente para não vermos nenhum direito a menos.
FIQUE POR DENTRO
Onde denunciar
Promotoria de Justiça do Idoso e Pessoa com Deficiência – Rua Assunção, 1.242 – José Bonifácio – Fones: 3252-6352 ou 3252-6391
Defensoria Pública – Núcleo de Direitos Humanos e ações coletivas – Edifício Juridical Center – Avenida Washington Soares, 1400, SALAS 410 E 411 Bairro Engenheiro Luciano Cavalcante / CEP: 60810-350 – Fone: 3278.73.90
* Texto do advogado e vereador João Alfredo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Mulher, da Juventude, da Criança e do Idoso da Câmara de Vereadores de Fortaleza – www.joaoalfredopsol.com.br
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