Mulher em uma cadeira de rodas, segurando um cartaz com os dizeres: homem de verdade não bate em mulher.

Mulheres ainda têm muito a conquistar no Brasil

07/03/2017 Notícias 0
Mulher em uma cadeira de rodas, de frente para um computador, e com um fone de ouvidos

Pesquisas mostram que as mulheres com deficiência possuem menos oportunidades e recebem salários mais baixos que homens deficientes

O dia 08 de março marca o Dia Internacional da Mulher. Em todos os lugares do mundo, são realizados eventos com o objetivo de celebrar conquistas femininas ou, em grande maioria, protestar pelas inúmeras diferenças de tratamento entre homens e mulheres. Como se sabe, em pleno século XXI, ainda há um enorme abismo no que é permitido ou exercido por homens e mulheres no mercado de trabalho, salários, direitos individuais e políticos. Muito já foi conquistado, mas falta muito mais. Para se ter uma ideia, segundo o Mapa da Violência 2015, dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013, no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que, em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. Essas quase 5 mil mortes representaram 13 homicídios femininos diários em 2013, os chamados feminicídios.

Os homicídios contra mulheres negras aumentaram 54%, no período entre 2003 (1.864 assassinatos) e 2013 (2.875 crimes). No mesmo intervalo, curiosamente, o número de assassinatos contra mulheres brancas caiu 9,8%, de 1.747 para 1.576, anexando aí o racismo ao feminicídio. Outro número que se destaca é o da violência sexual. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 89% das vítimas são do sexo feminino e, em geral, têm baixa escolaridade. Desse total, 70% são crianças e adolescentes e o mesmo percentual de crimes cometidos por familiares, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. As mulheres, portanto, correm mais risco dentro de casa do que fora dela. A situação se torna mais alarmante quando se constata que 26% das mulheres agredidas ainda vivem com seus parceiros, ou por medo de deixá-los ou por incapacidade, pois não têm para onde ir, ou ainda por se sentirem culpadas pela agressão que sofreram, dada a pressão exercida pela sociedade que costuma perdoar ou justificar o agressor.

Em 7 de agosto de 2006, o Congresso Nacional aprovou, por unanimidade, a Lei No. 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Editada pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), foi considerada, em 2012, pela Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência contra a mulher. A cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta o nome à Lei, foi vítima de duas tentativas de assassinato pelo marido e ficou conhecida por levar seu caso à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Lei Maria da Penha é considerada um avanço, pois reconhece como crime a violência intrafamiliar e doméstica, tipifica as situações de violência, determinando a aplicação de pena de prisão ao agressor, e garante o encaminhamento da vítima e seus dependentes a serviços de proteção e assistência social (conheça aqui a Lei Maria da Penha).

A violência contra as mulheres não é um problema apenas para elas, as vítimas. É também para o Estado. O Ministério da Saúde calculou, em 2011, que foram gastos cerca de R$ 5,3 milhões em 5.496 internações dessas mulheres nos hospitais da rede pública de saúde. Além delas, 37,8 mil outras mulheres, de 20 a 59 anos, precisaram de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) por terem sido vítimas de alguma forma de violência. O número é 2,5 vezes maior do que os atendimentos a homens. A socióloga Wânia Pasinato, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), destaca que, além dos custos financeiros, há “enormes prejuízos sociais” gerados pela violência contra a mulher. Ela cita estudos que indicam, por exemplo, que homens que presenciaram cenas de violência doméstica, durante a infância, tendem a reproduzir, com mais frequência, características de dominação e agressividade em suas relações afetuosas.

A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, organização não governamental que atua em projetos de defesa dos direitos da mulher, Jacira Vieira de Melo, destaca que os números confirmam que, apesar da Lei Maria da Penha ser uma referência nacional e conhecida pela maioria da população, a violência contra a mulher ainda é um grave problema social. Ela defende que, para enfrentar a questão, é preciso fortalecimento das políticas públicas e incremento orçamentário. O problema, portanto, tem forte viés cultural. Em 2007, por exemplo, uma adolescente de quinze anos foi presa por tentativa de furto, em Abaetetuba (PA), e a juíza Clarice Maria de Andrade a manteve, por 26 dias, em uma cela com trinta homens. A jovem afirmou ter sido torturada e violentada nesse período e a juíza foi “punida” com suspensão por dois anos, mas com manutenção do salário. Após recursos e anulação da pena inicial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dez anos depois do ocorrido, a suspendeu por dois anos de suas atividades na magistratura, porém com manutenção dos vencimentos e possibilidade de retomar sua carreira.

 

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A violência física não é a única forma sofrida pelas mulheres. As redes sociais iniciaram um processo de linchamento público em casos de estupros e assassinatos. A garota estuprada, quase sempre, fez por merecer o crime ou por usar roupas curtas ou decotadas demais ou por andar de forma provocativa ou ainda por frequentar certos lugares, à noite, sozinha. Muitos responsabilizam os pais da vítima por não a terem educada corretamente ou por não saberem onde ela está. Poucos são os que avaliam a educação recebida pelos estupradores. O absurdo chega ao ponto desses estupros serem filmados e disponibilizados nas redes. Semana passada, o jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo, reproduziu, em sua conta no twitter, o que pensa parte da nossa sociedade. Diante de um relato da atriz americana Jane Fonda, de que fora estuprada na infância, o ex-assessor de imprensa do General Figueiredo, último presidente da Ditadura Militar, escreveu: “e eu com isso”? A postagem causou revolta em organizações sociais de mulheres pela grosseria e total ausência de empatia.

No mercado de trabalho, a situação das mulheres também é crítica. São diversas as desigualdades entre homens e mulheres, tanto na questão salarial quanto nas oportunidades de chefia e comando. Além disso, cabe às mulheres a chamada “jornada dupla”, ou seja, o cuidado com a casa, o marido e os filhos após o expediente normal no emprego. Nas últimas décadas do século XX, presenciou-se um dos fatos mais marcantes na sociedade brasileira, que foi a inserção, cada vez maior, da mulher no campo do trabalho, fato este explicado pela combinação de fatores econômicos, culturais e sociais. Em razão do avanço e crescimento da industrialização no Brasil, ocorreram a transformação da estrutura produtiva, o contínuo processo de urbanização e a redução das taxas de fecundidade nas famílias, proporcionando a inclusão das mulheres no mercado de trabalho.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, a população brasileira chega a quase 203 milhões de brasileiros, com a estimativa de 51% de mulheres. Segundo dados do Instituto, de 2004 a 2014, a situação das mulheres na sociedade brasileira melhorou, entretanto as desigualdades em relação aos homens permanecem significativas. Apesar da jornada semanal dedicada aos afazeres domésticos pelas mulheres ter reduzido de 22,3 horas para 21,2 horas semanais, elas acumulam 5 horas semanais a mais na jornada total de trabalho em relação aos homens. Essa situação ocorre porque a jornada no mercado de trabalho das mulheres se manteve em 35,5 horas semanais, enquanto, para os homens, passou de 44,0 para 41,6 horas semanais, sendo que eles mantiveram 10 horas semanais dedicadas aos afazeres domésticos (menos da metade da feminina).

Ainda assim, pôde-se observar um aumento no percentual de homens ocupados, que realizaram afazeres domésticos e de cuidados, passando de 46,1%, em 2004, para 51,3% de 2014. Esse percentual, para mulheres ocupadas, em 2014, era de 90,7%, quadro semelhante ao de 2004 (91,3%). Embora tenha havido uma redução de 10,9% na desocupação feminina, no período citado, as mulheres continuam sendo o segundo grupo populacional com a maior taxa de desocupação (8,7%), abaixo apenas dos jovens (16,6%). As mulheres jovens que encontram maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, sendo que uma em cada cinco jovens está desocupada (20,8%). Na questão salarial, a mulher, em média, recebe 25,6% menos do que o homem, nas mesmas condições educacionais. Maternidade e questões biológicas típicas delas são, costumeiramente, usadas como justificativa para essa diferença.

* Legenda da foto em destaque: A cearense Maria da Penha Maia Fernandes sobreviveu a duas tentativas de assassinato do ex-marido e empresta seu nome à Lei de combate á violência contra a mulher

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