A dignidade perdida e nosso papel como brasileiros
Em meu convívio diário, tenho três exemplos de pessoas que são diretamente afetadas pelo retrocesso que vem crescendo no Brasil em progressão geométrica.
Tenho, por exemplo, uma filha de quase 17 anos. No último ano do ensino médio, ela sonha em cursar psicologia. Tem, já na tenra idade em que se encontra, um elevado senso de humanidade que a faz se por no lugar do próximo. Amante de filosofia, sociologia e história, sofre, no entanto, o ataque a essas disciplinas pelo Estado brasileiro comandado por Michel Temer, que tenta transformar a educação brasileira em uma máquina de produzir mais e mais serviçais técnicos para o mercado e menos pensadores.
Em Sobral, a 230 km de distância de Fortaleza, onde vivo, mora meu outro filho, que tem apenas 3 anos de idade. Esse pequeno garoto tem a honra de poder estudar em um dos melhores colégios particulares da cidade, com mensalidades pagas com muito sacrifício meu e de sua mãe. Menino inteligente e esperto, em sua inocência, acredita na bondade das pessoas e sorri fácil. Daqui a pouco mais de uma dezena de anos, porém, acordará para a triste realidade de viver em um mundo desigual, em um país mais desigual ainda, dividido entre o individualismo (que, espero, ele não desenvolva) de livrar a sua própria pele do caos do Estado brasileiro e a responsabilidade (esta sim, meu desejo de pai) de ser um ator fundamental para o fim do retrocesso e a retomada de um esboço de democracia que chegamos a ensaiar.
Convivendo comigo, todos os dias, tenho hoje uma mulher adorável. Depois de sete anos afastada dos estudos para trabalhar e ajudar sua família, retornou aos livros e apostilas em busca de algo mais que empregos no comércio. Seu sonho é ser fotógrafa profissional (casando comigo, quem sabe, a união perfeita entre texto e imagem em trabalhos futuros). Sofre, todavia, desde setembro de 2016, o drama do desemprego e já deixou por aí inúmeros currículos seus, todos revelando a excelente profissional que sempre foi, por onde passou. Lá se vão seis meses fora do mercado de trabalho.
Agora, com a aprovação da terceirização sem limites, minha companheira de jornada vê seu futuro ainda mais sombrio, pois sabe que poderá ser admitida em um emprego sem qualquer garantia de direitos trabalhistas. Minha filha, por sua vez, se angustia na medida em que se aproxima do fim do ensino médio e dos portões da faculdade, agora não tão abertos quanto nos bons tempos de PROUNI e FIES dos governos petistas. Meu filhote, por fim, ainda sonha suas fantasias infantis e meu único desejo é que o tempo, para ele, demore um pouco mais a passar – para que, quando enfim termine a sua infância, este Brasil esteja liberto desses que lhe assaltam o dinheiro, a dignidade, a honra e a felicidade.
Assim como eu, inúmeros brasileiros e brasileiras sofrem, por si ou por seus mais queridos, pelo futuro sombrio que se descortina ante nossos olhos. Outros tantos, porém, permanecem inertes, por acharem que não é com eles.
Não se colocam esses individualistas no lugar, por exemplo, de Eduardo Guimarães. Eles poderão, amanhã, ser conduzidos, arbitrariamente, à polícia, como o blogueiro paulista, simplesmente por discordarem da ordem vigente.
São incapazes, esses egoístas, de se porem no lugar dos pedintes que, pouco a pouco, voltam a tomar as ruas brasileiras, pedindo trocados, vendendo salgadinhos no ônibus, buscando algumas migalhas de uma dignidade perdida. Poderão, os egoístas, amanhã, também terem de pedir ante à falta do básico para viver, por exemplo, de uma aposentadoria digna.
Foram capazes, os próceres da nova elite forjada pelo crescimento econômico dos governos petistas, de bater panelas e exigir a saída desses mesmos governantes, acusados de corruptos. Eis que veio o golpe e a verdadeira quadrilha tomou de assalto o poder e, pouco a pouco, elimina direitos, mutila sonhos, acinzenta nosso futuro. As panelas, porém, se calam, e seu silêncio ensurdecedor é a denúncia viva do câncer que nos mata, enquanto sociedade, pouco a pouco.
No último dia 15 de março, o povo foi às ruas pedir socorro. Mais de um milhão de brasileiros e brasileiras, em centenas de cidades, clamou pelo fim do retrocesso, avisou que uma greve geral se aproxima, deu o recado de que haverá resistência.
Já os próceres elitistas – devidamente representados agora por Temer e companhia – clamam para uma manifestação no próximo dia 26 de março para pedir o “fim do foro privilegiado”, “cadeia para os corruptos”, “apoio a Sérgio Moro” e até “intervenção militar”. Nada que indique qualquer apoio àqueles irmãos de pátria sem emprego, privados de seus sonhos, desrespeitados em sua dignidade.
É tempo de coragem. Não há como ficar em cima do muro. Por isso, aviso que os eventuais atos de 26 de março não me representam, não representam minha companheira e meus filhos, não representam milhões e milhões de trabalhadores cada vez mais explorados, massacrados e desvalorizados pelos capitalistas de plantão. São atos capitaneados pelos responsáveis diretos por estarmos nesse buraco sem fundo, cada vez mais escuro.
Os retrocessos de agora repercutirão por anos e anos, invadindo a fase adulta de minha filha adolescente e o início da adolescência de meu filho mais novo. Não se sabe por quanto tempo minha companheira estará sem emprego.
O Brasil, hoje, é um país faminto. De comida, de amor e de justiça social.
É preciso resistência. Se é para ir às ruas, vamos ao lado de gente do povo, de pessoas que usam as panelas para cozinhar e dar de comer a quem tem fome.
Esse é nosso verdadeiro papel enquanto brasileiros. Até que a energia do amor entre nós volte a prevalecer, até que a democracia se refaça, até que o povo seja o poder.
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