Sobre flores e ervas daninhas
Era uma vez um jardim, bastante espaçoso, que tinha flores de todo jeito. Cores vivas para alegrar o dia de quem ali pisava. Diversidade de aromas e de amores. Não tinha quem não se maravilhasse.
Tudo bem, tinha lá seus problemas. Vez em quando, surgiam umas ervas daninhas – o popular “mato” – para atrapalhar o brilho do jardim. Fora as intempéries do clima que, às vezes, faziam seus estragos. Nada, porém, que atrapalhasse o colorido do jardim, que, de tão encantador, atraía pessoas de outros recantos.
Era o alívio do estresse. Era o happy hour contínuo da natureza abençoada por Deus, desse país tropical.
Na pequena casa circundada pelo jardim, ouvia-se música de qualidade, como as letras cortantes e tocantes de Belchior, a nos dizer que viver é melhor que sonhar e que o amor é uma coisa boa.
A vida era tão boa, mas tão boa nesse jardim, que sua cuidadora, de tão confiante, começou a dormir mais do que devia, a acordar tarde, a cuidar menos das flores que ali moravam. Sem que se percebesse, a erva daninha cresceu e sufocou uma parte do jardim. Morriam as primeiras flores.
Quando as pessoas que ali passavam todo dia se deram conta, o colorido do jardim havia virado o monocromático das ervas daninhas. Era tão verde que parecia a camisa do Palmeiras (aquele time onde joga o Felipe Melo, o volante fã do Bolsonaro e que chamou os grevistas de 28 de abril de “vagabundos”).
Flores mortas, sufocadas, esta é a realidade atual do jardim, hoje tomado de mato. Os visitantes de antes não têm mais vontade de nele entrar. Em seu lugar, mercadores vendendo especiarias para fazer voltar as flores que murcharam ante a soberania repentina das ervas daninhas. Não se lixam para as flores, mas querem frutificar milhões e milhões em suas contas bancárias suíças.
Até que veio um homem, se apresentando como o salvador do jardim. Era meio Bolsonaro, meio Doria, meio Moro (vestia preto também), prometia dar um fim nas ervas daninhas e recuperar a credibilidade da outrora colorida plantação. A cuidadora do jardim, sem perspectiva, acreditou nas palavras daquele salvador, que, no entanto, apareceu no dia seguinte e cumpriu, em parte, a promessa. Pôs abaixo as ervas daninhas, mas, em seu lugar, só restou terra batida ao redor da casa onde nem Belchior tocava mais.
Ruas foram abertas, carros luxuosos passaram a fazer parte do visual daquela cuidadora de um jardim que não mais havia. Sua vida perdera o sentido e ela pôs a casa à venda. Um sujeito, meio Temer, meio Cunha, comprou a casa por uma ninharia e a derrubou. Prédios ocupariam seu lugar, rendendo muito, mas muito dinheiro.
Tempos depois, a ex-cuidadora do jardim passeava de bicicleta pelas ruas do local onde antes havia muitas flores coloridas. Viu, estacionado, um carro preto importado. No banco do carona, um homem que a cuidadora reconheceu como aquele que se apresentara como o salvador do jardim, mas que trouxe a destruição preparatória para o lucro de uns poucos. Era Doria, agora prefeito.
Num átimo de segundo, a cuidadora quis passar sua mensagem de protesto, mas de uma forma que só uma amante da vida poderia fazer. Sua arma era um girassol e sua voz. Levou-o a Doria, que, demonstrando ser erva daninha da política brasileira, arremessou o girassol ao chão, impiedoso, cruel, e partiu em disparada em seu carro luxuoso, rodeado de assessores.
A ciclista solitária viu o girassol ao chão e o apanhou. Deu meia volta e seguiu sua vida. Pensou em como poderia, em um espaço de tão poucos anos, um país tão florido estar tão cinzento… Perguntava-se: poderia o jardim um dia voltar a florescer, com diversidade de aromas e de amores?
Lamento informar: as ervas daninhas estão apenas começando a despontar em nosso país.
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