Shopping Iguatemi não oferece acessibilidade a cadeirantes em exposição
O texto desta semana terá rosto, cheiro e tudo o mais que quiserem de uma matéria noticiosa. Na verdade, será uma reflexão a partir de uma notícia denúncia. Vamos lá. Na tarde da última terça-feira, estive no Shopping Iguatemi e passei em frente à praça da loja Riachuelo. A primeira coisa que me chamou a atenção foram vários meninos jogando em computadores e vídeo games. Mais à frente, uma escultura enorme do Pokémon Charizard. Pessoas subiam nela para bater fotos. Confesso que, inicialmente, pensei ser uma exposição temática da série Game of Thrones, com os dragões da personagem Daenerys Targaryen. Enfim, segui meu caminho mais um pouco e, por instinto, verifiquei onde havia uma rampa para que eu pudesse ter acesso aos jogos de vídeo game. Não havia. Em seu lugar, somente duas áreas de acesso com três degraus em cada. Chamei uma jovem que atendia aos interessados e perguntei o que era aquilo. Ela me informou ser o Sana Preview 2017, um “evento de games, bonecos e monumentos geek”, de acordo com a fanpage do Shopping no facebook. Então, perguntei a ela qual a orientação do Iguatemi para que um cadeirante como eu pudesse ter acesso e ela disse: “nenhuma, mas podemos lhe carregar lá pra baixo”.
A jovem foi, extremamente, simpática e solícita, me dando, inclusive, um panfleto do evento que se realizará até o dia 16 próximo no Centro de Eventos. Afirmou que conseguiria homens fortes para me descer. Agradeci, guardei o panfleto e fui embora. Ao passar por ali uma segunda vez, tirei essas fotos. Na noite da terça-feira, enviei um email para o Departamento de Marketing do Shopping, pedindo explicações. Em outra área do Iguatemi, mais próximo ao Extra, encontramos outro espaço (praça, como eles chamam) dedicado às crianças, com brincadeiras, mocinhas para cuidarem delas, fraldário e venda de bichinhos de pelúcia e brinquedos. Um local que atrai os olhinhos curiosos dos pequenos, sem dúvida. Contudo, também não há rampas de acesso. Chegando em casa, denunciei o fato nos grupos de WhatsApp a que pertenço – do Sem Barreiras, da ANOI (Associação Nacional de Osteogênese Imperfeita), Amigos Cristal Nordeste – e em perfis de amigos. Também busquei na internet matérias sobre o assunto e encontrei uma do jornal Tribuna do Ceará, onde deixei um comentário fazendo a denúncia. O mesmo na fanpage do Shopping no facebook, a qual não obtive resposta. Interessante ressaltar que os comentários elogiosos tiveram, todos, resposta.
No grupo Amigos Cristal Nordeste, iniciou-se uma conversa bem interessante com duas outras pessoas, Denilson Sales e Jane. Logo, uma terceira, Célia Regina, se juntou a nós, todos com relatos de falta de acessibilidade no Iguatemi e em outros lugares. Jane, por exemplo, contou que, quinta-feira passada, 29.06, voltou da porta de uma consulta porque o “gênio do arquiteto fez uma rampa com um batente enorme”. Ela ressalta que telefonou antes para checar a acessibilidade e foi informada que havia. Esse é um problema muito comum. Pessoas afirmam ter acessibilidade sem saber o que estão dizendo. Acham que, por existir uma rampa, é suficiente, mas não é. A rampa precisa estar de acordo com o que rege a NBR 9050 da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), em termos de comprimento, angulação, etc. Denílson perguntou se existe norma que regulamenta essas coisas – rampas, portas e banheiros. Existe sim, a mencionada NBR 9050. Pode acessá-la aqui. A questão não é ausência de leis, mas seu cumprimento pelo Poder Público. Jane cita também a Beira Mar como outro local problemático de acesso para cadeirantes. “A Beira Mar é uma negação pela inexistência de rampas com rebaixamento”. Jane pede para baixar o Código de Obras e Posturas do Município. Pode baixá-lo aqui.
Célia Regina aponta outra questão pertinente, as cadeiras de rodas oferecidas pelos shoppings. Segundo ela, as cadeiras “são mais lentas que tartarugas”. Além disso, não haveria onde guardar nossas cadeiras com segurança. “Eles constroem expansão do Shopping, gastam muita grana e não se lembram de colocar uma sala para guardar as cadeiras”. Eu acrescento outro dado. Nós também somos consumidores e estamos sendo negligenciados, reiteradamente. O arquiteto e professor da Unifor, Napoleão Ferreira, que já foi vice-presidente do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), lembrou esse dado, em 2009, em entrevista concedida a mim e ao jornalista Fred Miranda, na Rádio Universitária. Ele falou que a situação mudaria quando o mercado se apercebesse que estava perdendo um público consumidor em potencial. “Nesse dia, vão criar acessos, rampas, portas mais largas, melhores estacionamentos”, afirmou. Disse também que a categoria, nós, deveríamos nos mobilizar para exigir essas melhorias. Aqui, entro em dois pontos essenciais: nossa invisibilidade e representação política. Em primeira coluna, tratei do primeiro tema, aqui, assim como a colunista Leandra Migotto, aqui (na próxima quarta-feira, 12, confiram o novo texto dela aqui). A sociedade não conhece as pessoas com deficiência, não nos vê, não nos entende e, consequentemente, não se lembra de nós em momentos como os citados nesse texto. Se nos lembramos dos deficientes somente quando há em nossas famílias ou muito próximos de nós, por que devemos esperar que sejamos lembrados na construção de uma reles exposição em um reles centro comercial? Porque somos cidadãos e isso é cidadania. Ah… falaremos disso mais adiante.
O outro ponto do parágrafo anterior é representação política. O companheiro Denilson Sales, do grupo Amigos Cristal Nordeste, sugere que eu me candidate a vereador e garante já ter vinte votos garantidos para mim. Por mais lisonjeira que seja essa proposta, agradeço e passo. Não tenho perfil para política, apesar de adorar o tema, e tampouco acho que essa seja a solução. O problema só irá desaparecer quando fizermos uma revolução social e educacional no país, que ensine as pessoas o que é cidadania (olha ela aí), quais são nossos direitos como povo, como cidadãos. Precisamos fazer nossas vozes serem ouvidas, nosso protesto chegar a quem de direito. Não estou defendendo uma passeata no Iguatemi ou um protesto em frente à exposição, mas usarmos os meios de que dispomos. Precisamos encher as redes sociais de textos denunciando esses abusos, fazer as pessoas que não conhecem e não acompanham nossos problemas ficarem sabendo. As redes sociais já se mostraram bastante úteis para esse fim. É como rastilho de pólvora. Eu me incluo nisso. Durante anos, optei por me calar, o caminho mais fácil. Sem Barreiras é, portanto, uma tentativa de me redimir. Usemos outros. Usemos o que dispomos.
PEÇO AOS AMIGOS QUE RESPONDAM À ENQUETE DE SEM BARREIRAS, CLICANDO AQUI. MUITO OBRIGADO.
P.S. Enviei o e-mail para o Departamento de Marketing do Shopping Iguatemi às 20:53hs de terça-feira passada e até o momento da publicação desse texto, às 15:40hs de sexta-feira, não obtive resposta. Caso queiram, podem enviar também suas mensagens para marketing@iguatemifortaleza.com.br
“É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência,
negligência e discriminação” (Art. 27, parágrafo único, da Lei Brasileira de Inclusão)
Sem nenhum comentário