Brasil, Enem e Direitos Humanos: civilização ou barbárie?
O Brasil dos últimos anos definitivamente não é um país para amadores. O nível de complexidade das questões e das polêmicas que têm sido levantadas pelos diversos setores da sociedade civil não estão sendo passíveis de serem resolvidas por explicações simplistas.
Tradicionalmente, nossa cultura política sempre optou em afastar-se dos extremos do espectro político, temos, como povo, uma tendência ao centro (isso não é juízo de valor)o que sempre nos colocou em uma condição de equilíbrio (isso também é passível de debate) diante de questões que fugissem à nossa zona de conforto em termos de pautas sociais.
Nosso racismo, eufemisticamente chamado de “democracia racial”, sempre esteve presente, mas em poucos momentos teve a coragem e o desplante de se fazer público. Nossa homofobia, sempre se escondeu nas entrelinhas “ingênuas” das piadas de bichinhas. E o apoio e condescendência a temas que representassem a degradação humana, não passava de pauta de seitas estúpidas com pouca ou nenhuma representatividade social.
Hoje, entretanto, essa realidade retratada nos parágrafos anteriores já não mais existe. Esta parcela da sociedade, que sempre existiu, mas nunca teve coragem de mostrar a cara, se empoderou. A possibilidade do anonimato das chamadas redes sociais fizeram o papel de criar o ambiente propício e o sentimento de que eles não estavam sozinhos, e realmente não estavam. O passo seguinte, foi se sentirem legitimados enquanto corrente de pensamento representativo de uma parcela da população brasileira. Essa gente, seja pela incapacidade intelectual ou pela impossibilidade de conviverem com o diferente, desqualificaram por completo qualquer possibilidade de um diálogo civilizado e respeitoso entre quem pensa diferente no Brasil.
Nesse momento, o país viu emergir o que tinha de pior em termos de degradação humana. Contou, para isso, com a cumplicidade de uma mídia oportunista e pragmática. O sucesso de programas como o detratável zoológico humano chamado de Big Brother Brasil diz muito sobre o que nos transformamos. Estamos em um vale tudo social sem regras, sem ética e sem princípios. Em nome de um moralismo cretino e pobre, exposição de artes e peças de teatro estão sofrendo a sanha inquisitorial dos que se sentem guardiões supremos da moralidade pública.
Na última semana tivemos mais um capítulo desse circo de horrores em que se transformou o Brasil. A Justiça Federal acatou o pedido de um grupo autointitulado Escola Sem Partido (outro sintoma explícito de nossa mediocridade atual) e suspendeu a regra do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que zera a redação dos candidatos que violarem os direitos humanos.
Um dos argumentos dos solicitantes se baseia tanto na “liberdade de expressão” quanto na “subjetividade” da interpretação dos avaliadores do que viria a ser direitos humanos, visto por eles apenas como um disfarce ideológico de esquerda. Veja a que ponto chegamos. Uma parcela da sociedade brasileira acredita que princípios universais acatados pelas mais importantes cortes internacionais e que servem de código de conduta dos cidadãos das mais variadas nações do mundo, são “apenas” disfarce ideológico de “esquerdopatas”. Esse é o país que temos, quando o mundo civilizado caminha a passos largos contra a barbárie, nós, voluntariamente, optamos por ela.
Transformamo-nos em um povo que entende que a apologia à tortura, à execução sumária (bandido bom é bandido morto) e à indireta incitação a violência decorrente e motivada por questões de natureza raciais, gênero, credo, e condição socioeconômica, são, simplesmente, ideologias inventadas ou fruto de uma profunda abstração.
Portanto, diante dessa decisão da Justiça, acatada pela Ministra do Supremo, só nos resta enxergar o lado cheio do copo. Que lições podemos tirar disso tudo. Entendo que, nesse caso, a coisa não é tão ruim como podemos pensar. Passemos a ter um olhar antropológico sobre essa gente e seu comportamento. É uma forma de mapeá-los melhor. Uma coisa é fato, eles existem e estão atuando. Faz parte da regra do que chamamos jogo democrático. O que não podemos é capitular diante de suas ofensivas nos utilizando apenas das armas da desconstrução ideológica. Isso não cola com eles. São obtusos suficientes para viverem imersos, por muito tempo, em suas mediocridades.
Portanto, só nos resta admitir que o Brasil, hoje, definitivamente, está dividido. Isso não significa, contudo, que o futuro do país esteja perdido. Somos um povo criativo e adaptável. Entendo esse momento como de transição, aprendizagem e crescimento enquanto povo. Temos que cortar na própria carne, e sermos confiantes e otimistas que podemos, enquanto povo, resgatar a civilidade diante da eminente barbárie.
* Texto de Eduardo Borges, Professor de História na UNEB/Campus XIV, publicado no Jornal GGN
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