Falando de relacionamentos
Estamos falando de como as pessoas com deficiência intelectual, em especial a Síndrome de Down, se relacionam amorosamente. Resumindo a questão de uma forma bem simplista, existe a vontade dos indivíduos por um lado e a resistência dos pais e responsáveis por outro. Como resolver essa questão?
Precisamos em primeiro lugar relembrar que a inserção das pessoas com SD na sociedade e sua autonomia vêm se ampliando a cada dia. São inúmeros os casos de jovens e adultos que estão trabalhando, fazendo cursos de nível superior, namorando, casando, constituindo famílias. Então é importante destacar que não estou criando possibilidades, os exemplos estão por aí, ao redor do mundo.
Podemos então partir do princípio que sim, é possível. Mas para um grande número de pais e responsáveis, essa realidade parece bem distante… “Como o meu filho vai namorar, se não tem amigos? Ele vive isolado na escola, os colegas de sua sala não têm interesse em manter amizade com alguém que não acompanha as sutilezas das brincadeiras e jogos adolescentes. Com quem ele vai se relacionar?”
Pode parecer óbvio para muitas famílias, mas talvez muitos pais ainda não tenham percebido a necessidade de criar oportunidades para que seus filhos mantenham relacionamentos saudáveis. Vou compartilhar um pouco com vocês o que tenho percebido em Fortaleza e o que pais e profissionais têm feito sobre o assunto.
Parto do princípio que o indivíduo com SD precisa se relacionar com pessoas com e sem deficiência. O entendimento da sociedade atual é favorável à inclusão em todos os ambientes, na escola, no trabalho, no lazer. Nesses ambientes acontece a aprendizagem dos ritos de relacionamento interpessoal, com seus limites e códigos. Importância semelhante tem a convivência com pessoas que tenham uma realidade semelhante, i.e., pessoas com deficiência e, especificamente, com a síndrome de Down.
Conviver com pessoas que enfrentam as mesmas dificuldades e que têm pontos de vista semelhantes facilita bastante a integração e empoderamento para vencer as barreiras que o mundo exterior apresenta. Os indivíduos se sentem fortalecidos, ficam à vontade para fazer gracejos, para discutir e até para paquerar. Fica mais fácil ousar, aprender, experimentar, quando o ambiente é favorável.
No Brasil defendemos que as PCD devem estar incluídas no ensino regular e, no contra turno, devem participar de atividades complementares, normalmente em instituições especializadas. Cumpridas essas preliminares, já asseguramos o convívio com o público em geral e com o público específico. O próximo passo é promover encontros fora desses ambientes.
Nossa experiência em Fortaleza tem sido, pelo menos, muito divertida! Pouco a pouco os pais com filhos que freqüentam diversas instituições foram se aproximando, se conhecendo, ampliando os contatos sociais entre si e entre os filhos. As estratégias foram as mais diversas: festas, passeios, encontros no shopping, etc. As redes sociais, entretanto, fizeram a grande diferença!
Não poderia deixar de citar o relevante papel que o Laboratório de Inclusão teve nessa empreitada; ligado à Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, Governo do Estado do Ceará, o Laboratório fez o que parecia óbvio: criou o Point Down, um grupo de jovens e adultos que se encontram nas redes sociais e nos eventos promovidos para esse fim. Sucesso absoluto!
O grupo do Point Down no WhatsApp, do qual eu e outros pais também fazemos parte, tem um ritmo alucinante! São dezenas de jovens participando ativamente, batendo papo, paquerando, brigando, tudo o que jovens e adultos de sua idade costumam fazer também nos seus grupos. Imaginem a felicidade de um indivíduo desses com um celular na mão, interagindo com seus amigos!
Vamos às dificuldades! “Mas o meu filho não sabe escrever… Que pena…” Isso não é problema para alguns jovens. De vez em quando aparecem publicações do tipo: “kdlskdwsss lwrrr” ou algo parecido. Sim, percebem, fazem o esforço da comunicação. E seguem evoluindo. Gravar áudios também tem sido um caminho rotineiramente adotado. Fácil de aprender e de usar, a tecnologia é cada vez mais acessível para as novas gerações…
Criadas as redes de relacionamento rotineiro, facilitados os encontros, o resultado logo apareceu: paqueras e namoros se multiplicaram. E sem barreiras, diferenças de idade não parecem ser relevantes para essa turma; assim como diferenças de poder econômico e culturais, pelo menos num primeiro momento. O importante é que esses jovens têm tido, cada vez mais, a oportunidade de se tornarem cidadãos plenos, de vivenciarem a tão importante e necessária experiência de um relacionamento afetivo.
Os dilemas não são muito diferentes dos relacionamentos entre pessoas sem deficiência. Tem uma música do Chico Buarque, Flor da Idade, que já explicava: “Carlos amava Dora, que amava Lia, que amava Léa, que amava Paulo, que amava…”. Nos relacionamentos entre a turma do Point Down já acontece um bocado de encontros e desencontros, namoros que acabam e recomeçam, roubo de namorada, tem de tudo! Com o apoio de pais e profissionais, sempre presentes, os relacionamentos vão acontecendo e se multiplicando. E a inclusão vai se ampliando…
Claro, existem problemas a serem solucionados. E quando o namoro fica sério? Como vai ser a autonomia de uma família com duas pessoas com SD? E se a família tiver uma pessoa com SD e a outra não? Complicou o cenário? Vou falar sobre isso na próxima coluna, já adiantando que no dia 30 de novembro entra em cartaz o “Cromossomo 21”, filme que aborda parte dessa questão. Ainda temos muitos assuntos para dissecar nesse tema, não é mesmo? Mande sua opinião, participe, conte sua experiência. E grato pela atenção!
1 Comentário
No meu pouco entendimento nessa área, acredito que a inclusão social é primordial é muito útil para todos . Nunca deixar a convivência com todos e tudo ,izoladamente.A sociabilidade e a base para eles .