Celebremos e honremos a professora Débora Seabra
No dia 13 de agosto de 2013, Sem Barreiras publicou a matéria Professora com Síndrome de Down lança livro de fábulas sobre inclusão, que você pode ler aqui. Em 09 de novembro de 2015, publicou a matéria Primeira professora com Síndrome de Down recebe prêmio de educação, aqui. Ambos os textos se referem à Débora Seabra, hoje com 36 anos, primeira educadora do país com Síndrome de Down, escritora e merecedora do Prêmio Darcy Ribeiro de Educação. Na última semana, Débora voltou a ser pauta da grande imprensa. Desta vez, porém, de forma negativa, mas não por sua culpa. Ela foi vítima de um ataque torpe e nojento de preconceito e mau caratice da desembargadora carioca Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça(?) do Rio de Janeiro. O ponto de interrogação é para vocês, leitores e leitoras desse texto. A douta juíza afirmou em uma postagem privada do facebook: “Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de Síndrome de Down!!! Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social… aí, me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que fui ali me matar e já volto, tá”? Que espécie de justiça essa pessoa é capaz de oferecer aos cidadãos?
Nesta segunda-feira (19), em carta publicada no facebook, Débora explicou àquela senhora o que ela ensina aos seus alunos. Começa com um tapa na cara com luva de pelica: “não quero bater boca com você”. Bravo, Débora, trate-a por você e não por sua excelência, o que ela, definitivamente, não é. Em seguida, explica o que costuma fazer no seu trabalho: estuda o planejamento, participa de reuniões, opina, conta histórias para crianças, ajuda nas atividades, vai ao parque com elas, as acompanha nas aulas de educação física, inglês e música e “mais um monte de coisa”. O segundo tapa com luva de pelica veio no terceiro parágrafo: “Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelos outros, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisar mais”. Pensando bem, não foi um tapa com luva de pelica. Foi um direto no queixo, com luvas de ferro. Respeitar os outros é um dos primeiros ensinamentos que todos nós recebemos de nossos pais, quando crianças. Respeitar os mais velhos, os professores, os irmãos, os tios, os primos. Aparentemente, os pais da senhora Marília Neves não fazem parte desse grupo. Dias antes, ela postou ofensas criminosas à vereadora Marielle Santos, barbaramente assassinada no Rio de Janeiro e, portanto, incapaz de se defender dos ataques e da calúnia da mulher de toga. Além de tudo, é covarde.
O Brasil atravessa uma fase de mediocridade social e intelectual assustadora. Todos os dias, vemos manifestações de grosseria, baixaria e torpeza gratuitas nas redes sociais. As chamadas minorias são os alvos mais óbvios – mulheres, negros, homossexuais e, agora, pessoas com deficiência. Fico imaginando o que se passou na cabeça dessa mulherzinha medíocre ao fazer esses comentários sobre Débora, alguém que ela jamais conheceu pessoalmente e de que nunca deve ter ouvido falar. De certo, o comentário não foi direcionado à Débora, mas sim, a todas as pessoas com deficiência intelectual que, para sua mentalidade pequena e preconceituosa, são incapazes de ensinar algo a alguém. De certo também, ela pensou que faria graça e muitos de sua laia iria rolar pelo chão de tanto rir. E isso é triste, pois vemos que ela não é um ser único, mas faz parte de uma malta de descerebrados que, se pudessem, talvez jogassem na fogueira todos aqueles que considerassem incapazes. Marília Castro Neves tem em torno de 50 anos de idade, não é mais nenhuma menina, e recebe um salário líquido de R$ 54.417,52, segundo o site do TJRJ. Não é nenhuma menininha e, tão pouco, tem dificuldades para se informar e adquirir cultura. Ao contrário, suas postagens nas redes sociais são recheadas de expressões ou manifestações racistas e contra qualquer pensamento de esquerda. No caso Marielle, em que divulgou ser casada com traficante e ter sido eleita pelo Comando Vermelho, “se defendeu”, dizendo ter se manifestado como cidadã e apenas “divulgado informações de uma amiga”.
A reação às agressões da socialite de toga já foi feita: duas ações contra ela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se vão prosperar, é outro assunto. Contudo, nossa reação aqui deve ser aprender com esse episódio e com as palavras de Débora: respeitar os outros e aceitar as diferenças. Sem isso, não há sociedade, não há humanidade. O mundo perdeu o cientista Stephen Hawking semana passada, aos 76 anos, e ele convivia com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA – clique aqui para saber mais sobre a doença) desde os 21 anos. Em 1985, se submeteu a uma traqueostomia e passou a usar um sintetizador de voz. Movimentava-se em uma cadeira de rodas e nada disso o impediu de ser uma das mentes mais brilhantes que a humanidade já produziu. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi um dos grandes artistas brasileiros do período colonial; Steve Wonder e Ray Charles, dois dos grandes cantores de todos os tempos são cegos e quantos mais poderiam entrar nessa lista? Pessoas com deficiência, como Débora Seabra, que não permitiram que suas limitações a mantivessem dentro de um quarto escuro, sentindo pena de si mesmos. Foram à rua, estudaram, aprenderam, se formaram e contribuíram para o engrandecimento da humanidade. Enquanto isso, pessoas medíocres fazem piadas de suas condições, engordam suas contas bancárias e soltam criminosos. Em 2014, Marília Castro Neves concedeu habbeas corpus ao chefão da “máfia dos ingressos”, Raymond Whelan, preso na Operação Jules Rimet. Ele fugiu do país, escapando de ser processado e preso em território brasileiro.
Nesta quarta-feira, 21, comemora-se o Dia Internacional da Síndrome de Down e daí porque estou antecipando minha coluna de sexta-feira. Curioso que Débora volte a ser assunto a poucos dias da data. Celebremos esse Dia em honra a todas as pessoas com Síndrome de Down e em repúdio a pessoas com deficiência de caráter. Débora merece nossas honras e nosso orgulho; Marília merece o esgoto da história.
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