Por que você quer fazer estágio?
Leitoras queridas e leitores queridos, é com grande alegria que a partir de hoje vou compartilhar – com exclusividade – trechos da autobiografia que irei lançar. Espero que fiquem com gostinho de quero mais…
Hoje, deficiência é vista como a diferença humana, que por suas singularidades, requer atenção às especificidades quanto à forma de comunicação, mobilidade, ritmos, estilos, e diversas maneiras de construir o conhecimento e os relacionamentos sociais. Mas este conceito levou muitos anos para ser construído, graças a força dos movimentos sociais da área.
Em 1997 eu estava à procura de um estágio. Mesmo sendo para cumprir a grade curricular e trabalhar dentro da própria faculdade. Precisava conseguir uma bolsa parcial de estudos para as despesas não pesarem tanto no bolso da minha família.
Bati na porta da coordenadora do setor de estágios e fui recebida com espanto. Creio que ela nunca tinha visto uma jovem como eu: 96cm, andando com dificuldades usando um par de muletas; carregando mochila nas costas e pasta nas mãos, como uma malabarista. Logo que cheguei ela me olhou de cima à baixo:
– O que você quer?
– Aqui é o Setor de Estágios da faculdade de comunicação?
– Sim. Mas o que você quer?
– O que todos os alunos procuram: um estágio.
Aquela mulher – três vezes mais alta do que eu – sentou em sua cadeira para entender melhor o que estava acontecendo. Senti muito receio nos olhos dela, que tentou disfarçar fazendo uma cara simpática, mas não conseguiu esconder a insegurança. Lembro que eu desatei a falar feito louca, como a tagarela que sempre fui. Falava, falava e falava…
As palavras saiam rápido da minha boca, mais ligeiras do que as minhas pernas cambaleantes e cansadas que caminharam da porta da faculdade. Atravessei a rua com o coração na mão e entrei no prédio em frente. E agora estava naquela sala com piso liso, um terror para quem usa muletas.
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– É que eu já estou no segundo ano da faculdade e preciso de um estágio.
– Querida, mas só os alunos do último ano precisam cumprir uma carga horária de estágio…
“Ah é? Mas eu QUERO já um estágio”, bradei internamente aos 22 anos de idade. Exatamente como uma menina de 5 anos, pedindo um chocolate. Sempre fui assim: autoritária, defeito ou característica que só descobri depois durante meus mais de 20 anos de análise psicológica. Acredito que tenha sido uma forma meio torta que encontrei para conseguir ser ouvida e vista em meio a tantas pessoas altas, fortes e seguras que esbarrei pela vida…
Logo depois deste desastroso encontro consegui o meu primeiro estágio, mesmo que um pouco ‘forçado’. E comecei a trabalhar em uma sala dentro do próprio setor de estágios, afinal, como e coordenadora havia dito, não tinham oportunidades na faculdade para alunos do segundo ano. Será mesmo…
Só depois descobri que existia uma rádio dentro do prédio bem onde eu estudava, e um jornalzinho da turma de comunicação também. E pasmem: alunos do primeiro ano faziam estágio lá, mesmo sem remuneração. Por que será então que aquela mulher não me indicou para juntar-me ao lado do demais estudante? A dúvida paira até hoje em minha mente… Preconceito, receio ou pura desinformação a respeito do potencial das pessoas com deficiência…
Acredito que tudo isso junto! Pois, a sala onde eu supostamente realizava um ‘estágio’ (em troca de um mero desconto de apenas 10% na alta mensalidade) ficava no segundo andar. Então, eu subia e descia os mais de 15 degraus todas as tardes, assim como fiz no primeiro semestre do curso de Comunicação Social, porque minha sala de aula também ficava no segundo andar.
Durante este período de estágio apenas 2 meses, minha ‘função’ era atender telefonemas (que nunca tocava, pois o ramal era desviado para a secretária da diretora), e ‘conferir’ uma lista de nomes de escolas do ensino médio para as quais a faculdade divulgava seus cursos.
Foi sem dúvida, uma fase da minha vida muito cansativa fisicamente, mas cheia de esperanças juvenis e sonhos de um dia trabalhar em uma redação de um jornal importante.
“O preconceito é tão sutil
Fere aos poucos
como agulhas de acupuntura
Um gesto que parece ‘ternura’
mas machuca
E inunda a alma”.
Pessoal, não esqueçam de conhecer a minha trajetória profissional em meus dois blogs: o Caleidosópio: https://leandramigottocerteza.blogspot.com/ e o Fantasias Caleidoscópicas: https://fantasiascaleidoscopicas.blogspot.com/
Perfil profissional: https://www.linkedin.com/pub/leandra-migotto-certeza/41/121/a
Vídeos: TV UNESP: https://youtu.be/-Nrr1kn-zWI
TV UNESP Programa Artefato: https://www.youtube.com/watch?v=OtwnqFchqmY&t=8s
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