Palhaço surdo leva espetáculos para surdos
A vida é feita de humor. E é preciso entender a piada para sorrir. Um pernambucano, radicado em Alagoas, tem utilizado a sua deficiência auditiva para levar alegria à população com surdez. Ele é um palhaço surdo. Palavras não são ditas em seus espetáculos, onde lideram mesmo são as mímicas, linguagem corporal e, é claro, a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Igor Andrade Rocha tem 31 anos. Ele não sabe porque é surdo. Já nasceu assim. Cresceu compreendendo o mundo por leitura labial, mas deixou o modo informal de se comunicar, quando, aos 17 anos, conheceu a Libras. O palhaço surdo, conhecido mesmo como Palhaço Surddy, só presenciou um espetáculo acessível pela primeira vez aos 27 anos, em Recife, onde havia um intérprete traduzindo as piadas.
Antes disso, ele conta que não entendia bem o que estava sendo transmitido nos palcos. A expressão corporal ajudava um pouco na compreensão. Foi pensando na dificuldade do público surdo em participar dos espetáculos, seja como protagonista ou espectador, que Igor Rocha, com ajuda de amigos, idealizou um projeto em que a prioridade é a acessibilidade.
Projeto Palhaço Surddy nasceu há três anos
Inspirado em importantes referências do cinema internacional, Igor Andrade Rocha se espelha em personagens como de Charlie Chaplin, Jim Carrey e Mr Bean. “Eles usam expressões facial e corporal que são importantes para mim. Esses artistas passaram a inspirar o trabalho do Surddy”, conta, acrescentando que sempre foi, naturalmente, brincalhão e que foi incentivado a investir no projeto por amigos e familiares.
Apesar de conhecer o teatro há cerca de 10 anos, os palcos fizeram parte de seu mundo profissional há três anos, quando, ganhou um nariz de palhaço da atriz pernambucana, Andreza Nóbrega, que trabalha com Artes Cênicas inclusivas. “Ele [nariz de palhaço] foi doado pela palhaça Giulia Cooper. Ganhar um nariz de palhaço significou que eu passaria a trabalhar de verdade, profissionalmente. E já faz três anos que eu sou palhaço Surddy”, expõe o artista.
O seu primeiro espetáculo se chamou “A Chegada”, dirigido por Andreza Nóbrega e as apresentações se iniciaram em maio de 2019, no Recife. A peça tem como pano de fundo a história do personagem e sua relação com o teatro.
“Em um palco escuro, um facho de luz ilumina os poucos elementos cênicos: uma mesa, uma cadeira, um vaso, uma flor. Surddy, o palhaço vivido pelo ator Igor Rocha, entra em cena com um cavalete e procura o melhor lugar para mostrar suas habilidades, mas se atrapalha a cada passo e, então, busca conforto na sua amiga Flor”, assim descreve o Itaú Cultural, um dos mais importantes programas de incentivo à cultura no Brasil, do qual, Igor Rocha foi agraciado.
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“O Surddy em “A chegada” é visual, temos o tradutor/intérprete de Libras, quando fazemos uma conversa com o público. Além disso, usamos os recursos estéticos de (iluminação, figurino, cenário, maquiagem)”, conta Igor Rocha. A peça possui ainda o elemento de audiodescrição para o público com deficiência visual.
“O projeto [A Chegada] foi uma oportunidade de me capacitar na área da palhaçaria. Eu tive uma equipe enorme, dentre eles Giulia Cooper, Rapha Santa Cruz e Marcelo Oliveira e a participação de pessoas da comunidade surda como consultores Cristiano Monteiro, Marcelo Pedrosa e Letícia Lima”, comenta.
“É claro que eu posso fazer teatro”
A afirmação de Igor Rocha responde às dúvidas de quem não acredita na sua capacidade de comunicação, artística e de humor. “As pessoas que me conhecem ficam felizes em ver o meu trabalho como palhaço ganhar espaço profissional. Acho que é uma possibilidade de outras pessoas surdas verem que é possível a comunidade surda ocupar estes espaços profissionais na arte”, afirma, referenciando o festival Clin d’Oeil, que acontece todos os anos em Paris e voltado inteiramente ao público surdo, do qual, Igor já visitou.
O seu público vai desde crianças ao adulto. É para todas as idades. E qualquer lugar pode ser um palco para o palhaço Surddy: das praças, ao teatro. “Eu gostaria de ajudar a sociedade a entender que a inclusão é possível. Que ela precisa acontecer de verdade, que pessoas ouvintes e surdas podem conviver e aprender juntas. No processo artístico de montagem do Surddy, podemos sentir isso”, finaliza.
* Matéria de Mariane Rodrigues, do site OP9 (aqui)
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