Mãe de criança surda faz campanha contra cantor Luciano
Já faz quase cinco meses que uma intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi retirada do palco durante um show da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano, no Maranhão, mas até agora a comunidade surda espera por um pedido de desculpas. Inconformada com a atitude discriminatória, a palestrante, ativista dos direitos humanos e estudante de Pedagogia e Libras, Gabriela Pereira, lançou uma campanha para conscientizar as pessoas sobre o que é o capacitismo e para pedir um pronunciamento dos artistas.
Gabriela é mãe do Benyamin Luiz, uma criança de 4 anos que tem surdez e Síndrome de Down, e está aprendendo a se comunicar por meio da Língua Brasileira de Sinais. A ligação tão próxima com uma pessoa com deficiência, aliada à sua própria história de vítima de preconceito racial, fez com que a estudante não se calasse diante da atitude de desrespeito à comunidade surda ocorrida no show. As canções do espetáculo, realizado em junho na cidade de Imperatriz (MA), deveriam ter contado com a tradução da intérprete de Libras até o final.
Vídeos gravados por fãs que estavam do show mostram o momento em que o cantor Luciano parece incomodado com alguma coisa, olha em direção à intérprete e vai para o fundo do palco por alguns instantes. “Ele deveria ficar feliz por ter esse público [comunidade surda], que mesmo não ouvindo o som, gosta da letra das músicas. Achei completamente absurdo por parte do Luciano, sendo ele uma pessoa que tem um irmão com deficiência física”, desabafa Gabriela. Wellington Camargo, irmão da dupla, teve poliomielite na infância e é cadeirante.
Nos dias seguintes ao evento, o episódio ganhou repercussão e a polêmica ocupou o centro de debates em programas de entretenimento e sites de celebridades, com opiniões que reforçaram ainda mais o preconceito, como aponta Gabriela. No texto do abaixo-assinado aberto na plataforma Change.org, a palestrante chama a atenção para comentários que o apresentador Décio Piccinini, do programa Fofocalizando, exibido pelo SBT, fez sobre o caso.
Décio afirmou que o show era de uma dupla, não de um trio, e que não deveria haver ninguém “fazendo o que quer que seja para tirar a atenção do artista no palco”, em seguida, respondendo a ponderações dos colegas, disse que “não interessa se é norma ou não é norma [do Governo do Maranhão]”. Para a mãe do Beny, as falas do apresentador reforçam o capacitismo, que é o preconceito social contra pessoas com deficiência — discriminação condenada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015).
“Ambos são pessoas públicas, que influenciam o pensamento, influenciam pessoas, e terem esse tipo de comentário, de comportamento, é inadmissível. Na hora que eu vi aquilo na TV, eu fiquei completamente enfurecida”, lembra Gabriela. “Em sua fala, o Décio demonstra que não tem nenhum tipo de entendimento e compreensão em relação à acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência”, acrescenta a palestrante e estudante de Libras.
Campanha por respeito à comunidade surda
Até o momento, Gabriela coletou 72,8 mil assinaturas em seu abaixo-assinado. Ela espera que, tanto o cantor quanto o apresentador, se pronunciem. “Setenta e três mil pessoas assinaram a petição pedindo um esclarecimento”, diz. “Só de eu ter conseguido alcançar 73 mil pessoas e conscientizá-las a respeito desse capacitismo que aconteceu dentro do nosso país, eu já fico feliz, não só pelo meu filho, mas por toda a comunidade surda, amigos e pessoas que trabalham na área como intérpretes e voltadas à inclusão, que têm meu total respeito”.
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Durante a mobilização, Gabriela foi contatada por um estudante de Libras da cidade de Alvorada (RS), que decidiu fortalecer a luta contra a discriminação de pessoas com deficiência registrando um boletim de ocorrência para denunciar as falas do apresentador do SBT. Além disso, o Ministério Público também foi acionado a tomar providências quanto à infração da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que garante condições de igualdade, incluindo o direito ao lazer às pessoas com deficiência.
A equipe da Change.org contatou, por e-mail e WhatsApp, a assessoria de comunicação da dupla sertaneja para obter um posicionamento sobre o episódio e a campanha, porém, até o fechamento desta matéria não recebeu respostas.
Na época do ocorrido, a assessoria negou a outros veículos de imprensa que o cantor tivesse retirado a intérprete do palco, afirmando que um dos produtores tinha pedido para ela se reposicionar e que Luciano Camargo sequer tinha tomado conhecimento da solicitação. Gabriela, entretanto, segue esperando por um posicionamento do próprio cantor que ao menos esclareça as informações, como uma demonstração de respeito à comunidade surda.
“A gente vê uma total falta de respeito mesmo, porque se eles viram que isso ofendeu, magoou e contribuiu para um tipo de preconceito, deveriam ter se posicionado”, completa a mãe do Beny, que mora na cidade de Sorocaba, no interior de São Paulo, e mantém um perfil no Instagram contando a história de superação de seu filho.
Este é o segundo abaixo-assinado que Gabriela abre na plataforma Change.org. Ela foi autora de uma campanha que mobilizou apoio para que seu filho, que nasceu com um problema cardíaco grave, conseguisse realizar uma cirurgia. A petição reuniu mais de 256 mil assinaturas e o pequeno Beny conseguiu passar pelo procedimento que salvou sua vida.
Recentemente, a Change.org também hospedou outra campanha que defendia o direito a acessibilidade. Uma mãe, com surdez e filhas ouvintes, conseguiu pressionar duas redes de cinema a disponibilizarem equipamentos com recursos de acessibilidade para que as crianças pudessem desfrutar do lazer ao seu lado. A petição foi vitoriosa com 152 mil apoios.
* Matéria do site Catraca Livre
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