Em 2020, retrocessos na Educação Inclusiva não passarão!

22/02/2020 Artigos, Deficiência Física, Leandra Migotto, Notícias 0
Leandra está com 6 anos sentada no escorregador da pré-escola Jardinzinho de Santana. Ao seu lado está a professora da sua turma. Leandra está sorrindo e muito feliz por conseguir brincar junto com todas as crianças. Ela veste o uniforme da escola (camiseta branca com desenho de uma menina e um menino, e calça azul marinho com listas) e suas botas ortopédicas de couro especiais que a ajudam a caminhar. Leandra tem os olhos e cabelos castanhos claros.

Leandra, aos seis anos, brincando com sua professora no escorregador da pré-escola Jardinzinho de Santana.

Em 1982, eu consegui cursar o então chamado pré-primário em meio às delícias da infância. Comi muita areia, brinquei de pega-pega, pula corda, cantei cantigas de roda, visitei parques, fiz desenhos, aprontei com massinha de modelar, subi em trepa-trepa, brinquei de roda, aprendi a ler e escrever. Aos cinco anos, dava um jeito de participar de tudo junto com crianças sem deficiência. Foi uma das fases escolares mais gratificantes e proveitosas da minha vida.

Como minhas pernas ainda não tinham forças para agüentar meu corpo, usava o bumbum e corria pelo pátio junto com os amigos. Sabia que para fazer algumas coisas precisava de ajuda, como subir em uma cadeira ou escada, pegar um livro na estante, ir às excursões… Mas nunca deixei de ser e estar na escola! Naquela época, os meus familiares conheciam os diretores de uma escola particular de bairro, e explicaram que eu não seria uma aluna que, segundo o preconceito da época, traria ‘problemas’ aos outros colegas, professores ou pais.

Porém, em 1984, devido ao descaso dos governos e da sociedade, as escolas, em sua maioria usava o modelo assistencialista, por isso, aos seis anos de idade, já alfabetizada, eu vivi a triste experiência de ser segregada a uma escola dita ‘especial’. Pois, após diversas tentativas de minha mãe em me matricular na antiga primeira série, em um colégio com alunos sem e com deficiência, cursei dois anos em um grande colégio estadual (localizado na Av. Paulista) conveniado a uma das maiores associações de reabilitação que na época só aceitava o modelo de educação excludente.

Éramos considerados ‘coitadinhos’ que mereciam ‘cuidado especial’, mas fora do convívio com as outras pessoas. Não éramos vistos como cidadãos, com direitos e deveres, por isso, acabei indo parar dentro de uma verdadeira jaula!

Havia uma grade que separava as duas classes especiais (com alunos com deficiência) de todas as outras salas de aula do colégio. Tínhamos que tomar lanche também em um pátio separado. Parecia que iríamos transmitir alguma doença contagiosa ou ‘aterrorizar’ as outras crianças com a nossa aparência diferenciada.

Para tentar fugir desta segregação discriminatória, e como era muito complicado para uma menina de sete anos como eu, ser ignorada e ter de pedir, por favor, para ser vista pelo mundo; sempre que possível, eu dava uma fugida e passeava pelos corredores do colégio no colo das “tias”. Elas me levavam de volta ao sonho do qual despertará: o convívio com todas as crianças.

Não que eu não me sentisse bem perto dos meus amigos com alguma deficiência, pois, desde os três anos, estava no meio deles, nas sessões de fisioterapia e hidroterapia em uma instituição especializada. Mas, não entendia porque tinha que me manter escondida dos outros sem deficiência!

Naquela época, exatamente assim como eu que não compreendia porque era completamente segregada do convívio com os demais alunos da escola em que eu estudava; hoje mais de 86% da sociedade constataram que as escolas se tornam melhores quando incluem alunos em situação de deficiência e não quando os mantêm afastados! Foi o que revelou a pesquisa de julho de 2019, realizada pelo Instituto Datafolha, e encomendada pelo Instituto Alana.

Além disso, 76% afirmaram que os alunos com deficiência aprendem mais ao lado de crianças e jovens sem deficiência. Outra informação relevante trazida pela pesquisa que entrevistou 2.074 pessoas, em 130 municípios, é que a população brasileira já deixou de acreditar em um grande mito sobre o tema: 68% disseram ser contrários à afirmação de que a criança e o jovem com deficiência em sala atrasam o aprendizado das sem deficiência.

Os mesmos benefícios da Educação Inclusiva também já foram constatados em outra pesquisa em dezembro de 2014, coordenada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Universidade Estadual de Campinas.

Nesta pesquisa 81,18% dos entrevistados responderam que indicariam a matrícula na escola comum aos pais de crianças com deficiência; e 89,14% comprovaram ganhos na vida dos profissionais da educação, dos pais e estudantes que vivenciam o amplo e enriquecedor processo de inclusão.

Então porque o Governo Federal insiste em implantar políticas retrógradas, inconstitucionais e que contrariam os próprios dados do Ministério da Educação que em 2019, constatou o aumento foi de 5,9% nas matrículas de alunos com deficiência (física, auditiva, visual, intelectual, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades (superdotação)?

Será que os governantes ignoram completamente os dados do Censo Escolar do Ministério da Educação, em que o percentual de alunos de 4 a 17 anos que estão incluídos em classes comuns da rede de ensino regular, já havia passado de 58 mil em 2014 para 116 mil em 2018, totalizando 1,2 milhão de estudantes nas três etapas do ciclo básico?

Eu creio que os governantes não apenas ignoram estes dados, assim como todos os benefícios que a Educação Inclusiva traz ao Brasil! Pois, segundo o Projeto de Lei N° 3803, de julho de 2019, a medida promove alterações que autorizam a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) não apenas desmontar a Educação Inclusiva existente, como substituir a atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) por uma Política Nacional de Educação Especial, que reserva aos estudantes ‘mais comprometidos’ (segundo critérios do governo sem qualquer embasamento científico), somente as classes das escolas especiais, completamente segregados dos demais alunos.

Segundo, Meire Cavalcante, pesquisadora da Faculdade de Educação e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Secadi foi extinta assim que Bolsonaro tomou posse, só que a equipe que estava no governo Temer foi mantida para dar continuidade ao projeto de desmonte da educação inclusiva, que teve início em 2018, quando foram selecionadas apenas as entidades que defendem a exclusão de alunos com deficiência das escolas regulares para participar de uma reunião convocada pelo Ministério da Educação para debater a questão.

Desde 2008, quando a PNEEPEI foi implementada e as escolas públicas passaram a incluir os alunos com deficiências nas salas de aula, além de receber a verba regular e constitucional do Fundeb, o governo também investe recursos do fundo para garantir o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE), com profissionais capacitados no atendimento à pessoa com deficiência, mas no sentido de complementação do papel da escola.

A inclusão escolar de pessoas com deficiência hoje é um fato, porque a educação especial deixou de ser uma modalidade substitutiva do ensino comum para pessoas com deficiência, tornando-se uma modalidade transversal complementar e suplementar da formação do aluno com deficiência.

Por isso, segundo Meire, o sucesso da PNEEPEI incomodou muito, porque muitas entidades (que defendem a segregação de seres humanos em classes e escolas especiais) passaram a perder matrículas com dinheiro público porque a escola ao lado da casa da criança (que é o que está previsto na Constituição) passou a ofertar, não só a escolarização, mas também o apoio especializado necessário (o AEE), que somente elas ofereciam antes.

A Educação Inclusiva é irreversível porque alcança resultados significativos

Pesquisas no Brasil e no mundo têm demonstrado que a inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares amplia o desenvolvimento e as potencialidades de todos os estudantes. Foi-se o tempo em que ter uma pessoa com deficiência intelectual na família era sinônimo de aulas e escolas ditas “especiais”. Claro que elas precisam de tratamento e acompanhamento especializado e individualizado, mas isso não significa que devam ser afastadas de ambientes como a sala de aula de escolas regulares.

A própria Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo, hoje Instituto Jô Clemente, lançou este ano uma pesquisa que reforça essas conclusões. O Instituto acompanhou o desenvolvimento de 109 estudantes com deficiência intelectual leve e moderada desde 2012. Um grupo de estudantes foi matriculado em escolas regulares, com atendimento escolar especializado no contraturno. Outro grupo, por decisão dos pais, permaneceu em escolas especiais.

Os estudantes com deficiência que frequentaram escolas regulares tiveram desenvolvimento superior em todas as áreas analisadas. E também apresentaram avanços significativos em termos de autonomia, independência, relacionamento interpessoal, postura de estudante e comunicação receptiva e expressiva. Além disso, 44 alunos foram encaminhados para inclusão profissional, após terminarem os estudos.

Roseli Olher, supervisora do Atendimento Educacional Especializado do Instituto Jô Clemente, explica os bons resultados da pesquisa: “Fomos percebendo a diferença de comportamento dos alunos. As pessoas que frequentavam a escola especial e passaram a frequentar o ensino comum se tornaram mais independentes, melhoraram a autoestima e comunicação porque mesmo os que não tinham a verbal, de alguma forma, eles conseguiram desenvolver, mudaram de postura. Porém, os familiares ficaram receosas e preocupadas, porque os filhos passaram a vida toda em um espaço protegido. Então, não sabiam o que seria do filho em um ambiente em que não teriam mais aquele cuidado. Só que foi surpreendente para todos nós! Eles conseguiram se desenvolver, mostrar os desejos e inquietudes. E passaram a ser ouvidos, o que é o principal”.

Roseli também explicou que o Atendimento Educacional Especializado não é substitutivo à escolarização comum, ele é um atendimento de apoio. “Os alunos vêm no Instituto duas vezes por semana, e passam por atendimento com os pedagogos. E parte do trabalho dos profissionais é a visita às escolas comuns. E essa interlocução entre os dois professores é primordial. Pensamos juntos em estratégias que atendam às necessidades dos alunos. Porque o objetivo do AEE é quebrar barreiras que impedem que eles se desenvolvam e esse acompanhamento sozinho não se firma, ele precisa do apoio familiar e das escolas. Trabalhamos nesse tripé: atendimento ao aluno, apoio à família e orientação às escolas”.

Crimes contra a Educação Inclusiva ainda são recorrentes!

Em janeiro deste ano depois de se negar a matricular um aluno de 19 anos, com uma síndrome, o Colégio Adventista Jardim dos Estados foi multado pelo Procon em Campo Grande. A instituição de ensino descumpriu normas de relação de consumo, previstas em lei e na Constituição Federal.

A mãe contou que foi ao colégio a pedido do filho para fazer a matrícula. O rapaz de 19 anos tem a síndrome de DiGeorge, que causa um leve atraso no desenvolvimento. Na recepção, Keyla disse ter sido muito bem atendida, e inclusive foi informada de que havia vagas para o ano que ela buscava, qual apostila era utilizada e valores, mas ao passar pelo coordenador, o tratamento mudou.

O coordenador disse: “Não temos vaga para o seu filho, seu filho é um laudado e, para laudados não temos vagas disponíveis”. Sem entender, ela pediu explicações acerca do “laudado” e afirmou indignada: “Ninguém nunca se referiu ao meu filho dessa forma e ele me disse que eram duas vagas para laudados e que nunca estavam disponíveis”.

O Procon explica que cabe ao órgão fiscalizar e buscar quaisquer irregularidades que violem os direitos do consumidor. Conforme exposto no Art 8° da Lei 7.853/89, que, constitui crime punível com reclusão, recusar a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.

Brasil tem ampla legislação que defende a Educação Inclusiva

Conforme o artigo 205 da Constituição Federal do país, a educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania e preparo para o trabalho. Por que então, seria diferente em relação às pessoas com deficiência?

Até o fim da década de 1990, pessoas com deficiência intelectual frequentavam ambientes específicos e segregados. Em meados daquela década, a Unesco promoveu a Declaração Internacional de Salamanca. Esta, que teve o Brasil entre os países signatários, é o ponto de partida para o entendimento de que as escolas regulares com orientação inclusiva são o melhor caminho para a redução da discriminação, o melhor acolhimento e desenvolvimento de crianças com ou sem deficiência.

O Brasil aprovou uma legislação avançada na área da educação inclusiva, com orientações que compreendem desde questões curriculares até a necessidade de adaptação dos ambientes escolares, tecnologia assistiva para apoiar a aprendizagem dos alunos, a previsão de um atendimento escolar especializado no contraturno escolar e outras medidas.

Hoje a educação é um direito fundamental da pessoa com deficiência, em todos os níveis de aprendizado ao longo da vida. A Constituição Federal também determina atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, realizado preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208), tanto na rede pública quanto na particular.

Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a Lei Federal de Acessibilidade (N° 10.098/2000); e o Decreto N° 7611/2011 devem ser seguidos pelo Conselho Nacional de Educação, com vistas a garantir todas as condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem a todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros, desde a educação infantil, passando pela educação básica, ensino técnico e superior, chegando aos mais elevados níveis de escolarização e de ensino.

Afinal, o compromisso assumido pelo Brasil foi universalizar o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, a crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência (física, auditiva, visual, múltipla, sudocegueira, intelectual, mental, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades) até 2024.

Pessoal, não esqueçam de conhecer a minha trajetória profissional em meus dois blogs: o Caleidosópiohttps://leandramigottocerteza.blogspot.com/ e o Fantasias Caleidoscópicashttps://fantasiascaleidoscopicas.blogspot.com/

Perfil profissionalhttps://www.linkedin.com/pub/leandra-migotto-certeza/41/121/a

Vídeos: TV UNESPhttps://youtu.be/-Nrr1kn-zWI

TV UNESP Programa Artefatohttps://www.youtube.com/watch?v=OtwnqFchqmY&t=8s

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