Não posso ser excluída do Dia Internacional das Mulheres
Neste 08 de Março – Dia Internacional das Mulheres eu me questionei porque tantas pessoas, e em especial, as mulheres, ainda não inclui de fato, verdadeiramente e integralmente, as mulheres com deficiência em todos os movimentos sociais de luta pelos direito das mulheres! Será que elas pensam que só por ter uma deficiência, eu deveria fazer parte exclusivamente dos movimentos sociais pelos direitos das pessoas com deficiência? Será que elas pensam que quando se referem às mulheres com deficiência, não estão falando também com mulheres?
Mas afinal de quem estamos falando quando nos referimos às pessoas com deficiência? Estamos falando de nós em sua totalidade! Somente seres extraterrestres não podem adquirir ou nascer com uma condição de deficiência. Seres humanos de qualquer raça, etnia, gênero, orientação sexual, idade, nacionalidade, e condição social e econômica, podem vivenciar a condição de deficiência. Portanto, as pessoas com deficiência não são um grupo de estranhos a nós! Não vivem isolados em uma ilha deserta, não vieram de outro Planeta.
Segundo o Censo do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2010 no Brasil, 24% da população são pessoas com deficiência. São 46 milhões de pessoas! E segundo dados da Organização das Nações Unidas, mais de 11% da população mundial (um bilhão de pessoas) possui alguma deficiência, adquirida ou congênita: física (motoras e outras); intelectual (que inclui espectros do autismo e outras como a Síndrome de Down); mental (problemas psíquicos); visual (cegueira, baixa visão entre outras); auditiva (surdez, dificuldade de ouvir, entre outras); surdocegueira (deficiência única que compromete audição e visão); e múltipla (duas ou mais deficiências juntas).
As pessoas com deficiência não são mais aquelas que ficam separadas em instituições de caridade (apesar de ainda existirem muitas pessoas nestas terríveis condições de isolamento). As pessoas com deficiência não são mais aquelas que você só ajuda com uma esmola uma vez por ano nas campanhas assistencialistas (apesar de ainda existirem associações que agem desta maneira). Após séculos de lutas por Direitos Humanos, quem tem condição de deficiência hoje conseguem finalmente, assumir sua condição de seres humanos, exatamente iguais às pessoas que não possuem a condição de deficiência.
Portanto, quem tem condição de deficiência é uma pessoa! E como toda pessoa, tem um nome, e somente por ele deve ser chamada. Eu sou uma escritora e jornalista. Eu tenho um nome e sou uma pessoa e uma cidadã. Eu não sou um objeto! Não sou uma coisa! E não sou apenas um número, uma categoria, uma estatística, um segmento da população. Também não sou uma minoria, e não preciso ser incluída na sociedade porque já faço parte dela, mesmo que eu ainda seja constantemente discriminada, e passe por situações de preconceito diariamente.
Eu me chamo Leandra Migotto Certeza, e prefiro ser chamada pelo meu apelido Lê. Não sou a “menina que tem aquela deficiência rara e grave”. Não sou: “a cadeirante”. Não sou a “mulher maravilha que supera tudo na vida”. Não sou: “aquela coitadinha que você precisa ajudar”. Eu não aceito quando um veículo de comunicação, um órgão público, uma escola, uma empresa, ou outra pessoa na rua, por exemplo, simplesmente, me identifiquem pela minha deficiência ou a coloque em primeiro lugar! Mas eu não escondo a minha deficiência, porque ela faz parte do meu corpo!
Eu sou uma mulher com defeitos e qualidades, potencial e dificuldades. Ter uma condição de deficiência desde que nasci, é só mais uma das minhas características, como ter olhos e cabelos castanhos; ser vaidosa, perfeccionista, generosa, autoritária e exigente; gostar de cinema, chocolate, sexo, exposições de arte, entre outras coisas.
Eu não nasci doente, eu fico doente. Eu não sou incapaz, eu tenho uma deficiência que me impossibilita de realizar algumas coisas sim; e me dificulta bastante para fazer outras. Mas eu consigo realizar diversas coisas na vida. Exatamente como todas as pessoas sem alguma condição de deficiência.
Mas é claro que devido às dificuldades que a minha deficiência me impõe, eu necessito de condições de acessibilidade na sociedade em que vivo desde 1977. E justamente para conseguir lutar contra gigantescas situações de discriminação diárias que as pessoas com deficiência ainda passam no mundo, que se fez necessário que movimentos sociais e os órgãos de defesa dos Direitos Humanos fossem criados.
E para ganharem força entre os grupos de pessoas que também ainda enfrentam – com garra e coragem – situações de discriminação, preconceito, violência, segregação, e morte; como: mulheres, negros, LBGTQI+, obesos, idosos, migrantes, imigrantes, ciganos, indígenas, quilombolas, entre outros, as pessoas com deficiência possuem uma terminologia de identidade social.
E qual é a terminologia correta para se referir a quem tem uma condição de deficiência?
O termo: Pessoas com Deficiência é o ÚNICO que deve ser empregado HOJE, pois tem os seguintes valores agregados: empoderamento, que é o uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação; e a responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem deficiência.
Não se usa mais os seguintes termos: Portadores de deficiência (afinal a condição de deficiência não é um guarda chuva para se colocada e retirada); Pessoa com necessidades especiais (afinal, todas as pessoas com deficiência ou não podem ou não ser especiais); Portadores de necessidades especiais (a errônea união de duas expressões ultrapassadas); E(d)eficientes (expressão que evidencia de forma discriminatória que todas as pessoas com deficiência nascem obrigatoriamente eficientes, portanto, são desumanizadas); Deficientes (expressão que usada sozinha é pejorativa e excludente por classificar quem tem deficiência, como um grupo a parte da sociedade que tem a sua condição de deficiência enfatizada em relação a sua humanidade).
Ao escrever meus textos, também prefiro sempre usar os termos pessoa com deficiência física, ao invés de deficiente físico; pessoa com deficiência auditiva e/ou com surdez, ao invés de surdo (apesar da comunidade surda admitir que a nomenclatura surda pode ser usada); pessoa com deficiência visual e/ou com cegueira, ao invés de pessoa cega (apesar da maioria das pessoas com cegueira também afirmarem que está correta a terminologia pessoas cegas, ou só cego ou cega).
Outro termo que eu não concordo é a expressão ‘cadeirante’ para se referir às pessoas com deficiência física que usam cadeira de rodas para se locomover. Acredito que assim como uma pessoa negra e/ou homossexual, prefere não reduzir a sua condição humana a um único fator que enfatize sua etnia, raça, orientação sexual; a pessoa com deficiência também não se sente confortável em vê-la como um objeto que tem na cadeira de rodas um estigma. Além disso, não me refiro às pessoas que não tem deficiência, como ‘andantes’, ou ‘videntes’. Porém, respeito completamente todos os grupos de pessoas com deficiência física, visual ou auditiva que se identificam com os referidos termos.
Para saber o que eu penso sobre mulheres com deficiência, feminismos e outros temas, leiam minha outra coluna neste portal:
https://azmina.com.br/coluna/leandra-migotto-certeza/
E eu também recomendo este artigo bem interessante sobre a questão das nomenclaturas corretas:
https://valeriacg.jusbrasil.com.br/artigos/568078977/pessoa-com-deficiencia-a-adequada-utilizacao-da-nomenclatura-tambem-e-uma-maneira-de-combater-preconceitos
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