Estudante produz HQ sinalizada de esporte para atletas surdos
A história de dois atletas surdos que se encontram a caminho da Surdolimpíada e descobrem que vão disputar a mesma modalidade é a narrativa contada pela história em quadrinhos bilíngue do projeto HQ’s sinalizadas.
Produzida pelo universitário Addyson Celestino da Silva Campos, aluno do curso de Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e orientada pelos professores Kelly Priscilla Lóddo Cezar e Clovis Batista de Souza, ambos do curso de Letras Libras, a obra apresenta a história de três formas: na Língua Brasileira de Sinais (Libras), na Língua Portuguesa e em desenho, permitindo que pessoas surdas e ouvintes tenham acesso.
O autor conta que a ideia surgiu quando cursou a disciplina de Libras, ministrada por Kelly e Souza. Apesar de não ser surdo, ele se interessou pelo assunto a partir de uma situação que vivenciou na igreja que frequenta em que, após uma palestra incentivando a inclusão social, o público se dividiu: surdos para um lado, ouvintes para outro. “Naquele momento eu me deparei com uma situação diferente da que tinha sido pregada. No mesmo período, abriram vagas para a disciplina de Libras na Educação Física e vi nisso uma oportunidade de me aproximar dessa comunidade”, relembra.
Provocado a pensar em maneiras de levar o conhecimento de sua área a outras pessoas, ele se aprofundou no estudo de artefatos culturais da comunidade surda e descobriu a surdolimpíada, evento multidesportivo internacional organizado para atletas surdos. Assim, Campos uniu seu talento para o esporte e para o desenho e construiu a narrativa ‘Surdolimpíadas: encontros linguísticos‘.
“A Surdolimpíada é um evento grandioso, mas não é muito conhecida no Brasil. Por isso quis divulgá-la, pois ela envolve áreas do saber e da cultura surda que estão conectadas pela linguagem corporal dos jogos e pelos encontros linguísticos que esses eventos promovem”, revela.
A história
Júlia e Júlio são personagens inspirados em indivíduos reais da comunidade. Os dois se encontram a caminho da Surdolimpíada e descobrem que vão disputar a mesma modalidade esportiva, a orientação, mas em áreas diferentes. No esporte, o atleta deve percorrer lugares desconhecidos no solo, em montanhas, em rios, entre outros terrenos, no menor tempo que conseguir. Para isso, ele conta com a ajuda de um mapa e de uma bússola. Júlia disputa na área da cidade, enquanto Júlio corre pela mata.
Para narrar essa história, a HQ utiliza imagens e outros recursos para explicar as regras da orientação como uma modalidade desportiva e para mostrar que, por meio do esporte, existe a possibilidade de promover encontros linguísticos. A história também demonstra que atletas surdos podem participar dessa e de outras modalidades olímpicas e que adaptações podem ser feitas para a participação dessa comunidade em esportes populares.
De acordo com o revisor da obra e professor do curso Letras Libras, Danilo da Silva Knapik, essa história em quadrinhos bilíngue aborda a importância da igualdade e da inclusão social em questões esportivas. “Apresenta também o respeito à cultura e à identidade surda e as diferenças e adequações necessárias para garantir a acessibilidade linguística e viabilizar a participação dos surdos em diferentes lugares, mostrando sempre que eles são capazes”.
Inclusão
No futuro, o autor pretende trabalhar a inclusão da comunidade surda no esporte. “Precisamos fazer um trabalho social efetivo, unindo ouvintes com pessoas surdas, incluindo a comunidade surda em todas as áreas da sociedade e quebrando esse paradigma de segregação em que surdos ficam de um lado e ouvintes de outro”, destaca Campos.
“Aceitar, valorizar, reconhecer e respeitar os discursos inclusivos têm contribuído para que as línguas de sinais não se tornem restritas à comunidade surda e a seus professores, mas alcancem também ouvintes que desejem aprendê-las e conhecê-las como qualquer outra língua”, enfatiza a professora Kelly que coordena o projeto de pesquisa institucional vinculado ao curso de licenciatura em Letras Libras e ao grupo de pesquisa “Formação de Professores em Línguas Estrangeiras”, que promove debates com o intuito de fomentar reflexões acerca da elaboração de materiais bilíngues e plurilíngues para surdos a fim de promover a acessibilidade linguística.
A língua indígena terena sinalizada será o foco da próxima história em quadrinhos produzida pelo projeto, atendendo ao objetivo de divulgar, registrar e valorizar as línguas de minorias como patrimônio histórico e cultural da humanidade.
HQ’s sinalizadas
O projeto da UFPR ‘HQ’s sinalizadas’ trabalha com temas transversais dos artefatos da cultura surda – história, língua, cultura, saúde. O objetivo é criar, aplicar e analisar histórias em quadrinhos sinalizadas como uso de sequências didáticas bilíngues para o ensino de surdos. Além da elaboração de materiais bilíngues capazes de auxiliar na aprendizagem, a proposta permite aprofundar os estudos linguísticos como prática social em contexto de superdiversidade.
Todas as HQ’s sinalizadas produzidas pelo grupo apresentam vídeos sinalizados, desenhos/ilustrações e escrita do português. “Essas linguagens podem ser utilizadas, especialmente, quando a proposta destina-se a contemplar os temas transversais como ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, trabalho e consumo, congregando professores e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento”, sugere Kelly, observando que pesquisas normalmente priorizam a aplicação da língua de sinais no contexto do ensino e da educação e que, por isso, é tão relevante abordá-las em outras esferas como o projeto já fez, contemplando história, psicologia, saúde mental e esporte.
Clique aqui para conferir a íntegra da história
As outras histórias do projeto podem ser acessadas pelos links O Congresso de Milão, Tons de Melancolia e A mulher surda na Segunda Guerra Mundial. Mais HQ’s estão em andamento, aguardando recursos para publicação.
* Matéria de Juliana Reis, do Portal Acesse
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