Reflexões dos meus 45 anos de vida
Quarenta e cinco anos de feliz existência. Na verdade, felicíssima. Apesar da Osteogênese Imperfeita, que me tirou muitas e muitas coisas, experiências, vivências, moldou minha personalidade, meu caráter e mais, não tenho motivos para reclamar ou questionar minha vida. Ao contrário. São 45 anos cercados de pessoas que eu amo e que me amam, familiares, amigos, colegas de trabalho. Quatro décadas e meia as quais posso dividir em dois momentos. Os primeiros trinta anos foram recheados de uma vida social ativa, vida profissional dinâmica, muitas pessoas novas e experiências diversas; os últimos quinze anos foram diferentes. Nem melhores nem piores, apenas diferentes. Diferentes no sentido social, das relações interpessoais e no dinamismo e diversificação profissionais. Se nas três primeiras décadas, eu passei por dois colégios, dois cursinhos pré-vestibulares, uma faculdade, dois mandatos como diretor do Sindicato dos Jornalistas, um punhado de empresas como assessor de imprensa e ainda na Prefeitura Municipal de Fortaleza, nestes últimos quinze anos, minha carreira foi mais “calma”, concentrando-se tão somente no Sem Barreiras. Praticamente, todas as experiências relatadas, com exceção do meu tempo na Prefeitura, foram vividas fora de casa, uma outra diferença clara destes dois momentos.
Na última década e meia, meu mundo passou a ser as paredes da minha residência. Eu, praticamente, não saio mais de casa. Em parte, por razões profissionais e de logística. Porém, a outra parte, bem mais significativa, por opção. Em casa, tenho minha televisão, meu videogame, meu computador, minha família, minha segurança. A rua perdeu seu atrativo e eu perdi a impetuosidade, a curiosidade, a coragem. Coisas simples e banais, como vestir uma roupa completa e calçar sapato ganharam um peso grande demais para carregar e a recompensa (sair de casa, ver pessoas, comprar alguma coisa, me divertir) não mais valia a pena. Fui me enclausurando mais e mais. Impressionante como os processos da vida acontecem de forma natural e sem a gente perceber. Tudo começou quando iniciei na Prefeitura, em 2005, cuidando do portal oficial. Não tinha acesso no prédio provisório da administração e me foi sugerido trabalhar de casa. Foram seis anos cumprindo um expediente diário no meu quarto, das 13hs até o início da noite, vestido de maneira casual (bermuda e mais nada). Não havia ainda essa febre de lives ou chamadas de vídeos, o que facilitava eu me vestir sem a sobriedade de um escritório. Comecei a acordar tarde, trabalhava até o início da noite e não tinha disposição para sair depois do expediente. Seis anos depois, saí da Prefeitura, mas a rotina não saiu de mim. Trago comigo até os dias de hoje.
Dizem que nossas amizades mudam de acordo com a etapa das nossas vidas. O primeiro grupo de amigos que formamos é o da escola. Ao chegarmos na adolescência e mudarmos de colégio, mudamos os gostos, as vivências e também as amizades. Passamos a frequentar outros lugares (bares, cinemas), a ter outros objetivos (farras, namoros, sexo) e vamos conhecendo novos grupos de pessoas. Ingressamos na faculdade e nosso norte passa a ser a carreira profissional. Os amigos antigos se dispersam, vai cada um para uma faculdade diferente, e a amizade esfria. Algumas desaparecem, as mais fortes permanecem. Na faculdade, formamos outros guetos, começamos a namorar, alguns se casam, outros têm filhos. Passamos a nos dividir em grupos de casados, grupos de solteiros, grupos que têm filhos. Iniciamos nossa vida profissional e outras pessoas se inserem em nosso microcosmo. E aqui eu me diferencio. Enquanto trabalhei na Prefeitura, em casa, sozinho, isolado do restante dos assessores de imprensa, minhas amizades congelaram, não apenas esfriaram. As do colégio já estavam bem longínquas, algumas da faculdade ficaram distantes e as do trabalho… bem, essas praticamente não existiam. Essa realidade me atingiu em cheio quando fiz a lista de convidados de um dos meus aniversários passados. A lista estava esquálida.
Celebrar aniversário, a propósito, sempre foi uma marca da minha personalidade. Nos meus tempos áureos, começava a fazer os preparativos em setembro. Por ‘fazer os preparativos’, entenda-se pensar sobre, falar sobre, vivenciar o 18 de janeiro. Pensar nos convidados, pensar nos presentes, no formato da celebração. Noventa por cento das festas foram realizadas na minha casa. Era um momento de encontro das várias gerações de amizades. Ali, reuniam-se ex-colegas da escola, colegas da faculdade, ex-professores, companheiros do Sindicato e familiares. Casais de namorados que não podiam ser convidados no ano seguinte porque o namoro não mais existia. Professores que mal frequentavam esses eventos, mas me prestigiavam e iam a minha casa, conviviam com meus pais, meus irmãos, sobrinhos. O passar do tempo se dava nos convidados e nos presentes. Pessoas que eram figurinhas carimbadas durante anos, deixavam de ir; outras que nunca foram e se tornavam presenças garantidas. Nos presentes, eram brinquedos na infância, se tornaram livros e perfumes na adolescência, consolidaram os livros e adicionaram roupas, na fase adulta, até o ápice: as bebidas (2013).
Neste ano de 2022, meu aniversário foi o patinho feio de todos os demais. Estamos em plena pandemia e, portanto, não poderia sequer cogitar reunir meus amigos. Além disso, minha pegou Covid e ficou dez dias isolada no quarto, coincidido com o 18 de janeiro. Dois irmãos que moram fora vieram nos visitar, mas precisaram ficar longe por conta da Covid dela. O ponto mais interessante foram os parabéns cantados para mim pela equipe da Unimed que havia vindo examinar meu pai. Meu aniversário caiu em uma terça-feira e minha mãe recebeu alta no sábado. À noite, meu irmão fez um jantar no apartamento dele para mim e os outros dois de fora. Foi a celebração dos meus 45 anos. Na semana seguinte, mamãe me surpreendeu com um bolo e novo parabéns, com os funcionários aqui de casa. Essas experiências me fizeram refletir algumas coisas. Lógico que a Covid foi alto totalmente inesperado e, certamente, ano que vem, isso não ocorrerá. Contudo, a questão é mais complexa. Meu aniversário sem convidados e sem festa me fez pensar que preciso fazer uma correção de rumo na minha vida, que se perdeu em algum ponto nos últimos quinze anos. Trabalhar com internet, de casa, me isolou do restante da humanidade. Como disse algumas linhas acima, as etapas da minha vida foram mudando, amigos foram saltando do ônibus e, em uma das curvas, eu “esqueci” de receber novos passageiros. No dia 18, eu olhei no retrovisor e vi o veículo praticamente vazio.
Eu nunca gostei da ideia de ‘ah se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente’. Não gosto nem acredito nisso. Acredito sim que todas as experiências que nós vivemos servem de aprendizado e maturidade. “Perder” essas amizades também serviram, até porque não foram perdas propositais. Simplesmente, aconteceu. Não me arrependo de nada do que eu fiz. No entanto, percebo hoje que preciso iniciar uma nova etapa, etapa essa que terá como objetivo preencher os lugares vazios do ônibus da minha vida. Não pretendo nem preciso preencher todos e torná-lo abarrotado de gente. O que eu preciso é não voltar a ter a sensação de que posso, em algum momento, ficar sozinho. Sempre que me perguntam qual é meu maior medo, esta é a resposta: ficar sozinho. Foi um pensamento bem breve, mas foi assustador. Não quero tê-lo novamente e tenho certeza de que não terei. Se meus 45 anos me deram algum presente, foi a oportunidade de olhar pra mim mesmo e fazer essa constatação. Às vezes, olhar pra si mesmo é necessário e nos ensina muito. A mim, ensinou. Parabéns para mim.
Sem nenhum comentário