Mulheres ‘invadem’ as narrações esportivas

30/04/2022 Notícias 0

Natália Lara tem 28 anos e fez sua estreia narrando as Olimpíadas de Inverno.

O mundo do futebol é, predominantemente, masculino. O termo ‘predominantemente’ é um privilégio atual porque, até poucos anos atrás, o termo seria ‘exclusivamente’. Se puxarmos um pouco pela memória, vamos nos lembrar de Milena Ciribelli, Glenda Kozlowski, Elys Marina, Simone Melo, Cléo Brandão, Sílvia Vinhas, Cristiane Dias, Fernanda Gentil, Mariana Becker, Marília Ruiz, Bárbara Coelho, Renata Fan, Joana de Assis, Janaína Xavier e a lista continua. Porém, o que esses nomes têm em comum? São todas profissionais da reportagem ou da apresentação esportiva. Como comentaristas, eram muito poucas e a maioria se concentrava em ex-jogadoras que comentavam jogos das suas modalidades. Faltavam, portanto, jornalistas profissionais exercendo a função. Em 2019, essa ausência acabou. A jornalista de Santos, Ana Thaís Matos, 38, estreava como comentarista no SporTV, dos canais Globo. Um pouco mais à frente, fez sua estreia na TV Globo e abriu a porteira para outras, como Renata Mendonça, 31, comentarista fixa do Redação SporTV, colunista da Folha de São Paulo e uma das fundadoras do Dibradoras, no UOL Esportes. Vale ressaltar também a jornalista Milly Lacombe, que teve uma breve passagem e hoje se assina uma coluna no UOL.

As mulheres avançam, mudam a cara das transmissões esportivas e, agora, passaram a sentar na cadeira de comando dessas transmissões. Elas podem ser ouvidas narrando os jogos e rompendo de vez com uma tradição de décadas de narrações masculinas. Vamos focar em duas – a paulista Natália Lara e a carioca Renata Silveira. Aos 28 anos, Natália foi um dos principais nomes do SporTV na transmissão dos Jogos Olímpicos de inverno de Pequim, que ocorreram de 04 a 20 de fevereiro último. Já Renata, na infância no subúrbio do Rio, suas principais referências de narração vinham das vozes de José Carlos de Araújo, Luiz Penido, no radinho de pilha do pai. Hoje, tornou-se ela própria referência na locução esportiva. A carioca de 32 anos foi a primeira voz feminina na narração de um jogo de futebol na TV Globo, a semifinal entre Flamengo e Grêmio, pela Supercopa do Brasil feminina, há dois meses. Natália e Renata celebram o sucesso que conquistam em suas carreiras e o efeito positivo que elas causas em meninas do país todo que querem seguir seus passos, mas também sofrem do preconceito e do machismo brasileiro, que não aceita uma mulher em território masculino.

“Esse tipo de coisa no dia a dia, sinceramente, cansa. Não é todo dia que eu estou bem para lidar com isso. Tem dia que eu bloqueio e viro a página, mas têm dias que é bem duro. Principalmente quando são ataques coordenados, em que, a cada dois segundos, recebe uma enxurrada de coisa. É bastante cansativo e desgastante. Já tive que bloquear comentários de rede social para não ter que lidar com isso. Eu não faço a menor ideia de quantas contas bloqueadas eu tenho”, relatou Natália Lara ao UOL Esporte. Seu desejo é que finalmente respeitem o trabalho dela e de outras mulheres que atuam na comunicação esportiva. Assim como qualquer pessoa, ela persistiu para conseguir um espaço no mercado: estudou, trabalhou de graça, atuou como DJ em festas universitárias e chegou na maior emissora do país. “Já passou da hora das pessoas pararem de criticar o trabalho da gente porque somos mulheres. Já deu. A gente já está aqui. O lugar que a gente trabalha abraça nosso trabalho e gosta do que a gente faz. Não tem mais volta. Não é porque meia dúzia de gente conservadora quer, que a gente vai deixar de trabalhar”, diz Natália e completa: “O que mais me deixa irritada com isso, o que mais me deixa chateada, muitas vezes, e me sentindo mal, é que a pessoa está atacando o seu trabalho. O meu trabalho não difere de qualquer outro tipo de trabalho. Eu acordo, levanto, me preparo, saio para trabalhar, volto para casa cansada, sinto fome, tudo isso”.

Renata Silveira é a primeira mulher a narrar futebol na Rede Globo.

A ex-bailarina Renata Silveira, por sua vez, se reconhece como uma desbravadora desse meio há quase oito anos. Mas, tenta tirar o peso de ser a pioneira numa transmissão de alcance de milhões de pessoas. “Sinceramente, estou tentando não pensar na dimensão disso. Estou pensando que é mais um jogo que vou narrar. É uma mudança e é um marco. Mas, vou pensar nisso só depois para evitar o frio na barriga”, afirmou na véspera do jogo Flamengo x Grêmio. Nesse caminho, já ouviu de tudo, desde o estranhamento de escutar uma mulher narrando futebol às críticas de estar tentando imitar os homens. “É um desafio enorme, pois as únicas referências que temos são de narradores homens. Tudo que é novo é estranho. No início, era difícil ter aceitação. Acredito que é uma questão de costume”, diz. Renata iniciou sua carreira quase sem querer. Durante a pós-graduação em jornalismo esportivo, ela resolveu participar de um concurso da Rádio Globo, despretensiosamente. Venceu o “Garota da Voz” e, logo depois, se viu narrando dois jogos da Copa do Mundo de 2014 (Uruguai x Costa Rica e Croácia x México). Dali, foi um caminho sem volta.

No SporTV, onde trabalham atualmente, Natália e Renata estão na rotação das partidas de futebol há tempos. “Estou muito feliz porque isso demonstra que estou no caminho certo e que as pessoas confiam no meu trabalho. Desde que cheguei, busquei conquistar o meu espaço aos poucos, aproveitando todas as oportunidades que tive, para estar 100% preparada para esse momento, que parecia um sonho e que agora se tornou realidade”, disse Renata ao colunista Marcel Rizzo, do UOL Esportes. Nesta busca pelo seu espaço, a versatilidade é uma arma. Ao menos, para Natália. “Minha referência é o Everaldo Marques, que faz de tudo. Então, sempre pensei que para ser um dos melhores narradores dentro do mercado é preciso ser uma pessoa que narre de tudo. E eu, como sempre gostei muito de Jogos Olímpicos, lembro muito mais de momentos marcantes de Olimpíadas do que de jogos de futebol, já pensei: ‘Não quero ficar focada só no futebol, quero fazer outras coisas'”, contou. No ano passado, nas Olimpíadas e Paralimpíadas de Tóquio, ela acumulou nove modalidades esportivas. A boa atuação em ambas as competições rendeu frutos. O leque aumentou com as Olimpídas de inverno, com modalidades mais conhecidas, como esqui downhill, até inusitadas, como curling, e clássicas, como patinação no gelo.

Se Natália cita Everaldo Marques como sua inspiração, as de Renata são Galvão Bueno, Gustavo Vilanni, Luiz Roberto, Milton Leite, entre outros. Das vozes femininas, se inspira em Vanessa Riche, Glenda Kozlowski, Ana Thaís Matos, entre outras que abriram o caminho para mulheres no meio esportivo. “Não tenho resposta certa de como deve ser a narração. Ainda estou em construção. Gosto de escutar minhas transmissões e não tenho pressão de criar um bordão. Estou aqui para aprender e ter mais prática. Passar informação está em primeiro lugar, mas vejo o futebol como entretenimento e procuro uma narração mais leve”, afirma. Ao fim e ao cabo, o que elas querem é trabalhar e respeito. “Quem trabalha com narração, reportagem, comentário, é ser humano também. A gente está muito exposto? Sim, é verdade. A gente está muito exposto, mas, esse simples fato não dá o direito de ninguém vir esculachar a gente. De tratar mal, de xingar, ameaçar. É muito triste que tenha gente maldosa a ponto de fazer isso. É o famoso ditado: ‘Deixa ela trabalhar’. Aquela campanha que tinha um tempo atrás, né? A gente não está fazendo nada de mais, só trabalhando”, disse Natália. Vamos deixá-las trabalhar.

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