Síndrome de Müller-Weiss causa necrose no nosso navicular
O tenista espanhol Rafael Nadal, considerado pelos especialistas o Rei do Saibro (são 14 títulos do torneio de Roland-Garros, na quadra de terra batida da França, incluindo o conquistado neste ano), possui em seu currículo profissional uma coleção infindável de títulos, 92. Profissional deste 2001, Nadal já venceu 1058 partidas contra apenas 212 derrotas. Foi número 1 do tênis mundial, pela primeira vez, em agosto de 2008, desbancando o suíço Roger Federer. Atualmente, aos 36 anos, ocupa a quarta colocação. Nadal é conhecido pelo seu estilo aguerrido de jamais desistir de uma bola, correndo a quadra toda com uma garra e disposição impressionantes. Daí também se destaca seu altíssimo número de lesões durante a carreira. Com exceção de 2015, Nadal teve problemas físicos todos os anos. Médicos e jornalistas já cravaram o fim da sua carreira diversas vezes, sempre afirmando que ele não conseguiria se recuperar e voltar a jogar em alto nível após determinada lesão. Ele voltava e continuava empilhando troféus em sua residência na cidade de Manacor, Espanha.
Atualmente, ‘El Touro Miúra’, alcunha com que ele é conhecido mundo afora por sua grande força física, enfrenta talvez seu maior adversário físico. Desde 2005, no Masters de Madris, Nadal convive com fortes dores nos pés, tendo sido diagnosticado com a Síndrome de Müller-Weiss. A Síndrome é uma doença rara, que provoca dores crônicas nos pés e degeneração óssea, ainda sem origem conhecida. “A Síndrome de Mueller Weiss é caracterizada por uma necrose avascular. Ou seja, é uma interrupção do fluxo sanguíneo para o osso navicular, no pé. Ela tem causas inespecíficas, mas está associada ao excesso de carga e à baixa irrigação que esse osso tem. Então, isso pode provocar a interrupção do fluxo sanguíneo para o osso e esse osso acaba necrosando e morrendo”, explica o Dr. Rodrigo Luiz Vetorazzi, médico ortopedista e coordenador da ortopedia do Hospital Albert Sabin, de São Paulo. Ela é degenerativa e evolui com deformidade desse osso do mediopé (a região central do pé), que é essencial para sua mobilidade.
O tratamento, inicialmente, é sintomático e ocorre através da prescrição de medicamentos para reduzir a dor e a inflamação provocada. No entanto, em casos mais complexos, a intervenção cirúrgica pode ser a melhor estratégia. Nadal revelou que, para disputar o torneio francês, precisou tomar injeções nos pés para suportar as dores. “Tenho jogado com injeções para entorpecer meu pé e é por isso que tenho sido capaz de jogar por essas duas semanas”, afirmou. “Eu não tenho ternura no pé, porque meu médico foi capaz de colocar injeções anestésicos nos nervos. Isso elimina a sensação no pé”, completou. Em breve, o tenista receberá ablação por radiofrequência, terapia que usa calor no nervo para aliviar a dor, mas terá que considerar a cirurgia se o tratamento não for suficiente. “Se isso funcionar, eu vou seguir em frente. Mas, se não funcionar, então será outra história”, disse ele. O torneio de Wimbledon, o próximo do calendário do tênis mundial, está em risco, portanto. “Eu vou estar em Wimbledon se meu corpo estiver pronto para estar em Wimbledon. É só isso. Wimbledon não é um torneio que eu quero perder. Acho que ninguém quer perder Wimbledon. Eu amo Wimbledon”, declarou Rafael Nadal, dono de dois títulos na mítica grama britânica (2008 e 2010).
De acordo com o médico Rodrigo Vetorazzi, o osso navicular, que é o afetado com a Síndrome de Müller-Weiss, é revestido por uma cartilagem que, diferente das estruturas ósseas do corpo, não é irrigada com sangue, mas, sim, com líquido sinovial (líquido transparente e viscoso das cavidades articulares e bainhas dos tendões, sendo um dos elementos que formam o Sistema Locomotor, junto com os ossos, músculos, ligamentos e articulações. Tem a função de lubrificar as articulações sinoviais, permitindo seu movimento suave e indolor). No entanto, com a necrose no osso navicular, essa cartilagem pode sofrer algumas deformidades ao longo do tempo, sem falar na forte dor que tudo isso gera para o paciente na região de cima do pé (por vezes até incapacitante). “Uma característica dessa doença é que osso fica em forma de vírgula”, diz o Dr. Rodrigo. “É possível tentar fazer uma descompressão, que é uma perfuração do osso. Isso em casos iniciais para tentar diminuir a dor e a pressão intraóssea dessa necrose avascular. Ou, caso não resolva, se tiver uma deformidade grande, é feita uma cirurgia que se chama artrodese, uma fusão programada e cirúrgica do osso navicular com outros ossos da região do pé. Se faz uma fusão dos ossos para diminuir a dor e melhorar a deformidade”, finaliza o Dr. Vetorazzi.
Rafael Nadal é um guerreiro e seus fãs esperam sempre que ele supere todas as adversidades e continue sua brilhante carreira. Contudo, ele pensa um pouco diferente, como declarou após a vitória sobre o alemão Alexander Zverev, na semifinal de Roland Garros: “prefiro perder a final e ter um pé novo que me permita ser mais feliz no meu dia a dia. Vencer é bonito e te enche de adrenalina e alegria momentânea, mas a vida continua e a vida é muito mais importante que qualquer título. Tenho uma vida pela frente e eu gostaria de praticar esportes amadores com meus amigos e agora isso é desconhecido. No final, minha felicidade está acima de qualquer título e um pé novo, sem dúvidas, não teria a dor diária que tenho”.
Müller-Weiss – A Síndrome de Müller-Weiss foi assim nomeada em homenagem ao médicos Walther Müller e Konrad Weiss. Em 1927, o ortopedista alemão Walther Müller descreveu essa condição. Inicialmente, postulou que a doença se desenvolve devido à forte compressão do tarso. Um ano depois, propôs que a condição era devido a um defeito congênito. Já o radiologista austríaco Konrad Weiss também descreveu uma condição semelhante, mas sugeriu a osteonecrose como a causa da doença, um conceito particularmente apoiado por radiologistas.
Walther Müller nasceu em 6 de maio de 1888 em Waldenburg, no condado da Saxônia, na Alemanha, filho de um professor de matemática. Começou sua carreira médica como cirurgião sob a orientação de Arthur Läwen, em Marburg. No início da carreira, através de trabalhos experimentais, lançou as bases no campo da osteologia e fisiologia do sistema esquelético. Em 1924, foi publicada a monografia de Müller sobre a fisiologia normal e patológica do osso, que ainda hoje é pertinente. Esse trabalho lhe rendeu o apelido de “Knochenmüller”, um moleiro de ossos. Em 1928, ele foi com Läwen para Königsberg, onde se tornou um “Oberarzt”, diretor médico assistente. Durante sua estada em Königsberg, seus trabalhos sobre a biologia das articulações (1929), a fisiopatologia da coluna (1932), as deformidades congênitas da mão (1937) e as alterações degenerativas no osso sobrecarregado (1944) foram publicados. Em 1º de fevereiro de 1938, Müller foi nomeado diretor da clínica ortopédica em Königsberg. Mais tarde, fugiu como refugiado pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Voltou para dirigir uma clínica ortopédica em Glauchau. Müller morreu em 7 de abril de 1949, em sua cidade natal em Waldenburg
O austríaco Konrad Weiss nasceu no dia 05 de novembro de 1891. Nascido e criado em Viena, Áustria, cursou medicina na Universidade de Viena em 1910. Chamado para servir durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi condecorado com a medalha de ouro do valor pelo exército austro-húngaro. Formou-se em 1916 e, enquanto trabalhava em um hospital militar da reserva, teve contato com a emergente área da Radiologia, pela qual viria a se apaixonar. Em 1920, começou a trabalhar ao lado do contemporâneo Robert Kienböck (1871-1953), no Instituto de Radiologia de Viena, onde permaneceu por quase 40 anos, e desenvolveu reconhecimentos inovadores em patologia e anatomia de doenças ósseas e articulares. Weiss é creditado com as primeiras descrições da Síndrome de Müller-Weiss, o aneurisma dissecante da aorta e a torção gástrica. Foi membro fundador da Sociedade Austríaca de Radiologia. Aposentou-se em 1958 e faleceu em 1976.
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