Conheça o xadrez adaptado para cegos
Minha história com o xadrez vem de muito longe, cerca de trinta anos. Por conta da minha deficiência me impedir de praticar outros tipos de esportes, como futebol, basquete ou vôlei, sempre busquei uma modalidade que me permitisse a prática parado e sentado em minha cadeira de rodas. O xadrez surgiu como opção. Meu pai me incentivou e me ensinou os primeiros lances, os movimentos básicos do peão (só anda para a frente, uma casa por vez), do cavalo (se movimenta em L), do bispo (anda na diagonal), da torre (anda lateralmente ou para a frente e para trás, sempre em linha reta) ou da rainha (movimento livre, em todas as direções). Aprendi com meu pai as regras e ganhei dele meu primeiro tabuleiro e dois livros. Meu pai nunca foi profissional, mas participou de alguns campeonatos estaduais e regionais, na categoria de amador. Ele contava que perdeu um desses campeonatos por conta do nascimento do meu irmão Yuri, hoje com 57 anos. Ainda na minha adolescência, me matriculei no BNB Clube e comecei a ter aulas com um dos professores de xadrez, mas a verdade é que nunca fui pra frente. O xadrez exige um altíssimo nível de concentração, algo que sempre me faltou.
A organização das peças brancas e pretas no tabuleiro e a leitura espacial do jogo, assim como a capacidade de antecipar os movimentos do adversário são características essenciais de um bom enxadrista. E se você não consegue enxergar o tabuleiro e precisa fazer todos esses movimentos em sua mente? Organizar as peças, identificar o posicionamento delas e prever as suas jogadas e as do seu adversário, sempre na sua imaginação. Torna-se mais fácil ou mais difícil? É essa a realidade do enxadrista cego. Sim, o xadrez também é jogado por deficientes visuais. Impossível? De jeito nenhum. – A gente tanto pode jogar contra cego quanto contra quem enxerga também. Não tem (desvantagem). Vai depender de cada um, do estudo, e do quanto você joga — diz Oneide Souza Figueiredo, diretor de programação e eventos da Federação Brasileira de Xadrez para Deficientes Visuais (FBXDV). Da mesma forma que o xadrez tradicional, uma criança de 11 anos, por exemplo, pode jogar normalmente contra uma pessoa de 60.
Não é possível estabelecer um criador ou data de criação da tecnologia do xadrez adaptado, pois técnicas de Tecnologia Assistida (TA) variam muito e são muito diversas. A prática do xadrez adaptado e as tecnologias envolvidas nele mudaram ao longo dos anos, com o próprio desenvolvimento da tecnologia e dos produtos utilizados. As regras do jogo são as mesmas do xadrez tradicional, mas o modus operandi, não. No xadrez adaptado, utilizam-se dois tabuleiros, uma para cada jogador. O movimento de um é reproduzido em ambos os tabuleiros. – Isso é para não atrapalhar o outro. Senão ia ter quatro mãos tateando o tabuleiro – explica Oneide Figueiredo. As casas pretas têm altura diferente das brancas, bem como as peças de uma das cores se distinguem no tato — normalmente, são ásperas. Embaixo das peças, há pinos para que fiquem presas a pequenos buracos no tabuleiro. Desta forma, o enxadrista não derruba as peças ao passar as mãos sobre elas para reconhecer a posição que elas estão. Na borda do tabuleiro, ainda estão escritos em braile o número e a letra a que corresponde cada casa.
O xadrez para deficientes visuais é um jogo em que o tato é bastante utilizado. O jogador usa as mãos para estabelecer uma noção espacial do tabuleiro. Portanto, não se aplica uma regra bastante conhecida no xadrez tradicional: a do peça tocada é peça jogada. Ou seja, se o jogador toca em uma peça enquanto está pensando, ele deve mexer aquela peça. No xadrez adaptado, o toque é fundamental para identificar a peça e a posição em que ela se encontra. Outra característica típica do xadrez tradicional que não se aplica no adaptado é que, enquanto no primeiro o jogo deve ser praticado em silêncio total para não prejudicar a concentração, no adaptado o jogo é “cantado”, as jogadas são todas ditas em voz alta. Atualmente, a entidade que rege o esporte no Brasil é a Federação Brasileira de Xadrez para Deficientes Visuais (FBXDV). A FBXDV promove cursos e competições ao longo do ano para os praticantes da modalidade. Para este ano, estão previstas a Etapa 4 – Regional Sudeste 2022, em São Paulo, no Centroparalímpico, de 20 a 23 de outubro, e as Finais A, B e Feminina, em Porto Alegre, de 01 a 04 de dezembro.
Tratando-se de qualquer tipo de deficiência, pode-se dizer que os benefícios a serem percebidos estão muito além da inclusão social ou do exercício do raciocínio (como propõe o Xadrez Adaptado). Pretende-se alcançar, ainda, a dignidade humana através do acolhimento daquelas pessoas que mais precisam de atenção. Assistam ao vídeo produzido por Laís Lima, paratleta de basquete em cadeira de rodas.
Serviço: Todas as quintas-feiras, a Associação D’Eficiência Superando Limites (Adesul) realiza aulas de xadrez adaptado na Sociedade de Assistência aos Cegos, o Instituto dos Cegos de Fortaleza, à Rua Padre Anchieta, 1400, Monte Castelo. O telefone de contato é 85 3206.6841. Falar com Pedro Tibério.
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