Nada sobre nós, sem nós

31/08/2023 Capacitismo, Notícias 0

Romeu Kazumi Sassaki é um dos nomes mais relevantes na luta por inclusão das pessoas com deficiência no Brasil.

“Nada sobre nós, sem nós” é o lema utilizado pelos militantes da causa das pessoas com deficiência em busca de seus direitos. Nada sobre nós, nada que se refira à comunidade de pessoas com deficiência – seus direitos, melhorias, cidadania, leis a serem aprovadas, acessibilidade. Sem nós, sem a participação efetiva das pessoas com deficiência. Em seu livro Nada Sobre Nós, Sem Nós: Da integração à inclusão, Romeu Kazumi Sassaki, um dos nomes mais relevantes na luta por inclusão das pessoas com deficiência no Brasil, explicou de forma didática o tema: “Nada quer dizer nenhum resultado (lei, política pública, programa, serviço, projeto); sobre nós, ou seja, a respeito das pessoas com deficiência; a vírgula, como função de elipse, figura de linguagem que substitui outro termo ou sentido, que aqui substitui a expressão ‘haverá de ser gerado’; sem nós, sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Ao final, tem-se a real expressão: “Nenhum resultado a respeito das pessoas com deficiência haverá de ser gerado sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”.

A frase tem um significado extremamente importante para a compreensão das mudanças de visão e atitudes do movimento organizado das pessoas com deficiência frente às sociedades e aos governos. Ao longo da história, as pessoas com deficiência foram segregadas, marginalizadas e excluídas de todo e qualquer debate que visasse aos seus direitos e à melhoria de sua condição de vida. Sassaki estabelece quatro eras das práticas sociais das pessoas com deficiência: a exclusão (antiguidade até o início dos anos 1920); segregação (décadas de 20 a 40); integração (décadas de 50 a 80); e, finalmente, inclusão (década de 90 até os dias atuais). “Este lema tem a cara da inclusão. Mas, se levarmos em conta o conceito de participação plena, o lema teve a sua semente plantada em 1962, em plena era da integração, e germinada a partir de 1981, graças ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes”. As pessoas com deficiência, a partir da criação deste lema, abandonaram seu lugar de meras receptoras de bens e serviços para assumirem um posto de geradoras desses mesmos bens e serviços, foram à luta e exigiram direitos iguais na sociedade, escolas e mercado de trabalho.

A promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, deu início a um amplo e profundo debate internacional sobre os direitos iguais e inalienáveis como fundamentos da liberdade, justiça e paz social no mundo. Escrita e aprovada por 48 países membros da ONU, após os horrores ocorridos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a DUDH foi adotada ou influenciou muitas constituições nacionais, além de ter se prestado como fundamento para um crescente número de tratados internacionais e leis nacionais. Em termos do movimento social e político das pessoas com deficiência, vários nomes ganharam destaque por criar associações ou liderar movimentos públicos nas grandes cidades mundo afora. Também merece ser destacada a participação de inúmeras associações ligadas ao movimento negro, como os Panteras Negras, o Movimento da Consciência Negra, movimentos que lutaram contra o Apartheid na África do Sul e diversos outros exemplos. Esses grupos, por terem pontos em comum em suas pautas, como o de direitos iguais e mais respeito dos governos e da sociedade, terminaram por dar as mãos e fortalecer ainda mais a luta política das pessoas com deficiência.

Um exemplo dessa união entre os movimentos negros e o das pessoas com deficiência ocorreu nos anos de 1970, nos Estados Unidos, mais especificamente em 1973. Durante o governo do presidente norte-americano Richard Nixon (1969-1974), existiram poucos avanços em prol dos deficientes. O presidente vetou o Rehabilitation Act de 1973 (a Lei Federal daquele país que versa sobre os direitos das pessoas com deficiência) porque custaria muito caro mudar a infraestrutura de prédios (colocar rampas e elevadores) para beneficiar “poucas” pessoas. Em 1977, já no governo Jimmy Carter (1977-1981), mais de 150 ativistas liderados pela militante Judy Heumann, criadora do grupo Disabled in Action (DIA), ocuparam prédios federais em São Francisco para exigir a aprovação da Seção 504 do Rehabilitation Act, que garantia direitos para os deficientes. O protesto durou 25 dias, o mais longo da história em prédios federais. Foram 25 dias em que centenas de pessoas com deficiência, cadeirantes, tetraplégicos, pessoas com cateteres, ventiladores artificiais e outras necessidades básicas dormiram no chão, em pequenos colchões ou em suas cadeiras de rodas. Durante o protesto, diversas entidades de apoio a outros segmentos contribuíram com comida, cobertores, colchões, água e produtos de higiene. Uma dessas entidades foram os Panteras Negras.

O então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan (1938-2018), diplomata ganês que presidiu as Nações Unidas de 1997 a 2006, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2001, por ocasião do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, no dia 3 de dezembro de 2004, assim se posicionou: “por muitos anos, as pessoas com deficiência foram vistas como ‘objetos’ de políticas de bem-estar social. Hoje, como resultado de uma dramática mudança de perspectiva que ocorreu nas duas últimas décadas, as pessoas com deficiência começaram a ser vistas como pessoas que precisam desfrutar o espectro completo de direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos. O lema do movimento internacional de pessoas com deficiência, ‘Nada Sobre Nós, Sem Nós’, resume essa mudança”. Em janeiro de 2006, jovens com deficiência da Grã-Bretanha, Bangladesh e China, representando a Save the Children, foram à ONU em Nova York numa tentativa final de evitar que 150 a 200 milhões de crianças com deficiência fossem esquecidas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O grupo criou uma logomarca, que diz: “Fazendo lobby na ONU. Inclusão de 360 graus. Nada sobre nós, sem nós”. Jasmine Whitbread, diretora-chefe da Save the Children, disse: “o estigma associado às crianças com deficiência significa que, em muitos países, elas sequer são registradas ao nascer, elas se tornam invisíveis e são abandonadas, enquanto outras são encaminhadas a instituições e lá são negligenciadas ou escondidas”.

A ativista Marta Russel publicou em 2003 o seu livro “Nothing About Us Without Us: Human Rights and Disability” (Nada sobre nós, sem nós: direitos humanos e deficiência). Trechos deste livro dizem: “A cidadania pode ser vista como a realização de certos direitos. Quando os estados são considerados responsáveis pelo tratamento dado a seus cidadãos, muito pode ser conquistado. A ONU tem um papel no estabelecimento de padrões mundiais, mas as pessoas com deficiência também têm esse papel”. (…) “A participação em grupos sociais e políticos é limitada ou negada às pessoas com deficiência”. (…) “As deficiências continuam sendo vistas como anormalidades e as pessoas que as têm se tornam objetos desvalorizados dos serviços médicos e sociais”. (…) “Tradicionalmente, os direitos humanos têm sido aplicados à pessoa com deficiência enquanto objeto de prevenção e reabilitação e não como um sujeito considerado plenamente humano e com amplos direitos de cidadania”. “Para corrigir esta situação, as pessoas com deficiência se reuniram internacionalmente na década de 80 e começaram a exigir o reconhecimento de seus direitos. Foi então que o lema ‘Nada Sobre Nós, Sem Nós’ se tornou a bandeira para se construir o poder político necessário às mudanças nas instituições a fim de incluir as pessoas com deficiência como seres humanos plenos e desconstruir as sociedades incapacitantes”. “Este deve ser o século em que a dignidade das pessoas com deficiência será atendida através dos direitos humanos”. E esta luta no Brasil, como se deu? Clique aqui.

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