Dia da Deficiência: Denúncia e Cobrança por Direitos

03/12/2024 Capacitismo, Depoimentos, Notícias, Victor Vasconcelos 0

Durante a semana em que se celebra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, torna-se obrigatório revisitar alguns momentos da história do movimento, algumas de suas conquistas e, mais do que tudo, desmistificar a ideia de que o dia 03 de dezembro é uma data de comemorações e festas. Infelizmente, não chegamos lá, ainda. Ao longo da história, as pessoas com deficiências foram chamadas de “inválidas”, indivíduos sem valor, passaram a ser “incapacitadas”, sem capacidades para determinadas atividades, “defeituosos”, “deficientes” e “excepcionais”. Na década de 1980, surgiu o termo “pessoas deficientes”, um salto gigantesco na conquista da autoestima e do respeito próprio, pois se colocava o substantivo ‘pessoas’ no início do termo e ‘deficientes’ como um mero adjetivo, não o foco principal.

No final dos anos 1980, vieram as expressões “pessoas portadoras de deficiência”, “portadores de deficiência” e “pessoas com necessidades especiais”. Estes três termos, pode-se considerar um retrocesso, pois não exprime a real condição das pessoas com deficiência. A deficiência não é algo que se porta, se tem a vida inteira. Por que somos especiais? Todos os cidadãos são especiais, em suas particularidades. Então, em 1994, a grande conquista, a formulação do termo que já utilizei neste texto diversas vezes: pessoas com deficiência. Ao fim e ao cabo, é exatamente isso que somos: pessoas que nasceram ou adquiriram em algum momento da vida uma deficiência. Não nos torna melhores nem piores, não somos mais nem menos. É nossa característica, é quem nós somos. Podemos ser loiros, morenos, ruivos, indígenas, negros, altos, baixos, gordos, magros e termos ou não termos uma deficiência. Não importa. Somos pessoas.

O crescimento da conscientização das sociedades de que somos pessoas iguais a quaisquer outras levou a uma nova conquista. Em 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou o dia 03 de dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, uma data para conscientizar a população a respeito da importância de assegurar uma melhor qualidade de vida a todos os deficientes do mundo. Lamentavelmente, o período de celebrações deste texto termina aqui. Não há muito mais o que celebrar, mas há bastantes coisas para se denunciar e cobrar do Poder Público e da sociedade em geral. É o momento de trazer para a mesa de discussões a palavra capacitismo, o preconceito contra a pessoa com deficiência e o grande entrave no desenvolvimento deste setor da população. A descrença de que os deficientes podem contribuir para a sociedade nos prende a uma condição de subumanidade e subalternidade, o que leva à invisibilidade.

Um dos grandes problemas na formulação de políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência é a dificuldade de se obter dados concretos sobre este público. Mesmo assim, sabe-se que existem cerca de 1 bilhão de pessoas com deficiência em todo o mundo. Destas, pouco mais de 80% estão nos países pobres. Nas nações em desenvolvimento, como o Brasil, em torno de 20% têm alguma deficiência e algo próximo à metade das pessoas com deficiência vivem abaixo da linha da pobreza. A saúde é outro problema. De 25% a 50% das pessoas com deficiência enfrentam dificuldades no acesso pleno à saúde. Crianças com deficiência têm de 2 a 3 vezes mais chances de não frequentar a escola. Menos de 15% das PcDs, em países pobres, têm acesso a tecnologias assistivas, como cadeira de rodas, andadores, bengalas, leitores de tela e outras. São números desesperadores.

Fernando Formagio Filho, de Itapecerica da Serra (SP), que tem Osteogênese Imperfeita, acredita que “essa data seja uma oportunidade para que possamos mostrar a essa sociedade preconceituosa que, mesmo com as diferenças, possamos mostrar nossas habilidades e talentos, como música, arte, teatro e muitas outras áreas, seja na universidade e no setor de serviços”. Ele continua, afirmando que “nossas diferenças nos tornam únicos e especiais e, mesmo com os obstáculos, isso [os obstáculos] não impede de sermos felizes”. Ana Lúcia Pinheiro, de Maracanaú (CE), tem 66 anos e, aos 62, teve câncer de mama. Dois meses antes do término do tratamento, começou a apresentar problemas em uma das pernas e, depois, na outra. “Os neurologistas ainda estão investigando as causas dessa comorbidade, se sequelas da químio ou radioterapias ou se estou desenvolvendo Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)”, explicou. Ana Lúcia se tornou uma pessoa com deficiência com mais de 60 anos e precisa utilizar um andajar e muletas para se locomover com mais segurança e conforto.

A história da professora Ana Lúcia é uma lição para todos nós de que a deficiência é uma possibilidade para toda e qualquer pessoa, em qualquer época da vida. “Eu sou professora formada em Pedagogia e pós-graduada em Educação Especial. Até o ano passado, trabalhei na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Maracanaú, porém, nesse ano, me senti desconfortável de voltar pelo fato de estar sempre precisando de apoio de outros. Mas, vejo que as coisas já estão melhorando bastante, no aspecto social, atitudinal e também logístico e arquitetônico e as barreiras da inclusão já estão tomando um rumo de compreensão e entendimento”, falou. Ana Lúcia encerra seu depoimento com uma mensagem positiva e de esperança: “assim vamos vivendo, sempre agradecendo a Deus o dom da vida”.

A jornalista paulistana Leandra Migotto Certeza, também com Osteogênese Imperfeita, conta que, embora tenha nascido em uma família com recursos para acesso à educação e saúde de qualidades, “fui discriminada e impedida de realizar muitos sonhos devido ao capacitismo”. Ela relata que, somente há três anos, surgiram grupos de pessoas negras, indígenas e LGBTQIAP+ com deficiência (@vndi.brasil, @acessibilindigena e @pcdvale, respectivamente). Esses grupos relatam as situações milhares de vezes pior do que capacitismo entre essa população e que “nunca foram sequer ouvidas na áurea época dos movimentos sociais de luta pelos direitos nos anos 80”. Leandra completa sua fala, citando as ações para a aplicação de “uma das melhores legislações do mundo em relação aos direitos das pessoas com deficiência”. Contudo, e aqui eu encerro, legislação forte não tem muita serventia se não vier acompanhada de uma educação inclusiva básica, de uma melhoria na conscientização popular de que somos todos iguais, de uma campanha vigorosa contra o capacitismo.

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