João Guilherme no colo da mãe Gis Lyra

Meu reizinho

24/06/2012 Deficiência Intelectual, Depoimentos, Histórias de vida, Notícias 8
Gislenne com o pequeno João, aos três meses

Gislenne com o pequeno João, aos três meses

por Gislenne Lyra*

Para muitos que acompanham minha história, sempre acham que por ter um irmão com Síndrome de Down (SD), o Beto, que fará 51 anos em 09/06, que a notícia de saber, no segundo dia de vida do meu reizinho, que ele era portador de SD, tenha sido “mais fácil”. Enganam-se.

Como toda mãe que recebe essa notícia foi um misto de sensações… em princípio o susto da notícia, pois nenhum ultrasom detectou a SD, depois o medo de todas as dificuldades que ele viria a enfrentar, pois vivenciei todas que meu irmão sofreu e sofre, principalmente a do preconceito. Lembro que foi minha irmã e minha mãe que me deram a noticia, pensei logo em como meu esposo reagiria. Mas, para minha surpresa, ele disse que era apenas “um detalhe” que faria a gente amá-lo ainda mais. E como eu, João Luiz tem se dedicado muito ao nosso reizinho. Tudo pra ele ainda é novo, pois nunca teve muito conhecimento sobre as necessidade dos portadores de SD, mas o AMOR DE PAI tem sido essencial para o desenvolvimento do nosso reizinho. Minha filha também o recebeu com tanto amor que os cuidados e carinho se confundem, irmã-mãe.

João descansa no colo do papai, João Menegazzo

João descansa no colo do papai, João Menegazzo

Mas, naquele momento, enquanto todos estavam preocupados em me darem a noticia, eu estava preocupada com o meu filho. Por que não mamou a noite toda? Por que não fez xixi nem cocô? E já havia quase 24 horas de seu nascimento. Fiquei com muito medo de perdê-lo. Naquele momento, a SD era realmente apenas “um detalhe”. A geneticista Dra. Juliana Doriqui, quando veio examiná-lo, foi que observou que o abdômen dele estava dilatado, que ele precisava ir para a UTI.

Entrei em desespero. UTI para mim era sinônimo de morte. Perdi meu pai na UTI, tinha esse trauma dentro de mim. E superei. Porque foi a melhor coisa que aconteceu para meu filho. Em uma semana, foi diagnosticado através de uma biopsia que ele tinha nascido com megacolon congênito (N.E. patologia que deixa o intestino grosso aumentado e distendido), que o caso era cirúrgico. Apenas depois dessa biopsia, pude amamentar meu filho.

E foi nesse momento a primeira vitória de muitas que ainda virão. Os portadores de SD têm dificuldades de sugar por causa da língua protusa e as pediatras e enfermeiras da UTI temiam que ele não sugasse meu seio. Por não ter sido estimulado ao nascer, poderia ser difícil a amamentação. Na primeira tentativa, ele agarrou o seio com tanta força e mamou tão bem que até hoje tá difícil de tirar esse danadinho do vicio rsss.

Durante os 15 dias que ele passou na UTI, meu reizinho não teve nenhuma febre, progrediu e ganhou peso até receber alta, contrariando mais uma regra da SD, pois é comum as crianças terem a imunidade baixa, sofrer de bronquite, ter problemas cardíacos, mas meu reizinho não possui nenhum desses probleminhas. Assim, durante quatro meses, eu o ajudei a “fazer cocô” com a “limpeza” que aprendi a fazer com as enfermeiras da UTI. Até que, em 28/05/11, ele se submeteu à cirurgia que foi um sucesso.

Com 30 dias de nascido, ele deu início ao processo de estimulação precoce. Encontrei na Clinica Estimular três profissionais que me ajudam diariamente no seu aprendizado. Passei a conviver dentro de um mundinho tão mágico, tão meigo, tão perfeito que passei a entender o porquê deles serem chamados de “especiais”.

Gislenne com o filho, o marido e a filha Gislley

Gislenne com o filho, o marido e a filha Gislley

Eles têm o dom da alegria, da felicidade, do amor, que transforma, que faz tudo ser mais fácil, mais tranqüilo, respeitando seu tempo, seus limites, suas necessidades.

Confesso que me preparei psicologicamente para enfrentar uma batalha diária mais difícil, mais dolorosa. Mas, me enganei. Meu reizinho é tão abençoado que transforma tudo e todos. Seu progresso é comemorado diariamente.

Lembro que já havia voltado a trabalhar quando minha mãe me ligou aos gritos, comemorando a primeira vez que ele conseguiu sentar sozinho (aos 8 meses). Todos choraram comigo. E é assim a cada desafio superado, a cada conquista. As atividades a serem feitas em casa, os brinquedos apropriados, tudo em casa é preparado para meu reizinho. Para seu desenvolvimento e bem estar. Tratamos meu filho como uma criança normal, apenas respeitando seus limites e incentivando seu aprendizado, e olha que ele aprende rápido rsss.

Quando me chamou pela primeira vez de “mamãe”, isso mesmo, não foi “mam”, nem “mamam”. Foi bem claro, ”mamãe”. Mal pude acreditar. Fiquei esperando ele repetir para ter certeza que meu reizinho estava mesmo me chamando. Telefonei imediatamente para a fono dele, a Raí, e choramos juntas ao telefone. Quando deu os primeiros passos aos 14 meses foi outra conquista celebrada com a fisioterapeuta Luana Mendonça. Consegui filmar para mostrar pro paizão. Tudo para nós é comemorado, como quando ele conseguiu encaixar os cubos, chutar bola, repetir os movimentos que ensinamos. Simples conquistas que para nós são desafios diários superados.

O nosso mais recente desafio será o início dele no mini maternal em meio período, pois sinto que ele está precisando conviver com outras crianças para estimular ainda mais o seu aprendizado.

João e as profissionais de saúde que o acompanham

João e as profissionais de saúde que o acompanham

Todos os dias, nos deparamos com campanhas e mais campanhas de Inclusão para as pessoas com deficiências, mas infelizmente o preconceito mascarado ainda existe. Sofro só de imaginar que meu filho venha a sofrer algum tipo de exclusão. Cresci vendo o olhar do meu irmão tímido e com medo das pessoas que zombavam dele, chamavam-no de “mongolóide”. Eu, minha irmã e minha mãe perdemos a conta de quantas vezes brigamos por ele. Pessoas que ficavam olhando demais, evitando o contato físico com ele como se estivesse doente. Dava vontade de gritar e dizer que meu irmão não era doente, era apenas diferente.

Sei que estamos em outra época, a sociedade mais consciente, mas isso ainda me preocupa. Como mãe, não quero que meu filho se sinta excluído ou sofra algum tipo de rejeição, mas sei que isso ainda é um sonho a ser realizado, pois não depende somente de mim.

Não quero, através desse desabafo, que me vejam diferente também ou que tenham “pena” de mim ou dele. Não buscamos isso. Buscamos ACEITAÇÃO, OPORTUNIDADE, INFORMAÇÃO.

Se a sociedade é capaz de conviver com as diversidades de “ânimos”, “personalidades”, “modismos”, “criminalidade”, acredito que a troca de informações é essencial para esse processo de inclusão. Eles só querem ser amados, respeitados e isso deve partir de casa, da família, dos amigos.

Por que esse desabafo??? Por que chamo meu filho de “reizinho”??? O que ganho com isso??? Primeiro porque quero contribuir de alguma forma para as campanhas de conscientização e informação sobre a Síndrome de Down e segundo para que saibam o quanto tenho orgulho de ser mãe do meu reizinho. Chamo meu filho de “reizinho” porque ele nasceu em 06/01/11, Dia de Reis, contrariando os médicos que o aguardavam para dia 11/01, e ele se tornou o rei de nossas vidas. Meu dia é programado por ele, nos unimos em prol do seu desenvolvimento, de amá-lo e não medir esforços para seu aprendizado e socialização.

O que ganho com esse depoimento? NADA, apenas peço que abram suas mentes e seus corações para todos os serem humanos portadores de deficiência. Eles podem realizar tudo que quiserem, só precisam de oportunidade. Não lhes virem as costas, lhes estendam a mão. De qualquer forma que você puder contribuir para seu crescimento, já é válido.

Estou muito feliz com o milagre que Deus me enviou, de ter sido escolhida por “ele” para ser mãe desse reizinho chamado João Guilherme Lyra Menegazzo.

* Gislenne Lyra é casada com João Menegazzo, mora em São Luiz, MA, e é mãe também de Gislley Moreira. Sem Barreiras agradece sua autorização para a publicação deste depoimento.

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8 Comentários

  1. Fátima Benincaza 24/06/2012 Responder

    Com esse depoimento você ganhou a alegria e a certeza de dias melhores. Hoje vivemos uma realidade muito diferente de 51 anos atrás. Seu reizinho depende de você e você já começou diferente, lutando de maneira diferente, aceitando também diferente. Viva, curta tudo com a família linda que Deus te deu. Ninguém é igual a ninguém, somos um ser único.
    Parabéns e obrigada por partilhar sua vida.

    • Gisllene Lyra 25/06/2012 Responder

      Muito obrigada Fatima Benincaza pelo carinho, fico feliz de vc ter entendido o sentido do meu depoimento.Abraços Gisllene, João Luiz, João Guilherme e Gislley

  2. Raquel Chaves 24/06/2012 Responder

    Gislenne, não tenho outra coisa a te dizer agora além de muitos parabéns e a você e seu marido, por serem tão grandes nesse mundo tantas vezes tão minúsculo.
    Abraço nos 2 e no reizinho.
    Victor, teu site está lindo!
    Raquel Chaves, de Fortaleza (CE)

    • Gisllene Lyra 25/06/2012 Responder

      Obrigada Raquel, palavras como as suas me incentivam a cada dia!!!
      Abraços

  3. Cláudia Maciel 25/06/2012 Responder

    Oi querida amiga,

    Quero dizer que chorei muito ao ler o seu depoimento, não porque senti pena de vc ou de seu pequeno reizinho, mas porque nos conhecemos há mais de 20 anos e sei a sua história de vida, sei que vc é uma mulher de personalidade forte, guerreira e orgulho-me cada vez mais em ser ter a sua amizade. Vc tem razão quando afirma que o assunto precisa ser mais divulgado e discutido, para que as pessoas possam se conscientizar. Vc está indo pelo caminho certo, ele não deve ser tratado como um ser humano com problemas, pois ele é normal, devendo apenas ser respeitado o seu limite, afinal de contas é um ser que merece muito amor e respeito de todos nós!! Parabéns pelo seu lindo filho, que Deus sempre ilumine vc e sua família. Bjos!!!

    • Gisllene Lyra 25/06/2012 Responder

      Minha amiga…
      Poucas pessoas me conhecem tão bem como vc…afinal são mais de 20 anos de amizade como vc falou…obrigada pelas palavras e pela força. Adoro vc. Bjus

  4. Simone Miranda Rodrigues 26/06/2012 Responder

    Leio e releio o seu depoimento Gislene, ainda me emocionando… Já aprendi muito com os SD, sou psicóloga e já trabalhei na Educação Especial, mas o que aprendi hoje com você, foi mágico. Não tem nos livros e sim no coração. bj grande!

  5. anakaryna lemos 06/07/2012 Responder

    Gis, fiquei muito emocionada com seu depoimento, e vejo que realmente nosso pai te deu a graça em dobro, de ser mãe e de uma criança especial.
    Minha familia trabalha com a educação especial, então, sei como é o dia a dia das crianças e dos pais, fico muito feliz por você ser tão determinada, e só posso desejar que nosso Pai continue guiando os teus caminhos pq nós somos os anjos que Ele colocou na vida de nossas crianças.

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